Rui Moreira: "Alguns dos velhos negócios só sobrevivem por haver turistas"

Autarca do Porto reconhece que houve dossiers que andaram devagar, mas contesta os críticos: "Se tivesse feito muita obra este ano, diriam que era por razões eleitoralistas."

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Manuel Roberto / Publico

O turismo não o preocupa, pelo contrário. As obras foram um desafio, mas ficam prontas a avançar. A cidade do Porto, vista pelo autarca.

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O turismo não o preocupa, pelo contrário. As obras foram um desafio, mas ficam prontas a avançar. A cidade do Porto, vista pelo autarca.

Uma citação: “Estamos numa fase muito crítica em que aquilo que caracteriza o Porto, até como cidade comercial, pode estar a desaparecer e a ser substituído por uma voragem de lojas de bugiganga turística anódina e inconsequente.” Sabe quem escreveu isto? 
Não.

E subscreve?
Hoje? Não, não subscrevo. 

O autor foi o Paulo Cunha e Silva [vereador da Cultura de Rui Moreira até ao seu falecimento em Novembro de 2015]. Não receia que o Porto se arrisque a transformar-se numa “voragem de lojas de bugiganga turística anódina e inconsequente”?   
Não, não receio. E explico porquê: por causa dos jovens empreendedores. Aquilo que acontece hoje no Porto é que, à mesma medida que vão desaparecendo estabelecimentos tradicionais (o que nos preocupa, mas alguns esgotam-se por razões diversas),  em determinadas áreas tem vindo a surgir uma nova forma de comércio de rua que contrasta com esse receio que existiu. Na época do Natal verificou-se o aumento do consumo do comércio tradicional versus um decréscimo dos centros comerciais, onde, aí sim, as lojas são todas iguais, todas formatadas. Hoje verifica-se que existe um novo comércio ligado a uma criatividade e a uma inovação que parece que, de alguma maneira, atenua esse risco. 

O turismo está ou não a afastar os velhos negócios e os habitantes do centro da cidade?
Alguns dos velhos negócios só sobrevivem precisamente por haver turistas…

Como as lojas de ferragens da Rua do Almada, que Paulo Cunha e Silva elogiava?
Ainda na sexta-feira estive numa reunião e uma das empresas que lá estava a falar era uma loja de ferragens da Rua do Almada e estava a dizer que o negócio nunca lhe correu tão bem – porque a reabilitação é enorme e o facto de ter uma variedade de ferragens interessante é atraente para os que estão a fazer reabilitação na cidade. Eu não considero que o turismo tenha esse efeito perverso, bem pelo contrário. Também não é razoável dizer que há um alfarrabista que desapareceu por causa do turismo. Não, o alfarrabista desapareceu porque, infelizmente, as pessoas de hoje em dia compram e procuram menos livros. É uma realidade de que temos pena. Quanto aos moradores, também não é verdade. Vamos ver os números do turismo, parece-me que se cria aqui alguma ilusão, e compará-los com os números da mobilidade. O Porto tem em média por dia 8 mil turistas. Numa cidade com esta dimensão, que perdeu 30% da sua população, 100 mil habitantes, nos últimos 30 anos, a presença de oito mil turistas dificilmente poderia expulsar fosse quem fosse. Se perguntar se o turismo tem um impacto na cidade e esse impacto tem em larga medida efeitos positivos, mas também tem efeitos que têm de ser mitigados, com certeza. 

A saber...
Na mobilidade – por isso tomámos uma medida inédita que foi regulamentar os transportes turísticos; por isso a necessidade de criarmos uma taxa turística, que eu já defendi e só não criei porque não estava no meu programa eleitoral.

Para que vai servir a receita?
Ao contrário do que sucede em outros municípios, como em Lisboa, entendo que a taxa turística deve ser utilizada para mitigar a pegada turística, ou seja, desde logo para acelerar o processo em que estamos a reconstruir habitação na Baixa e o centro histórico para garantir que os moradores do Porto têm acesso à habitação a preço decente, ou compatível. Neste momento, o número de casas em reconstrução no centro histórico vai permitir colocar o equivalente a 3% da população do centro histórico – e ainda não temos taxa turística.

Vamos deixar de fora a Cultura e o aumento do fluxo de turistas. Tem alguma coisa mais para mostrar no âmbito do seu mandato? 
Temos. 

As obras no Bolhão, no Matadouro ou no Terminal Intermodal de Campanhã não podiam ter andado mais depressa? 
No caso do Bolhão, as obras poderiam ter andado mais depressa, se tivéssemos optado por um modelo privado. Quando eu disse que era possível reabilitar o Bolhão num prazo mais curto, o que é eu dizia nessa altura? Dizia: nós podemos, se não fizermos caves, se fizermos um restauro e se fizermos isto concessionando a privados. Chegando cá e vendo a evolução das contas da câmara, havia duas coisas: em primeiro lugar, o projecto que estava previsto e esse projecto, com todo o respeito que tenho pelo arquitecto, e a quem, aliás, já dei a medalha da cidade, tinha uma coisa que para mim era inconveniente: colocava uma espécie de uma tampa no Bolhão. Eu entendi que essa circunstância exigia um novo projecto. Mas havia outra questão. Rapidamente me apercebi que a câmara ia rapidamente gerar os recursos necessários para fazer aquilo que nós queríamos, mas nem ousávamos dizer, que era fazer um modelo de mercado público de frescos com uma reabilitação que transformasse o mercado, que vai viver os próximos 50 anos com as condições que aquele mercado não tinha – ou seja, criando um conjunto de infra-estruturas no subsolo que permita fazer cargas, descargas, limpezas, etc. O que eu acho é que aqui eu fiz mais do que tinha prometido. Basta ver que o próprio PCP diz: "Isto não volta para trás e este é o mercado que nós queremos." Fazer isto mais rapidamente não teríamos feito tão bem. Também é verdade que nessa altura, há três ou quatro anos, dificilmente se acreditaria que a actividade do comércio de rua fosse a que vai ser e que já vai sendo. Nessa altura não era razoável a expectativa de que um mercado da dimensão do Bolhão se adaptasse aos níveis de consumo da cidade do Porto. 

Mas vai chegar ao final de mandato com muito dinheiro em caixa e sem obra para mostrar. Isso preocupa-o?
Se tivesse neste ano feito muita obra, diriam que estava a fazer por razões eleitoralistas. Assim, pelo menos não o dirão. O que sei é que deixo os recursos necessários.

Não corre o risco de lhe acontecer como Fernando Cabral, que deixou 7,5 milhões de contos para depois Fernando Gomes, que venceu as autárquicas de 1989 no Porto, gastar?
Mas não deixou projectos em curso e eu tenho projectos em curso. Se perder as eleições, como o próprio PCP confessa, já não possível andar para trás.