Retalhos da vida de uma aldeia deste e de outros tempos

Monsanto, no município de Idanha-a-Nova, um dos mais envelhecidos do país, voltou a ter 1.º ciclo no ensino básico. A aldeia histórica resiste, aposta no turismo, mas as relações entre novos e velhos moradores nem sempre são pacíficas.

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O sino da torre do relógio não falha. Delém-delém. E lá está o galo de prata, réplica do galardão de “aldeia mais portuguesa de Portugal”, atribuído pelo Secretariado de Propaganda Nacional em 1938. Fosse época de férias, sábado ou domingo e seria um rodopio entre casas, palheiros e furnas. É Inverno, dia de semana, quase não se vê vivalma nas sinuosas ruas de Monsanto.

A Loja Mais Portuguesa até está aberta, mas Maria Alice Gabriel, de 86 anos, continua dentro de casa. Dormita longe de olhares de estranhos. A empregada que atenda. Raul Mendonça, o rival, de 79 anos, tem a porta fechada. Foi dar milho às galinhas. A esta hora, a mulher dele, Rosa, é a única cliente do Café Monsantino, ao pé do antigo consultório de Fernando Namora.

O olhar atravessa o vidro fosco das janelas das casas de granito. Joaquim Fonseca, de 70 anos, debruçado, na Rádio Monsanto, a passar música portuguesa. A mulher, Maria Amélia, em casa a fazer marafonas, as tradicionais bonecas de trapos coloridos, sem olhos, boca, nariz ou ouvidos.

Não é que só haja gente de muita idade a morar nesta aldeia do município de Idanha-a-Nova. É que nas casas construídas entre pedras enormes, que podem servir de chão, parede ou telhado, quase não moram crianças. Há os três netos de dois velhos moradores, o homem da rádio e a mulher. E o filho de dois novos moradores, João Roque e a mulher, Helena, que vieram de Sacavém há oito anos abrir a Taverna Lusitana.

A esta hora, delém-delém-delém, nem um murmúrio infantil nas ruas calcetadas a granito. A criança mais pequena está no berçário das Termas de Monfortinho. E as outras no sopé da aldeia, no Complexo Escolar de Monsanto. Dois na turma de pré-escolar, outro na turma de 1.º ciclo.

Atenção que Monsanto não se esgota neste cabeço com menos de 80 pessoas. É também um punhado de lugares situados em redor, um mundo que se avista lá de cima, do topo, onde os Templários construíram uma fortificação e uma torre de menagem. Só que esse casario, compartimentado por renques de árvores, também acusa os males do despovoamento. E Monsanto, que já teve perto de quatro mil pessoas e agora tem umas 800, chegou a ficar sem 1.º ciclo.

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Joaquim Fonseca, 70 anos, na Rádio Monsanto

Foi ainda agora. Decorria 2014. A autarquia acabara de recuperar a velha escola primária – um edifício igual a tantos outros construídos na Beira Baixa durante o Estado Novo. A partir de Setembro, o pré-escolar e o 1.º ciclo iriam funcionar ali. De repente, chegou um fax da Direcção Regional de Educação do Centro: não haveria mais 1.º ciclo em Monsanto, as crianças teriam de ter aulas na sede do concelho.

Houve rebelião. A Câmara de Idanha-a-Nova interpôs uma providência cautelar. Os encarregados de educação andaram a ver como poderiam evitar pôr as crianças a fazer 60 quilómetros por dia, 30 para cada lado, reuniram-se com um representante do Movimento Escola Livre, acabaram por preencher formulários a pedir a transferência para o ensino individual.

Quem for falar com Joaquim Fonseca, por exemplo, ficará logo a saber que os filhos dele, um psicólogo, que trabalha na vila, no Centro Cultural Raiano, e um jornalista, que trabalha ali, na Rádio Monsanto, “andavam tristes”. “Nasceram em Monsanto, estudaram em Monsanto, vivem em Monsanto, queriam que os filhos estudassem em Monsanto.” Pela aldeia. E pelas crianças, que julgam demasiado pequenas para tão longas jornadas. Confiam que findo o 1.º ciclo estarão mais capazes de sair cedo, por vezes ainda noite, e de voltar tarde, por vezes já noite, e de aguentar o vaivém.

A câmara pôs o complexo escolar à disposição das famílias, garantiu três professoras, alimentação, transporte. E os 11 alunos ficaram ali a ter uma nova experiência de ensino. O Ministério da Educação entendeu que estavam em abandono escolar. Chumbou-os. No início do ano lectivo 2015/2016, seria Idanha-a-Nova.

Nem a autarquia, nem os pais deram o caso por perdido. E em Setembro de 2016 Monsanto voltou a ter ensino básico. Havia 19 crianças no 1.º ciclo e 12 no pré-escolar. O coordenador-adjunto da Unidade de Missão para a Valorização do Interior, João Paulo Catarino, até presidiu à cerimónia de reabertura. Era, discursou, um acto "simbólico para Idanha-a-Nova e para todo o país".

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“O encerramento não era aceitável”

A reabertura mereceu destaque na imprensa regional. O comum, no interior, comenta o director do Jornal do Fundão, Nuno Francisco, é haver “escolas a fechar, extensões de saúde a fechar, postos de correio a fechar, em suma, sinais de desistência do território”. Ora, ali estava “a prova” de que não tem de ser assim.

Nos últimos cinco anos, o país fechou 1808 escolas, 1027 dos quais no interior, sobretudo do pré-escolar e do 1.º ciclo. “Uma vez fechada a escola, o movimento de fuga acelera”, nota o sociólogo Alcides Monteiro, professor na Universidade da Beira Interior. “As famílias que têm filhos deslocam-se, o táxi desaparece, a mercearia desaparece e a aldeia fica quase votada ao abandono.”

Idanha-a-Nova conhece bem esse movimento. Há 20 anos, só a escola sede do agrupamento somava 800 alunos. Hoje, nem o agrupamento inteiro alcança esse número. Naquela época, havia 17 escolas de primeiro ciclo. Agora, cinco. Seriam quatro, se não houvesse tanto bater o pé até Monsanto reabrir.

“Para nós, o encerramento da escola não era aceitável”, elucida o presidente da câmara, Armindo Jacinto. A Idanha-a-Nova não basta o muito passado. “Ambicionamos ser um território de futuro”, enfatiza. “Temos uma estratégia de desenvolvimento assente no turismo, na agricultura, em várias áreas da economia verde. A perspectiva é de aumento do número de alunos.”

O município está a perder gente desde 1950. Só Alcoutim e Vila Velha de Rodão estão mais envelhecidos. Armindo Jacinto está convencido de que é possível dar a volta e que Idanha-a-Nova já começou a dá-la. Tem trabalhado a auto-estima. Assumiu a ruralidade. Tem uma das maiores áreas nacionais de agricultura biodinâmica (que usa esterco e compostos e exclui produtos químicos artificiais). Esforça-se para valorizar os seus produtos – queijo, azeite, ervas aromáticas, frutícolas, hortícolas. Nos últimos anos, multiplicou o número de unidades hoteleiras.

Muito tem discursado o autarca sobre o potencial turístico. Idanha conta com três geomonumentos, duas aldeias históricas e uma aldeia com reconhecido património judaico. Faz parte do Parque Natural do Tejo Internacional, com bosques de sobreiros e azinheiras e galerias de salgueiros. E da Rede de Cidades Criativas da UNESCO para a área da música. Acolhe o Boom Festival, o Fora do Lugar e o Salva Terra.

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Armindo Jacinto, presidente da Câmara de Idanha-a-Nova: “Ambicionamos ser um território de futuro”

Há menos de dois anos, o executivo lançou uma estratégia de atracção e fixação de residentes, a que chamou “Recomeçar”. Tem uma componente de apoio à criação e à expansão de micro e pequenas empresas, mas “é antes de mais pensada para quem cá vive sentir que tem qualidade de vida”. “Queremos em primeiro lugar motivar os que cá estão. Acreditamos que isso atrairá outros”, diz Armindo Jacinto. E a educação faz parte do pacote. Há uma rede de berçários públicos. As famílias não pagam transporte escolar (até ao fim do secundário), alimentação (até ao fim do 1.º ciclo), manuais (1.º ciclo). E há uma comparticipação das propinas dos estudantes do ensino superior residentes no concelho.  “É um investimento que fazemos para que as famílias optem por ficar”, esclarece. Nem quer ouvir falar em fechar escolas. “Pode haver uma estratégia em que se pense que uma escola em vez de estar num sítio deve estar noutro, mas tem de haver cobertura escolar e escola de qualidade.”

Zoo caseiro

Que pensarão as crianças que frequentam o 1.º ciclo do ensino básico em Monsanto? Preferem estudar na aldeia, nesta escola pequena, ou na vila, numa escola maior? “Nesta”, respondem em coro. “Aqui podemos comemorar a semana da pantarrona”, atira Carolina, de 8 anos. A pantarrona é uma boneca que entra em cena por altura do Carnaval. Tem cinco pernas, uma para cada dia útil da semana, cada qual com instruções sobre adereços a usar. Naquele dia, todos tinham gorros, chapéus ou perucas. No dia seguinte, todos haveriam de ter gravatas, laços ou colares. “Lá tínhamos mais colegas para brincar”, contrapõe Rui, de 9. “Aqui estamos todos unidos”, contrapõe Matilde, da mesma idade. Os do 1.º, os do 2.º, os do 3.º e os do 4.º numa sala. “Precisamos de alguma coisa, perguntamos aos colegas se podem emprestar.”

“Estes meninos estão tão bem aqui como estariam em Idanha-a-Nova”, garante o director do agrupamento, António Salgueiro. Durante a semana, por aqui passam vários professores que vão atenuando o esforço extra da professora titular. Pegam nos alunos, levam-nos para outra sala e puxam-nos para o ensino experimental das ciências, a matemática, o português ou o inglês.

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Não são todos de Monsanto. “Eu já cá tive três vidas”, diz Carolina, querendo dizer que já viveu naquela aldeia três vezes. Agora, vive noutra aldeia, Medelim. “E já viveu em Lisboa, não é?”, instiga a professora Telma Lima. “Sim. Muito perto do Jardim Zoológico.” Qual é a diferença entre Lisboa e Idanha? “Lisboa tem prédios muito altos. Também costuma estar um pouco mais de sol”, diz ela. Gargalhada geral. “É verdade.” “É muito melhor estar aqui do que em Lisboa”, atalha Matilde. “Em Lisboa tinha de acordar às seis da manhã! E aqui posso ir a casa do Rui. Fica perto. É só subir a rua.”

Viver em Monsanto “é bom”, assegura Rui. “Eu gosto de estar cá porque gosto de conhecer coisas novas, coisas já antigas, e tenho cá a família.” Pedro também tem uma opinião para partilhar: “É calmo. Nunca houve cá nenhum ladrão.” Os outros tornam a rir-se. Alguém garante que já houve um. E Pedro corrige-se: “Que eu saiba, nunca houve nenhum ladrão.” O seu comentário merece um esclarecimento de Carolina: “Em Lisboa há mais ladrões. Há mais pessoas.” E o facto de ela abrir a boca leva Pedro a responder à sua referência ao zoo: “Tenho um cão chamado Joka, que não morreu – por enquanto. Tenho uma cadela chamada Kika que vive literalmente dentro de casa. Tenho outro cão chamado Mini que é assim um cão bebé, que nem um ano tem...” A intervenção continua até perfazer 15 animais. Afonso ouve tudo em silêncio. Só lá em casa, longe dos colegas, haverá de dizer o que pensa: “Em Lisboa era melhor. Lá tinha muito mais amigo. E professoras.”

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Começar de novo

Manuela Martins veio há dois anos com o Afonso e os irmãos. Entendeu ser o melhor a fazer depois do divórcio. O externato levava-lhe mil euros por mês. As crianças despertavam às seis da manhã. Havia que vesti-las, alimentá-las, conduzi-las – cada uma delas com o seu almoço e o seu lanche. “Em Monsanto, há mais qualidade de vida”, pensou. “Ia ter mais apoio – da câmara e dos pais”, que dali tinham saído muito jovens, era ela bebé de colo, e que para ali tinham regressado pouco depois do pai se reformar, antes de fazer 60 anos.

No quadro do Serviço Nacional de Saúde, a enfermeira pediu transferência para o Hospital de Castelo Branco. Instalou-se com os filhos em casa dos pais, no lugar de Eugénia, a poucos minutos do Complexo Escolar de Monsanto. Afonso, de seis anos, frequenta o 1.º ano, e os irmãos, Laura e Dinis, de quatro anos, o pré-escolar.

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Manuela Martins regressou a Monsanto, agora com os três filhos que ali têm apoio dos avós

No fim das aulas, delém-delém-delém-delém-delém, os miúdos saltam todos à volta da mãe. Dir-se-iam infatigáveis. “Em Lisboa estamos fechados e quando saímos vamos com eles seguros, como se tivessem trela. Aqui, andamos à vontade. Ainda deixamos a chave na fechadura”, comenta, sorrindo para a algazarra infantil. Não lhe parece que estejam a perder oportunidades. “A Laura à quarta-feira tem ballet. À segunda e à sexta, vou com eles para a piscina. Ao sábado, quando estão comigo, às vezes vamos com o avô para a horta.” Também não sente que ela própria esteja a perder oportunidades. Tem saudades das amigas, claro, mas o tempo esvai-se entre o trabalho e os filhos. “Neste momento, estou a viver para eles. São muito pequenos. Quero fazer o melhor que sei e posso.”

O emprego e o resto

O critério fundamental da saída do interior para o litoral é o ganha-pão. E o critério de saída do litoral para o interior também. Há uma vaga na universidade? Uma oferta de emprego? Uma ideia para desenvolver um negócio e algum dinheiro para investir? A idade da reforma chegou e há um desejo de regressar à origem, de recomeçar, de viver com um pé no campo e outro na cidade?

Pode ser um choque quando se está habituado ao rodopio cultural da cidade, se tem o hábito de intervir em debates, participar em eventos literários, visitar exposições, assistir a espectáculos de teatro, dança ou música, frequentar salas de cinema, nota o filósofo André Barata. Experimentou mudar-se com a família de Lisboa para a Covilhã, onde trabalha, como professor da Universidade da Beira Interior, mas a família acabou por recuar. Agora, passa parte da semana num sítio e parte da semana no outro. Tem necessidades particulares, reconhece. Ele dedica-se à Filosofia, a ex-mulher à Literatura. Não lhe parece que a oferta cultural afecte tanto os quadros em geral. A ninguém, porém, bastará o emprego. “Imagine um jovem casal", pede. “Tem emprego numa freguesia rural. Tem uma criança. Há uma enorme dificuldade em ter um espaço de convívio, pessoas da mesma idade com crianças da mesma idade com quem conviver. É muito difícil para um casal jovem gerir uma vida social num espaço extremamente envelhecido.”

João Roque, de 45 anos, e a mulher, de 40, convivem apenas com outro casal da aldeia de Monsanto. “Era um sonho que eu tinha. Sair da cidade. Ir para o interior. Ser auto-suficiente", diz ele. Idealizava uma taberna e um alojamento rural.” E é isso que têm. A Taverna Lusitana, que é bar e unidade de turismo rural, e o FORNVM DV VIRIATO, que serve petiscos e pizzas. Mas a vida social é um desastre. Tanto que Helena já várias vezes teve vontade de desistir.

Monsanto parecia-lhe o sítio mais que perfeito para viver. Pela beleza daquele cabeço repleto de lendas (diz-se que entre os rochedos se escondem monstros terríveis e mouras encantadas). Pelo negócio. Tantos tempos sobrepostos naquelas ruas inclinadas. Quantos ainda se sobreporão?

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João Roque e a mulher abriram o Taverna Lusitana, que é bar e turismo rural. Queriam viver no interior

“Quando vim aqui pela primeira vez, fiquei apaixonado”, conta o taberneiro, de pé, do lado de dentro do balcão. Contagiou a mulher. “Monsanto fazia parte da nossa vida. O primeiro fim-de-semana que passamos juntos, como namorados, foi aqui.” Deu por ele a fotografar placas com os dizeres: “vende-se”. Engenheiro civil, sentiu bem a crise da construção. “Comecei a ficar sem trabalho, a arranjar trabalhos de seis meses com vencimentos abaixo da média. Tinha duas opções: emigrar ou mudar de ramo. Não sou de emigrar. Este sonho começou a desenvolver-se. Fui buscar as fotografias das placas a dizer vende-se.”

Assentaram arraiais no Verão de 2009. No princípio, tudo corria bem. Os novos moradores até iam a matanças de porco. Com o tempo, as relações entre velhos e novos azedaram. “Eles não se querem integrar”, acusa Fonseca. “Eles não nos deixam integrar”, acusa Roque.

Pequenas e grandes desavenças são relatadas do pé para a mão. Há uma que se arrasta. Na Páscoa de 2013, na zona do castelo passou a haver um passadiço metálico e uma antena. A antena tem os logos da MEO, da Vodafone, da Rádio de Monsanto, mas também serve o Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal/Ministério da Administração Interna. João Roque insurgiu-se. E ainda se insurge. Mas há na aldeia quem defenda a antena.

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Na Páscoa de 2013, na zona do castelo passou a haver um passadiço metálico e uma antena, contra a qual muitos se insurgiram

“Monsanto é uma área classificada”, concede o presidente da câmara. “Chegaram todos a um acordo. Que íamos fazer perante um parecer vinculativo da Direcção Regional de Cultura do Centro? Obviamente, preferia não ter a antena, mas a antena oferece as ligações ao mundo de que precisamos. Se queremos ter telemóveis, wifi, temos de saber conciliar tudo. E coloca-se-nos esse desafio. Temos várias propostas para minimizar o impacto”, afirma, sem adiantar quais.

Está optimista. “Há uns anos, a imagem que se passava de Monsanto era terrível. Hoje, temos problemas que gosto de resolver”, diz. Não valoriza desavenças entre vizinhos. Para além do problema da antena, aponta o problema no trânsito. “No Verão, nos feriados, aos fins-de-semana, aquilo fica inundado de carros. Temos um projecto que tem a ver com soluções de acessibilidade, viaturas eléctricas, de maneira a dar apoio a quem visita e a quem mora em Monsanto”, revela.

O visto gold que veio de Sintra

Lee Elton, 50 anos, tornou-se residente em Sintra, na Grande Lisboa, com um visto gold, viaja amiúde pela Europa inteira e ao subir o cabeço, com uns amigos, exclama a cada passo, fascinado. Não percebe como é que o acesso a um lugar tão único é gratuito. “Se isto fosse na China, cobrar-se-ia entrada e estaria sempre cheio de gente”, diz, em inglês.

“Será preciso pagar para entrar”, revela o presidente de câmara. “O futuro é risonho. É uma aldeia com muita perspectiva de desenvolvimento”, considera. “Em 2002, tínhamos uma unidade hoteleira que estava em agonia. Hoje, temos cerca de 60 camas. Não havia nenhum restaurante. Hoje, há três. Só havia uma loja. Hoje, temos uma oferta que se está a estender.”

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Lee Elton, 50 anos, tornou-se residente em Sintra, na Grande Lisboa, com um visto gold. Está de visita a Monsanto e não percebe como é que o acesso a um lugar tão único é gratuito

Muito Maria Amélia tem contribuído. “Gosto muito da minha terra. É uma terra que acho linda, mas já tenho pensado se devo continuar a divulgá-la”, comentara, numa voz fraca, afectada por uma doença que não a larga desde Dezembro. “Tem tudo investido em turismo de habitação. Simplesmente chegamos ao ridículo de ver isto cheio de carros, mas as pessoas não têm onde comer.”

Delém-delém-delém-delém-delém-delém-delém-delém. A perdiz de escabeche, o bacalhau com migas, os enchidos de veado ou javali, a chamar no Petiscos & Granitos. Os espargos silvestres com ovos, o arroz de galo, o ensopado de borrego, o cabrito no forno, a chamar no Cruzeiro. A Taberna Lusitana tem petiscos e pizzas. O FORNVM DV VIRIATO também, mas não funciona o ano inteiro. Com sorte apanha-se o pão de trigo e as bicas de azeite que as irmãs Adelaide e Catarina Marques fazem no forno de lenha de Penha Garcia e que andam a vender pelas terras à volta.

Maria Amélia nem considerara o FORNVM DV VIRIATO quando falara connosco. Avisara que os outros dois não dão para as encomendas nos dias de enchente, e que mesmo em dias de míngua, como este, mais vale reservar, uma vez que, neste caso, há risco de nem abrirem as portas. “Isso mexe comigo. Há gente a querer fazer investimento, mas só tem vontade, não é apoiada”, queixara-se. O filho, vai dizendo, trabalha com o pai e gostaria de abrir um restaurante com a mulher, que é tailandesa. Tanto que a aldeia é procurada por turistas asiáticos, sobretudo japoneses. Podia abrir um restaurante mais apropriado ao seu paladar. “Não tem apoios”, lamenta. E lá vêm as queixas sobre apoios públicos dados a quem não é da terra.

Não abundam empregos. Nem há mercado de arrendamento. O filho de Maria Amélia mora num apartamento que pertence à Rádio. Arruma-se com a família. Ficam três num espaço pensado apenas para um. “Está num cubículo. Precisa de uma casita com um quarto para eles e um quarto para a menina”, explica a mãe.

Tantas casas vazias por essas ruas acima. Enchem-se apenas em tempo de ócio. Os donos moram longe. Com o avançar do turismo, o preço das ruínas subiu. “Tentámos comprar uma cá em cima. Pediam aos 80 mil euros. Casas a cair, 40 mil euros. Pequeninas, onde apenas se pode fazer uma sala e uma cozinha e um quarto ou dois e uma casa de banho”, continua Maria Amélia. Procuraram no sopé da aldeia. Encontraram uma casa para arrendar. O dono pede 200 euros por mês. Parece-lhes demasiado, pelo menos enquanto a nora de Maria Amélia não arranjar emprego.

O irmão de Maria Amélia, Raul, andou por fora uns anos e voltou. “Eu por vezes penso assim: sou maluco – ou fui maluco. Voltei para cá porque gosto da minha terra. Sentia-me aqui bem. Ainda sinto. Ares muito bons. Tudo muito bom”, diz ele. “O médico vem aí duas vezes por semana. Isto já é um contra. Durante o ano, tenho três ou quatro consultas no Hospital de Castelo Branco. Houve tempos em que havia uns comércios aí. Tudo acabou. Há transportes de borla para ir às compras a Idanha ou a Castelo Branco. Lá em baixo ainda há duas lojas mas para fazer compras em condições tem de ser em Castelo Branco ou em Idanha.”

O homem, que se entretém a esculpir pedra, bem vê gente nova a chegar. Alguns desistem, voltam para o sítio de onde vieram. Outros resistem. “Vamos lá a ver para que é que isso dá. Estes problemas já há muito tempo que estão a andar. Pode ser que a partir daqui mude... não sei.”

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