Sírios devolvidos a Damasco depois de 13 anos à espera para ir viver nos EUA

Cientistas impedidos de iniciar bolsas ou sem saber quando voltam a ver a sua casa. Seis sírios cristãos tiveram o imenso azar de voar a 27 de Janeiro.

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Protestos em Nova Iorque contra a decisão presidencial Reuters/LUCAS JACKSON

Os Assali foram ameaçados com algemas e não puderam telefonar aos familiares que os esperavam no Aeroporto Internacional de Filadélfia. Z. esteve três horas no JFK de Nova Iorque à espera da mulher, com os filhos pequenos em pânico; D. pôde reunir-se com a família mas não sabe quando voltará a ver os pais.

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Os Assali foram ameaçados com algemas e não puderam telefonar aos familiares que os esperavam no Aeroporto Internacional de Filadélfia. Z. esteve três horas no JFK de Nova Iorque à espera da mulher, com os filhos pequenos em pânico; D. pôde reunir-se com a família mas não sabe quando voltará a ver os pais.

Há muita gente com medo de não poder regressar aos Estados Unidos e quem tenha cancelado viagens profissionais para não arriscar sair. A ordem executiva do Presidente Donald Trump a suspender a entrada de cidadãos de sete países de maioria muçulmana por três meses e de todos os refugiados por quatro (para os sírios, por tempo indeterminado) pode afectar milhões. Só nos últimos dez anos, foram dados 500 mil green cards a nascidos no Irão, Iraque, Líbia, Síria, Somália, Sudão e Iémen.

São dezenas as histórias de académicos que iam começar bolsas de investigação, como a iraniana Samira Asgari, bióloga computacional pós-doutorada da École Polytechnique Fédérale de Lausanne (Suíça) que era esperada no laboratório de Soumya Raychaudhuri, um projecto da Harvard Medical School. “Estava muito entusiasmada por me juntar ao Soumya mas foi-me negado o embarque por causa da minha nacionalidade iraniana. Sentem-se mais seguros?”, escreveu Samira no Twitter. A investigadora viajava com o marido e já tinham um apartamento arrendado em Boston.

Tanta gente que não consegue regressar a casa: médicos como a sudanesa Suha Abushamma, com um visto H-1B para “ocupações especiais” cujos pacientes estão à sua espera na Clínica de Cleveland. Ou Nazanin Zinouri, cientista na Universidade de Clemson, Carolina do Sul, a viver nos EUA há sete anos, sem saber quando vai voltar a ver o cão que deixou com uma amiga quando foi de férias a Teerão.

Entre os primeiros a ver-lhe ser recusada a entrada – o primeiro processo a ser apresentado em tribunal tinha o seu nome e já está com a mulher e com o filho de sete anos –, Haider Sameer Alshawi, contabilista iraquiano 33 anos, aguardava há muito na Suécia pelo asilo nos EUA. A mulher e um dos seus irmãos, desde 2014 em Houston, trabalharam para uma empresa subcontratada pelo Pentágono no Iraque e foram alvo de um atentado que matou a cunhada.

Quando um segundo tribunal congelou a proibição de Trump, no domingo de manhã, tinha sido negada a entrada a 109 pessoas, diz o Departamento de Segurança Interna. Segundo os advogados de ONG, chegaram a estar 200 pessoas detidas em dezenas de aeroportos.

Z. e D. não querem ver os seus nomes publicados, como outras pessoas com quem o PÚBLICO falou. Têm medo de vir a ter problemas com o processo de D., síria com um green card, a viver há três anos e meio nos EUA que espera um dia ser americana, como o marido, Z.

“Deixámos a Arábia Saudita assim que soubemos da ordem executiva mas sem conhecer os detalhes. No aeroporto, os meus filhos e eu fomos separados dela por três horas enquanto lhe faziam perguntas sobre onde é que ela e os pais dela tinham nascido, a morada dela e o que eram as suas contas de Facebook, Snapchat e Instagram”, conta Z. “O agente até foi simpático, mas eu estava muito assustado, pensei que os meus filhos iam perder a mãe.” Entretanto, Z. fazia o possível por acalmar os mais pequenos “que choravam”.

Z. e D. tiveram sorte, mas a vida não volta ao normal. A entrada tem sido negada a pais que iam visitar filhos, uma mãe que ia para junto da filha grávida foi deportada, um casal de iranianos de 83 e 85 anos esteve horas detido. Os pais de D. vivem na Arábia Saudita. “Temos medo que ela não possa ver os pais no futuro, se ela não pode sair e eles não podem entrar…”.

Dia 1 da ordem

Sarah Assali é americana de origem síria. Em 2003, parte da sua família alargada decidiu que era tempo de tentar a vida nos EUA. Dois irmãos com as suas mulheres e duas crianças que já são adolescentes viveram os anos da guerra em Damasco, à espera das autorizações de residência, os green cards, que chegaram, por fim, em Dezembro. Quiseram passar um último Natal na sua cidade, e compraram os bilhetes para aterrar em Allentown, Pensilvânia, a 27 de Janeiro, o dia 1 da ordem de Trump.

A Casa Branca diz que os detentores de green cards não são abrangidos, mas os Assali “estão de regresso a Damasco, ainda mantinham a casa mas tinham despachado tudo, móveis, carro, abandonado os empregos”, conta Sarah, que tenta agora com o ACLU (American Civil Liberties Union) inverter a deportação.

“Eles não foram bem tratados, não lhe deram acesso a tradutor, negaram-lhes um telefone para poderem falar connosco, foram ameaçados com algemas”, descreve Sarah. “Sim, ficaram muito assustados.” Os Assali foram postos num voo de regresso a Doha, no Qatar, e daí tiveram de se meter num carro para Damasco. Sarah espera que o caso possa ser ouvido em tribunal ainda esta semana – entretanto, criou uma página de crowdfunding (https://www.gofundme.com/bringassalifamilyback) para assegurar que têm dinheiro para voltar a viajar para os EUA.

Para Sarah importa pouco a religião dos familiares, mas são cristãos do Médio Oriente, os mesmos que Trump prometeu privilegiar por serem alvo de perseguições nos seus países.