Doentes cardíacos vão ter prioridade no atendimento, tal como os oncológicos

Primeiras consultas nos hospitais passam a ter que ser marcadas, no máximo, no prazo de quatro meses e espera por cirurgias não poderá ultrapassar os seis meses, revela o secretário de Estado adjunto da Saúde, Fernando Araújo.

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Fernando Araújo: "Queremos que haja uma partilha de recursos dentro do SNS" Ricardo Campos

Em breve haverá tempos de espera específicos para doentes cardíacos, à semelhança do que já existe para doentes oncológicos, adianta o secretário de Estado adjunto e da Saúde, Fernando Araújo. “Tínhamos a noção de que havia doentes perdidos no sistema, com tempos não adequados à sua doença cardíaca. Alguns perdiam tempo demais nessa espera”, justifica o governante

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Em breve haverá tempos de espera específicos para doentes cardíacos, à semelhança do que já existe para doentes oncológicos, adianta o secretário de Estado adjunto e da Saúde, Fernando Araújo. “Tínhamos a noção de que havia doentes perdidos no sistema, com tempos não adequados à sua doença cardíaca. Alguns perdiam tempo demais nessa espera”, justifica o governante

O que se pretende com este novo modelo do Sistema Integrado de Gestão do Acesso (SIGA)?
Há quatro portarias que vão ser publicadas para operacionalizar este sistema. A primeira é a do Sistema Integrado de Gestão do Acesso (SIGA) e as outras três estipulam os tempos máximos de resposta garantidos para consultas, cirurgias e Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica (MCDT), definem as tabelas de preços dos episódios e actos no Serviço Nacional de Saúde (SNS), incluindo a produção adicional, e, por fim, o modelo de regulamento interno dos Centros de Responsabilidade Integrados. O SIGA pretende definir o sistema de informação para termos uma visão integrada do percurso dos doentes, porque o que hoje temos são fragmentos. Num doente oncológico, por exemplo, desconhecemos o tempo que demora desde que é referenciado pelo médico de família até ser operado.

Há muitos doentes que passam meses a fio neste labirinto?
O que hoje temos é o tempo de espera para a primeira consulta e o tempo de espera para a cirurgia. Mas, entre uma coisa e outra, por vezes há um hiato considerável e que até agora não tínhamos capacidade de monitorizar.

Pretendemos ter uma visão integrada de todo o percurso e ver se há aqui falhas no meio. É uma questão de organização. A segunda portaria tem várias novidades: primeiro, o tempo de espera para primeira consulta hospitalar vai passar de 150 para 120 dias, ou seja, de cinco para quatro meses.

Depois, há uma área nova para primeira consulta, que é a das pessoas com doença cardíaca. Haverá tempos de espera específicos para doentes cardíacos, tal como hoje existe para doentes oncológicos. Tínhamos a noção de que havia doentes perdidos no sistema, com tempos não adequados à sua doença cardíaca. Alguns perdiam tempo demais nessa espera.

Que prazos definiram para estes doentes?
Serão comparáveis aos da oncologia. No segundo e terceiro níveis, vão ter prioridade semelhante à dos doentes oncológicos.O prazo máximo será de 15 dias, por exemplo para os doentes com cardiopatia isquémica e insuficiência cardíaca grave que precisam rapidamente de uma consulta, e de 30 dias, no caso de patologia cardíaca com potencial de indicação cirúrgica. Há grupos de doentes que esperam tempo demais. Neste âmbito haverá também, de forma inovadora, tempos específicos para a cirurgia cardíaca.

Mas os hospitais têm capacidade para estas novas tarefas e prazos de resposta?
Do ponto de vista da cardiologia, não temos grande volume de espera, mas vale a pena colocar aqui alguma pressão no sistema para que os doentes não andem perdidos.

Como é que vai ser possível acelerar a resposta nas consultas se há vários hospitais que não conseguem, sequer, cumprir os cinco meses já hoje previstos na lei?
Queremos que haja uma partilha de recursos dentro do SNS. Se um hospital demora mais tempo a fazer uma TAC (tomografia axial computorizada) , o doente poderá ir a outro local do SNS. Outra questão passa por internalizar, ver se, em termos de rede, conseguimos dar resposta mais rápida, rentabilizando a capacidade instalada.

Nos meios de diagnóstico, como vão conseguir encurtar estes prazos? Isto não vai implicar mais gastos?
Nos MCDT estamos a gastar valores elevados com os convencionados. Em 2015 e 2016, esta despesa oscilou entre os 430 e os 440 milhões de euros por ano. No Sistema Integrado de Gestão de Inscritos em Cirurgias (SIGIC), cerca de 25 a 35 milhões de euros por ano. Queremos também aumentar a transparência e ao mesmo tempo captar os melhores recursos, que passam a poder receber de forma diferenciada, em termos de produção acrescida, como recebem já as equipas cirúrgicas.

Quais vão ser os prazos?
Até agora, só havia tempos máximos de resposta legislados em dois MCDT: cateterismos e pacemakers. A partir daqui, haverá prazos máximos para  endoscopias, medicina nuclear, TAC e ressonâncias magnéticas, angiografia e radioterapia. O que se passa hoje é que por vezes a consulta é rápida mas os doentes esperam muito tempo por exames. Queremos  colocar pressão no sistema, centrando o nosso foco no real interesse dos utentes.

E nos meios complementar de diagnóstico e terapêutica?
Depois de muita reflexão, foram estabelecidos os tempos máximos para as endoscopias em 90 dias, as TAC e ressonâncias magnéticas também 90 dias, a medicina nuclear e as angiografias 30 dias, e radioterapia 15 dias. Estou expectante para perceber realmente quanto tempo é que um doente oncológico espera desde que é referenciado do centro de saúde para hospital, depois aguarda por TAC, ressonância,  a seguir vai à consulta e espera por cirurgia, para somar isto tudo e perceber o seu percurso dentro do sistema.

Mas tudo isto não implicará contratar mais profissionais de saúde?
A ideia é poder pagar a actividade além da base, de forma adicional. Os médicos, os enfermeiros e outros profissionais de saúde poderão trabalhar mais do que o seu horário, ao fim-de-semana, por exemplo.

Querem, portanto, fazer concorrência ao sector privado?
Não, a ideia é evitar que os doentes saiam do SNS. Queremos reduzir o que temos de comprar fora por não conseguirmos fazer dentro do SNS. Com produção acrescida, queremos fixar os melhores profissionais, evitar que tenham que a meio da tarde sair dos hospitais para irem trabalhar noutros locais.

Mas no Sistema Integrado de Gestão de Inscritos em Cirurgias [SIGIC], que existe há muitos anos, continua a haver problemas.
Sim, mas também nessa área vamos reduzir tempo máximo de resposta de 270 para 180 dias, de nove para seis meses. Esta é, aliás, a grande alteração do ponto de vista de tempos de resposta. Nos últimos anos, a resposta estabilizou por volta dos 3 a 3.5 meses. É uma média, mas há casos extremos, traduzindo iniquidade. Queremos tentar aplanar a curva.

Nas consultas, há hospitais que não têm recursos humanos para dar resposta. No Algarve, por exemplo, só há dois dermatologistas.
O Algarve tem grande carência, de facto, e por isso foi considerada uma região carenciada. Os médicos jovens que escolhem o Algarve têm desde logo um incentivo no seu vencimento e poderão ainda ter acesso a produção acrescida nas consultas em que existam tempos de espera significativos. Queremos oferecer um pacote que seja mais atractivo, para os captar e fixar.

Quanto vão ganhar mais?
Actualizamos as tabelas do SNS e do SIGIC, e dos convencionados, o que vai levar a uma redução ligeira do pagamento a estes e a um aumento ligeiro aos profissionais.  As equipas de recursos humanos (médicos, enfermeiros, técnicos, assistente técnicos e operacionais) vão receber um valor que oscila entre os 35 a 55% do pagamento suplementar. Dependendo do tipo de acto e dos custos, há margem para o conselho de administração decidir. Nas primeiras consultas, cujo valor é de 34,1 euros, significará na prática entre 12 a 19 euros. Nos MCDT os valores serão semelhantes em termos de margens percentuais.

Mas os médicos dizem que os equipamentos estão obsoletos. O bastonário da Ordem anunciou que vai fazer um levantamento sobre esta matéria.
Na área das endoscopias o nosso parque é relativamente bom, mas temos falta de gastrenterologistas e de anestesistas. Na área de imagem, estamos a tentar renovar e aumentar o parque de TAC e ressonâncias magnéticas, agora, também temos em alguns locais equipamentos subutilizados por falta de radiologistas e, por isso, temos de fazer exames nos convencionados. Mas, em geral, são os recursos humanos que constituem o factor limitativo.

Resta saber se profissionais vão aderir.
É verdade. Podem não ganhar não tanto como no privado, mas também entra em conta a questão de deixarem de ter que andar a correr entre instituições, de terem uma equipa diferenciada que os apoia e um hospital que lhes dá mais segurança e estabilidade.  Se for só com dinheiro, no limite nunca conseguiremos concorrer com os privados. Agora, se tivermos um pacote integrado, que implique ainda poderem fazer formação e investigação, acredito que será possível atrair os jovens médicos.

O novo sistema só vai funcionar nos Centros de Responsabilidade Integrada?
Não, a ideia é preferencialmente, mas não exclusivamente, iniciar nos CRI, que poderão ser entre três a seis no primeiro ano, porque aí é mais fácil fazer essa gestão. A adesão a este modelo é voluntária.  

Muitos doentes, cansados por esperar, desistem e vão ao sector privado. A despesa que sai directamente do bolso dos portugueses é muito elevada e as consultas nos privados já representam cerca de 40% do total.
Em cirurgia e nos MCDT, não é tanto assim, a não ser nos casos de pessoas que dispõem de  subsistemas (como a ADSE) e de seguros, porque os custos são muito elevados. Agora, nas consultas sim. Mas também há alguma geração de consultas interna do lado dos privados. O sistema está muito pulverizado. Quando comparamos tempos de espera com os de outros países, na cirurgia e na consulta temos tempos muito bons. O problema é que nos falta o resto, não temos uma ideia global do percurso do doente.

Nas consultas vão dar vales, como acontece nas cirurgias?
Não vamos emitir vales para os convencionados, só iremos pagar dentro das instituições públicas do SNS, ao contrário do que acontece no SIGIC.

E se o doente não tiver resposta a tempo e horas?
Vamos tentar que haja alternativa noutro hospital. Nesta fase, pretendemos medir e pagar de forma diferenciada, aumentando o acesso.

Os doentes terão que deslocar-se e pagar o transporte do seu bolso?
Penso que o processo será semelhante às cirurgias. Neste momento, o problema é que há assimetrias e iniquidades e temos que tentar chegar a essas bolsas mais vulneráveis.

Quando é que tudo isto entra em vigor?
A portaria do SIGA vai ser publicada esta semana. Os tempos máximos de resposta para consultas vão começar mais cedo, os dos MCDT vão demorar um pouco mais. Outra vantagem é a de que as pessoas passam a poder ver estes tempos no Portal da Saúde e, em Junho, arranca o novo centro de contacto do SNS que terá capacidade de agendamento dos MCDT.