Os alemães estão a trocar Merkel por Schulz ou é só fogo de vista?

A oito meses das eleições alemãs, a campanha começou em força e o candidato dos social-democratas está a tornar-se o favorito. Mas Martin Schulz ainda nem sequer apresentou o seu programa.

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As redes sociais pegar em Schulz como o candidato da novidade e da mudança na Alemanha Clemens Bilan/EPA

A política alemã despertou: a mudança repentina de candidato dos sociais-democratas (SPD) para o antigo presidente do Parlamento europeu Martin Schulz levou a um terramoto nas sondagens e à ideia de que a campanha será afinal disputada, e de que o principal perigo para Angela Merkel não virá do pequeno e populista partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha.

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A política alemã despertou: a mudança repentina de candidato dos sociais-democratas (SPD) para o antigo presidente do Parlamento europeu Martin Schulz levou a um terramoto nas sondagens e à ideia de que a campanha será afinal disputada, e de que o principal perigo para Angela Merkel não virá do pequeno e populista partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha.

Apesar de Schulz não representar uma mudança de conteúdo programático, a percepção é de que começou uma dinâmica diferente para as eleições de 24 de Setembro.

As redes sociais contribuíram para este efeito. Há contas no Twitter que apresentam a campanha de Schulz com as palavras-chave “alta energia” e “comboio sem travões”. A ideia dos criadores da conta, humorística, foi pegar nas montagens de texto e imagem virais mais habituais nos candidatos de direita, especialmente o norte-americano Donald Trump, mas “cheia de amizade e fortemente pró-europeia em vez do ódio, notícias falsas, teorias da conspiração, etc”, explicou um dos responsáveis (sob anonimato) ao diário britânico The Guardian. Schulz já fez um vídeo a agradecer.

O efeito Schulz no SPD foi imediato: responsáveis do partido anunciaram ter mais de 4500 novas inscrições em duas semanas. As sondagens também deram uma subida súbita e inesperada ao SPD, que numa delas, na semana passada, ultrapassava mesmo os democratas cristãos da CDU (embora dentro da margem de erro). Esta semana, nova sondagem indicava que uma série de eleitores do SPD que não votaram nas últimas eleições consideravam ir às urnas desta vez – um em cada cinco.

Efeito novidade

Schulz surgiu como um candidato novo e fresco e com vontade de vencer, em contraste com uma chanceler confiante mas desgastada após tantos anos no poder. O diário de grande circulação Bild atreveu-se a perguntar, na primeira página, se a Alemanha estava farta de Merkel.

O que os analistas apontavam como um ponto desfavorável a Schulz – ser pouco conhecido entre os alemães – está a tornar-se uma vantagem. O politólogo Kai Arzheimer disse em entrevista ao jornal Die Zeit que Schulz “é como um ecrã – toda a gente projecta as suas expectativas nele”.

Os democratas-cristãos não demoraram a reagir. O tiro de partida foi dado pelo ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, um dos políticos mais respeitados do país. Numa entrevista, Schäuble comparou Schulz a Trump, quando este diz: “Vamos tornar a Europa grandiosa de novo”, uma resposta ao “Make America great again” do Presidente americano.

Vários outros têm acusado Schulz de estar a intensificar contactos com os Verdes e o partido de esquerda radical Die Linke para uma coligação de esquerda – algo que já vinha a acontecer com a liderança anterior do SPD, sublinha o diário Handelsblatt.

A coligação seria muito difícil para o SPD, que sempre rejeitou aliar-se a nível nacional com a esquerda radical, herdeira no Leste do antigo partido único da ex-RDA, por causa da sua oposição à NATO, essencial para os social-democratas. Há sondagens que mostram também que esta combinação poderia ter uma maioria – mas na verdade os três partidos poderiam ter uma maioria no actual Parlamento (embora isso significasse esquecer o muito claro resultado da CDU, 41% contra 26% do SPD, obtido nas eleições de 2013). Schulz diz apenas que quer liderar, e que quem quiser liderar com ele, deve partilhar as principais orientações do SPD.

Mais problemática para Schulz poderia ser uma investigação do Parlamento Europeu sobre os gastos do político e membros do seu gabinete durante os anos em que foi presidente do Parlamento Europeu. Segundo o jornal britânico Sunday Times e a revista alemã Der Spiegel, Schulz teve gastos questionáveis nas eleições europeias de 2014, e promoveu colaboradores próximos, incluindo muitos alemães, para cargos importantes no Parlamento. Mas estas informações não tiveram para já muito eco na imprensa alemã.

Anti-Trump

Muitos analistas sublinhavam que apesar da subida de Schulz nas sondagens ser absolutamente inesperada, nas duas eleições anteriores os candidatos sociais-democratas (Frank-Walter Steinmeier, que foi eleito Presidente no domingo, e Peer Steinbrück, que se demitiu de deputado no ano passado) também começaram bem nas sondagens para descer em queda livre com erros de campanha. Schulz nunca fez campanha para uma eleição para o Parlamento alemão: foi de presidente da câmara de uma pequena cidade perto da fronteiras com a Bélgica e a Holanda para eurodeputado.

No entanto, algo distingue Schulz dos seus antecessores do SPD: esteve afastado da política alemã nos anos terríveis das reformas conhecidas como Agenda 2010, lançadas pelo chanceler social-democrata Gerhard Schroeder, que diminuíram uma série de apoios sociais e os condicionaram, e ditaram uma derrocada política de que o SPD nunca conseguiu recuperar. E por isso, apesar de concordar com as reformas, Schulz não é conotado com elas.

O seu programa não está ainda bem definido (é o que tem dito nas entrevistas), mas tem batido em duas teclas: a justiça social e a luta contra o populismo e o ódio.

A visibilidade dos resultados do populismo nos EUA do outro lado do Atlântico está a dar à esquerda europeia a hipótese de uma nova narrativa. “Depois de enfrentarem dificuldades em articular uma ideia clara por mais de uma década, os líderes da esquerda europeia podem ter enfim encontrado o seu salvador, um líder que pode voltar a dar-lhes um objectivo, e talvez parar uma trajectória eleitoral descendente”, dizia um artigo da Reuters. “O seu nome é Donald Trump.”

Como disse Henning Meyer, da London School of Economics, “há uma oportunidade real em ser a alternativa a Trump.” No caso alemão, no entanto, tudo pede cautela. “Um Schulz não faz a primavera eleitoral” , dizia Kai Arzheimer ao Die Zeit.