Partículas finas no ar mataram (só em 2007) mais de três milhões de pessoas

Cientistas da China e dos EUA analisaram dados da poluição do ar para 2007, ano em que tinham dados mais actuais para várias regiões do mundo sobre a emissão de partículas finas ligadas ao comércio internacional.

Foto
Xangai, na China, em Dezembro de 2015 Aly Song/Reuters

A poluição não conhece fronteiras e o que é produzido num local pode afectar não só as pessoas desse sítio como de outros muito distantes. Só em 2007 houve 3,45 milhões de mortes prematuras em todo o mundo por causa de partículas finas no ar. A produção destas partículas, transportadas pela atmosfera, está sobretudo ligada ao comércio internacional — conclui um estudo hoje na revista Nature, na semana em que Donald Trump assinou um decreto para mudar o sector energético nos EUA que afecta a redução das emissões de dióxido de carbono.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

A poluição não conhece fronteiras e o que é produzido num local pode afectar não só as pessoas desse sítio como de outros muito distantes. Só em 2007 houve 3,45 milhões de mortes prematuras em todo o mundo por causa de partículas finas no ar. A produção destas partículas, transportadas pela atmosfera, está sobretudo ligada ao comércio internacional — conclui um estudo hoje na revista Nature, na semana em que Donald Trump assinou um decreto para mudar o sector energético nos EUA que afecta a redução das emissões de dióxido de carbono.

Na sua análise, a equipa tomou como ponto de partida as partículas muito finas em suspensão no ar, com 2,5 micrómetros de diâmetro (cerca de 20 vezes mais finas do que a espessura de um cabelo humano), e que chegam aos nossos pulmões. São estas partículas que estão nas nuvens de poluição. Resultam da produção da energia e de sectores como a indústria, os transportes ou a agricultura e a sua concentração pode ser tanta que reduzem a visibilidade. Contêm substâncias tóxicas que afectam o sistema circulatório e respiratório e têm impacto no sistema nervoso, cardiovascular e imunitário. Estão relacionadas com doenças cardíacas, cancro dos pulmões ou a doença pulmonar obstrutiva crónica.

Ora, num estudo coordenado pelo químico Qiang Zhang, da Universidade de Tsinghua, na China, demonstrou-se que houve cerca de 3,45 milhões de mortes prematuras provocadas por partículas de 2,5 micrómetros de diâmetro. Cerca de 12% dessas mortes (411.100) ocorreram numa região onde a poluição do ar não foi aí produzida e cerca de 22% (762.400) da poluição foi associada directamente à produção de bens e serviços produzidos numa região e consumidos noutra. “O comércio internacional é uma das questões globalizantes que está mais relacionada com a mortalidade provocada pela poluição do ar  onde os bens são consumidos e onde as emissões ocorrem”, lê-se no artigo científico.

Para chegar a estes resultados, a equipa de Qiang Zhang analisou o número de mortes relacionadas com as partículas finas do ar produzidas em 13 regiões do mundo, em 2007. Este foi o ano em que a equipa conseguiu ter dados mais recentes para a sua análise, explicou ao PÚBLICO Steven J. Davis, da Universidade da Califórnia (EUA) e um dos autores do artigo.

Foi também naquele ano que a China, que tem estado a braços com graves crises de poluição atmosférica, lançou a estratégia Civilização Ecológica, para estudar os impactos da poluição e fazer frente às crises climáticas.

Nos dados analisados pela equipa, só a China cerca de 30.900 das mortes no Leste da Ásia (excluindo a Índia e a China) foram relacionadas com emissões oriundas da China. E houve 47.300 mortes no Leste da Europa que foram relacionadas com emissões da parte ocidental da Europa. Por sua vez, estabeleceu-se uma relação de cerca de 2300 mortes na parte ocidental da Europa com emissões dos Estados Unidos. 

“Dada a densidade populacional da China, a intensidade alta das suas emissões, a grande dimensão das suas exportações e a população elevada das regiões suas vizinhas, as exportações chinesas incorporam assim um número maior de mortes do que as exportações de qualquer outra região”, refere o artigo, apontando 64.800 mortes provocadas pela poluição do ar na China.

Outros números preocupantes

E há alguma forma de reduzir a concentração destas partículas fininhas no ar? “Há tecnologias avançadas para controlar a poluição do material particulado de 2,5 micrómetros vindo de centrais eléctricas, fábricas, camiões e carros”, diz-nos Steven Davis. “Os custos disto tornam os bens mais caros e enfraquecem o crescimento económico nos países em desenvolvimento. E isso leva à transferência da produção para outros países que têm menos restrições ambientais.” Os governos, acrescenta Steven Davis, estão assim numa “posição difícil” para criar medidas para minimizar os efeitos na saúde humana, pois consideram que isso dificulta o crescimento económico.

Na semana passada, também a revista Nature Climate Change publicou um trabalho científico sobre a concentração de partículas no ar com 2,5 micrómetros, aplicando um modelo de simulação climática. A equipa de Wenju Cai, da Universidade da China para os Oceanos (em Qingdao), concluiu que Pequim está a ser cada vez mais atingida por mais nuvens de poluição: houve um aumento de 10% entre o período de 1948-1981 para o de 1982-2015. Em Janeiro de 2013, realça a equipa, houve uma subida de 50% das nuvens de poluição na capital chinesa face aos valores normais. E, na segunda metade do século XXI, estima-se que que esse valor suba 80%.

Este estudo olhou também para as concentrações de partículas finas em 30 cidades chinesas, em Janeiro de 2013. Pequim chegou a atingir os 500 microgramas de partículas finas por metro cúbico no ar, no caso das partículas com 2,5 micrómetros. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que a concentração máxima recomendada destas partículas é de 25 microgramas por metro cúbico e que a partir dos 150 microgramas são prejudiciais para a saúde.

Para o meteorologista Renhe Zhang, do Instituto de Ciências Atmosféricas da Universidade de Fudan (China), o aumento da poluição atmosférica em Pequim resulta de uma rápida urbanização e industrialização, segundo um comentário seu na Nature Climate Change. “O aumento dos poluentes antropogénicos [de origem humana] está sem dúvida relacionado com o aumento das nuvens de poluição em toda a China, particularmente em cidades grandes como Pequim.”

Também em 2013 o relatório Global Burden of Disease, da OMS, referia que a poluição atmosférica tinha causado a morte prematura a mais de 5,5 milhões de pessoas em todo o mundo durante aquele ano. A maioria das mortes aconteceu na China (1,6 milhões) e na Índia (1,3 milhões) e nalguns dias os valores de partículas finas por metro cúbico no ar chegaram aos 300 microgramas.

Na China, a maior parte da poluição veio da queima de carvão para produção de electricidade, enquanto na Índia veio do carvão industrial e do trânsito. Foi também em 2013 que o Governo chinês lançou planos de acção para tentar controlar a poluição do ar, do solo e da água.

A última grande crise de poluição atmosférica na China foi em Dezembro do ano passado e afectou mais de 20 cidades. Em Pequim, as partículas com 2,5 micrómetros atingiram aos 450 microgramas por metro cúbico. Em várias cidades próximas de Pequim chegou-se aos 500 microgramas e em Handan, na província de Hebei, alcançou-se mesmo algo como os 1000.