O psicodrama do Podemos

A revolução dos académicos da Complutense vai consumar-se hoje. O congresso do Podemos, força política que tomou de assalto a vida espanhola, tem tanto de novela venezuelana como de trama digno de Shakespeare.

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A revolução dos académicos da Complutense vai consumar-se hoje. O congresso do Podemos, força política que tomou de assalto a vida espanhola, tem tanto de novela venezuelana como de trama digno de Shakespeare.

Hoje vai saber-se quem ganhou o braço de ferro: Pablo Iglésias e a sua linha dura, que quer manter o Podemos na extrema-esquerda da vida espanhola; ou a via centrista de Iñigo Errejón, que quer fazer crescer a base de apoio do partido e corrigir o alvo depois do falhanço das legislativas de junho.

Este psicodrama do Podemos é fascinante. Quem o acompanha tem visto nele um reflexo das dificuldades da democracia moderna – em que é preciso decidir entre a coerência ideológica, o pragmatismo político e as tentações populistas mais primárias. Mas as dores de crescimento do Podemos são velhas como o tempo e resumem-se a uma pergunta: o Podemos quer ser poder ou não quer? Por mais que se usem frases feitas sobre as novas formas de fazer política, o que está em causa é o cumprimento das regras do jogo democrático tradicional. E este não se compadece com discussões acaloradas entre fundadores no Twitter nem com críticas à forma como um se aburguesou nas roupas e outro se manteve coerente à imagem descuidada.

Para chegar ao poder em democracia, costuma ser preciso apelar à maioria centrista. E esta não quer – pelo menos, não tem querido – um Podemos radicalizado à esquerda, com um discurso passadista cujos limites populistas ficaram à vista na eleição de junho. A aliança com a Esquerda Unida retirou 1,2 milhões de votos aquilo que os partidos valiam isolados e a recusa de alinhamento com o PSOE teve custos pesados para o Podemos. Iglesias quer manter a oposição à “tripla aliança” (PP, PSOE, Ciudadanos), que são os partidos do centro onde se governa, mas a linha de Erréjon quer precisamente aproximar o partido do arco de governação em Espanha.

E agora, com o horizonte de quatro anos de vida na oposição, o Podemos foi obrigado a decidir entre o líder histórico e a aposta numa via nova e incerta. Os resultados só se conhecem hoje, mas é difícil resistir à tentação de usar o exemplo espanhol para olhar para o estado da esquerda europeia que se debate entre refundar opções desgastadas como o PSOE ou apostar em radicalismos populistas sem compromissos como este Podemos de Iglesias. Paul Mason e Jeremy Corbyn estão de certeza atentos.