Palavras, expressões e algumas irritações de final de ano

“Plasma”, “Caixa”, “pós-verdade”, “yazidi” e “esperança” foram algumas palavras traduzidas… no suplemento P2, que regressou em Outubro de 2016. Comecemos pelo fim.

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Adriano Miranda

DEZEMBRO

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

DEZEMBRO

30 de Dezembro
Esperança

Sempre que o calendário está prestes a mudar para um novo ano, há uma atmosfera de “esperança” que contagia até os mais cépticos. Por todo o lado se escutam desejos de “bom ano”, seja em família, no trabalho ou na rua. E fazemos por acreditar que assim vai ser.

“Confiança, fé que uma pessoa tem em que ocorra aquilo que deseja”, é uma das definições que o dicionário nos oferece. Dito de outra forma, “disposição do espírito que induz a esperar que uma coisa se há-de realizar ou suceder”.

“Esperança” é também uma das três virtudes teologais cristãs, as outras são “fé” e “caridade” (como sinónimo de “amor”, que preferimos).

Podemos ter “esperança” de que um filho comece a falar e de que um político se cale. Ter a “expectativa” de que finalmente vamos aprender a fazer contas e de que os banqueiros também (não apenas as deles). Desejar que alguém melhore de saúde ou de comportamento, que um cessar-fogo seja isso mesmo, que um amigo arranje trabalho ou que um irmão regresse a casa.

Não nos envergonhemos de ser optimistas: “O pessimismo alimenta-se da razão. O optimismo precisa da vontade. De certo modo, o optimismo precisa do sentido da esperança que o preserve dos excessos da razão”, escreveu Bagão Félix no PÚBLICO (“Optimismo e pessimismo. E Alepo…”, 19 de Dezembro). Gostámos.

Prolonguemos então esta atmosfera o mais que pudermos e contagiemos quem está por perto. Com pequenos feitos também se pode mudar o mundo.

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Manifestação no Porto pela liberdade da população síria e contra a ofensiva na cidade de Alepo Paulo Pimenta

Bom ano de 2017, mas também de 2018, 2019, 2020… e todos os que se seguirem. Na esperança de que continue desse lado a ler o que escrevemos para si.

Dia 18 de Dezembro
Plasma

“Líquido transparente de vários tecidos orgânicos, como a linfa e o sangue, no qual se encontram em suspensão os glóbulos vermelhos, os glóbulos brancos e as plaquetas.” Este é o primeiro significado que o dicionário nos oferece para “plasma” e que diz respeito à fisiologia. Não esperávamos outra coisa.

Se os dicionários mudassem de filosofia e quisessem actualizar-se a cada dia, poderiam acrescentar a esta entrada uma correlação (linear positiva) entre litros de plasma humano e cilindrada de automóveis. Já que, por estes dias, ficámos a saber que ser presidente do Instituto Nacional de Emergência Médica é uma das variáveis que podem interferir na relação entre plasma e luxo automobilístico.

Um dicionário actualizado também poderia remeter para os vocábulos “negócio”, “concurso”, “corrupção” e ainda para os nomes “Octapharma”, “Cunha Ribeiro”, “Lalanda e Castro” ou para advogados eternos defensores de poderosos.

Assim, os leitores teriam oportunidade de se inteirar dos argumentos de todas as partes. E o conhecimento é sempre enriquecedor, mesmo que não nos torne tão ricos como os vendedores do “líquido transparente”.

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Sugerimos que os dadores de sangue comecem a cobrar pelo líquido vital que oferecem Nuno Ferreira Santos

Sugerimos que os dadores de sangue comecem a cobrar pelo líquido vital que oferecem, já que o Estado desperdiça grande parte dele para a comprar mais adiante. Ou então tornem-se accionistas da Octapharma. É rentável.

Há um outro registo para “plasma” (além de “ecrã cuja tecnologia usa esse gás”): “Fluido composto por moléculas gasosas, iões ou electrões.” Uma frase ilustra a definição: “Estima-se que 99% da matéria do Universo exista sob a forma de plasma.”

Percentagem que faz ecoar outra, a de que 1% da população mundial, a mais rica, tem tanto dinheiro como os restantes 99%. E é então que o sangue ferve.

11 de Dezembro
Solidariedade

Esta é a época de sermos todos bonzinhos. “Solidariedade”, “generosidade” e palavras derivadas ou semelhantes multiplicam-se pelas várias campanhas de Natal de ajuda a quem precisa. É bonito.

Diz o dicionário para “solidariedade”: “Apoio activo e desinteressado a uma causa alheia, em momento de necessidade.” E acrescenta: “ajuda”, “apoio”, “fraternidade”.

Este ano, a ajuda dos consumidores à recolha directa do Banco Alimentar Contra a Fome à porta dos hipermercados diminuiu relativamente à campanha do ano passado por esta altura. Em 2015, foram angariadas 2270 toneladas de alimentos; neste Natal, 2129 (menos 141 toneladas).

Não sabemos se os portugueses estão menos generosos, se desconfiam da palavra “Banco” ou se se questionam por não haver recolha à porta de mercearias e minimercados (poderiam também beneficiar da “dádiva” dos cidadãos benfeitores).

“No Natal, oferecia-se fruta e uns sapatos velhos que andavam lá por casa”, recordou ao PÚBLICO Maria Filomena Mónica, que lançou por estes dias o livro Os Pobres. A autora constatou: “Ainda há pobres a dez minutos de minha casa.”

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Em 2015, foram angariadas 2270 toneladas de alimentos; neste Natal, 2129 (menos 141 toneladas) Paulo Pimenta

Para “generosidade”, o dicionário regista: “Virtude daquele que se dispõe a sacrificar os seus interesses em benefício de outrem. Altruísmo.”

Escreve o Banco Alimentar num folheto distribuído nas caixas do correio: “A verdadeira prova de generosidade é partilhar aquilo que sobra.”

Aquilo que sobra? Não. Generosidade é dividir o que se tem. Mais: prescindir do que se tem.

Dar sobras de alimentos e vestuário usado é reorganizar a despensa e ganhar espaço no guarda-vestidos para a nova colecção Outono-Inverno. Sei lá!

4 de Dezembro
Luto

“Sentimento de mágoa e pesar pela morte ou desaparecimento de alguém”, regista o dicionário, que ilustra assim a explicação: “Dias de dor e de luto.”

É o que se vive em Cuba, porque morreu Fidel Castro, e no Brasil e na Colômbia, pela queda de um avião que fez 71 vítimas, entre elas, 19 jogadores de futebol do Chapecoense (mais 32 ligadas ao clube). Falamos das perdas mais mediatizadas da semana, sem querer minimizar o sofrimento que persiste noutras geografias.

Há mais significados para “luto”, como “conjunto de manifestações convencionais desse sentimento, ao nível individual e colectivo, nomeadamente as que dizem respeito ao traje e ao comportamento”. Pensamos em vestuário negro, solenidade e no “período de tempo em que se respeitam essas manifestações de pesar”.

O dicionário lembra que “o luto das mulheres viúvas era para toda a vida”. Por isso se torna comovente ver um estádio cheio de gente vestida de branco, verde e azul, a erguer velas e cachecóis em homenagem aos que iam jogar a primeira mão da final da Taça Sul-americana, em Medellín (contra os colombianos do Atlético Nacional).

Em Cuba, foram decretados nove dias de “luto nacional” e milhares de pessoas homenagearam Fidel na Praça da Revolução. Um cortejo com as cinzas do líder percorreu desde quarta-feira até hoje perto de mil quilómetros, de Havana até Santiago, berço da revolução de 1959.

Existem muitas formas de “fazer o luto”, ou seja, o “período em que uma pessoa se confronta, no seu íntimo, com a perda de alguém, procurando conquistar o equilíbrio psicológico que essa perda ameaçou ou destruiu”.

O desaparecimento aos 90 anos pode ser doloroso, mas não inesperado. Não é igual para quem tem entre 21 e 35, as idades dos atletas.  

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Adepto do Chapecoense Nelson Almeida/AFP

Como um furacão, a morte saiu à rua num dia assim.
 

NOVEMBRO

27 de Novembro
Caixa

“Qualquer recipiente rígido usado para guardar ou transportar alguma coisa.” Todos sabemos.

“Cofre ou receptáculo de dinheiros em estabelecimentos comerciais.” Fácil de perceber.

“Empregado que tem a caixa a seu cargo, nomeadamente uma caixa registadora.” Aproximamo-nos do que nos traz aqui.

“Repartição onde se fazem pagamentos ou recebimentos.” Mais perto ainda.

“Nome dado a certos estabelecimentos financeiros, destinados a crédito ou a aplicação e gestão de fundos.” Chegámos.

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Uma “caixa-forte” é um “compartimento muito seguro, de banco ou empresa, onde se guarda dinheiro, documentos ou objectos de valor” Paulo Pimenta

Um dos dicionários nomeia mesmo Caixa Geral de Depósitos e Caixa de Previdência, mas é de uma data em que não se prestava atenção a declarações de património e de rendimentos nem a reuniões prévias com nomeados prévios a presidentes de instituições previamente candidatas a recapitalizações.

Uma “caixa-forte” é um “compartimento muito seguro, de banco ou empresa, onde se guarda dinheiro, documentos ou objectos de valor”. Faz-nos lembrar o Tio Patinhas (e outras personagens fora dos livros): era um pato magnata e “caixa-de-óculos”.

Há a expressão “fazer caixinha”, isto é, “fazer segredo” ou “guardar uma revelação para o momento conveniente”. Prática comum na política e na banca.

“Pensar fora da caixa” quer dizer “pensar livre das amarras convencionais”. Já a “toque de caixa” remete para alguém “obrigado a fugir, de forma rápida e violenta”.

Na sexta-feira, a Caixa deu origem a insulto e retractação no Parlamento, a propósito da expressão “disfuncionalidade cognitiva temporária”.

Fica-se a pensar que por ali, volta e meia, ninguém “dá uma para a caixa”. Só para a Caixa.

20 de Novembro
Pós-verdade

Estranho vocábulo este que os prestigiados dicionários Oxford elegeram como palavra do ano. “Pós-verdade” dirá pouco a quem lê (e escreve) em português, mas achámos por bem trazê-la aqui.

Segundo os editores britânicos, trata-se de um substantivo “denotando circunstâncias em que factos objectivos são menos influentes na formação da opinião pública do que apelos à emoção e crença pessoal”. Sintetizando, “as pessoas votam nos palhaços porque se revêem neles”, recorrendo às palavras de João Paulo Batalha, da Associação Cívica Transparência e Integridade.

O uso de “post-truth” vulgarizou-se nos paises anglo-saxónicos com o “Brexit” e com a eleição de Donald Trump — dois “choques” para os que tinham certas verdades como garantidas.

“Verdade” significa “propriedade de estar conforme aos factos, ao real”. Quanto ao elemento “pós”, exprime a noção de “posterioridade no espaço e no tempo”, como “pós-guerra”. Na nova acepção, “pós” desvaloriza o conceito que prefixa, retirando importância à ideia de “verdade”.

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Donald Trump MATTHEW CAVANAUGH/AFP

Em Setembro, a revista The Economist considerava Trump como “o principal expoente da política ‘pós-verdade’”. E exemplificava: “Ele vive num reino fantástico onde a certidão de nascimento de Barack Obama foi falsificada, o Presidente fundou o Estado Islâmico, os Clinton são assassinos (...)”

Na política nacional, fala-se mais em “inverdade”. Um dicionário regista: “Neologismo que só se justifica pelo facto de com ele se desbrutalizar a palavra ‘mentira’.” O mesmo se poderá dizer para “pós-verdade”, uma forma de desbrutalização da “aldrabice”.

Com inspiração brasileira, também criámos neologismos: “pós-peta”, “pós-patranha”, “pós-lorota”, “pós-potoca”.

Haverá sempre forma de nos divertirmos com o que é triste. Como fazem os palhaços.

13 de Novembro
Presidente

Afinal o que é um “presidente”? “Pessoa que preside, que ocupa o mais alto cargo ou que dirige os trabalhos numa assembleia ou numa instituição.” No caso concreto de Presidente da República, “o chefe de Estado”.

Na quarta-feira, os norte-americanos elegeram o Presidente para os vários estados do país, Donald Trump de sua graça. Ali, vigora o “presidencialismo”, ou seja, o “modelo político ou sistema de governo em que compete ao Presidente da República a chefia do governo”. E o republicano que fintou os media está agora no “mais alto cargo” do país (e do mundo).

Há que dar razão a Miguel Esteves Cardoso, que escreveu: “Trump ganhou porque foi eleito. Nós perdemos porque fomos derrotados pelos nossos próprios preconceitos e pelo excesso de zelo com que perseguimos a vitória de Hillary Clinton.”

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Marcelo Rebelo de Sousa Rui Gaudêncio

Excerto do discurso do novo Presidente, que sossegou alguns: “Agora chegou o momento para os EUA sararem as feridas que nos dividem, para nos juntarmos e para que republicanos, democratas e independentes deste país se juntem como um povo unido. Chegou a altura.”

Ao “mordomo da festa de uma freguesia” também se chama “presidente”, mas não nos merece registo com maiúscula. Nem o “presidente da junta” nem o “presidente da Caixa” (mesmo com altos rendimentos e vasto património). Por coincidência, chamamos “caixa alta” à letra grande, mas só a concedemos mesmo ao Presidente da República. E ao Papa.

Num dicionário brasileiro, descobrimos em tempos que “presidente” também é nome de ave. Trata-se de um pássaro que “vive nos cisqueiros e nos lugares em que os esgotos desembocam nos riachos”. “Macuquinho” de sua graça. Mas não estamos aqui para insultar ninguém.

6 de Novembro
Cativo

Citar Camões no Parlamento português será sempre algo a assinalar, até porque se trata de um fórum onde a língua do poeta nem sempre é tratada como se impunha.

“A oposição está cativa de uma tabela”, disse Mário Centeno, ministro das Finanças, na discussão do Orçamento do Estado para 2017 para aprovação na generalidade. E declamou: “Aquela cativa que me tem cativo, porque nela vivo já não quer que viva.”

Citação de “Endechas a Bárbara Escrava”. (“Endecha” é um poema lírico, melancólico, “formado por estrofes de quatro versos de cinco ou seis sílabas”.

Para “cativo”, o dicionário oferece vários significados. Primeiro de dez: “Que está privado de liberdade, que vive em prisão ou cativeiro.” Seguem-se exemplos de frases, mas nada de tabelas: “A história de uma moura cativa” ou “sentia-se como um animal cativo”.

Há uma outra definição (certamente não a que Centeno se queria referir quando se dirigia à oposição): “Que está seduzido ou rendido a alguém ou a algo.” Mas o nosso erudito ministro utilizou o vocábulo noutras acepções: “Não há cativos na Educação, não há cativos na Saúde.” Aqui, a palavra pode traduzir-se por algo “que está retido ou sujeito a hipoteca”.

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Mário Centeno Daniel Rocha

Um pouco mais da “redondilha menor”, que se pensa ser dedicada a um amor com origem na Índia (não especificamente Goa...): “(...) Eu nunca vi rosa, em suaves molhos, que para meus olhos fosse mais fermosa. / Nem no campo flores, nem no céu estrelas, me parecem belas como os meus amores (…)”

“Refém” e “cativo” são sinónimos. E qualquer político parece estar “refém” de alguma coisa, seja de tabelas por revelar, de exigências da União Europeia ou de reivindicações de partidos com que se alia para viabilizar governo ou o que quer que seja.

“Cativos” de tudo isto estamos nós. E o mexilhão.

OUTUBRO

Dia 30 de Outubro
Yazidi

Nome de comunidade concentrada no Norte do Iraque e que combina elementos de várias religiões do Médio Oriente. Ficámos a sabê-lo pelos piores motivos.

“Em Junho, um relatório das Nações Unidas reconhecia que o Estado Islâmico está a cometer um genocídio contra os yazidis na Síria e no Iraque, nos territórios que tem sob o seu controlo. Está a fazer uma tentativa deliberada de destruir esta comunidade religiosa de cerca de 400 mil pessoas através do assassínio, escravatura sexual e outros crimes”, descreveu-se na imprensa.

E de que é que falamos quando falamos de “genocídio”? De “extermínio sistemático de um grupo humano por motivos raciais, linguísticos, religiosos, políticos”. Ou seja, de um “crime contra a humanidade”. O mesmo é dizer “contra todos nós”.

Esta semana, o Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento distinguiu duas mulheres yazidis que foram escravas sexuais do Estado Islâmico e tiveram a força de se tornar activistas e porta-vozes desta minoria que os jihadistas continuam a dizimar. (O Parlamento Europeu, quando quer, faz boas escolhas.)

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o Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento distinguiu duas mulheres yazidis que foram escravas sexuais do Estado Islâmico Vincent Kessler/REuters

Nadia Murad e Lamiya Haji Bashar sofreram o inimaginável às mãos do Daesh. Nadia também já tinha recebido no início do mês o Prémio Vaclav Havel dos Direitos Humanos. E se nada apagará o sofrimento e revolta destas jovens, distingui-las pela coragem renova em nós alguma esperança na espécie humana (e na Europa).

Há notícias de que, apesar de Sinjar ter sido reconquistada ao Estado Islâmico, por forças curdas apoiadas por bombardeamentos da coligação internacional liderada pelos Estados Unidos, “a maioria dos yazidis não pensa em regressar”. Compreende-se.

“Não voltes ao lugar onde foste infeliz.” Frase bem mais acertada do que a que se vulgarizou. No caso, “brutalmente infeliz”.

23 de Outubro
Planeta vermelho

Expressão que se vulgarizou como referente a Marte. Isto porque o óxido de ferro predominante na sua superfície lhe dá uma aparência avermelhada.

Por estes dias, esperava-se saber mais sobre este planeta (que em sentido figurado significa “guerra” e “homem guerreiro”), mas o módulo de aterragem “Schiaparelli”, que na tarde de quarta-feira descia até ao solo de Marte, deixou de enviar sinais. “Tudo terá corrido bem até aos últimos 50 segundos da viagem”, noticiou-se.

O director-geral da Agência Espacial Europeia, Jan Woerner, escolheu destacar o que correu bem naquele dia, lembrando que a sonda europeia “Trace Gas Orbiter” se mantém correctamente posicionada na órbita de Marte “e pronta para a ciência”. Garantiu ainda que a segunda parte da missão ExoMars não está comprometida.

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“Tudo terá corrido bem até aos últimos 50 segundos da viagem” REUTERS/European Space Agency

Dentro de algum tempo ficará a saber-se o que aconteceu afinal na travessia da atmosfera pouco densa do “planeta vermelho”, onde apenas… sete aparelhos (da NASA) conseguiram pousar.

Em 2015, descobriu-se que por lá corre um mar muito mais salgado do que os nossos.

A ficção, na literatura e no cinema, há muito que pintou os marcianos de verde. E ninguém ousará contrariar tal “convenção”. Aqui no planeta azul e especificamente em Portugal, há pelo menos dois “universos vermelhos”. No futebol, o planeta Benfica saiu-se bem na semana que passou (venceu o Dínamo de Kiev na Liga dos Campeões). Na política, o planeta PCP+BE, onde habitam mesmo alguns seres “verdes”, parece estar a tornar-se mais rosáceo, a cor do Governo.

Como o módulo “Schiaparelli”, há que prevenir a possibilidade de se perder o sinal. E evitar espatifar-se.

16 de Outubro
Orçamento

A cada ano, todos temos de “orçar” as nossas vidas em função dos “cálculos” e “contas” de quem gere os bens públicos. E nem sempre é fácil perceber o léxico dos decisores. Há conceitos complexos como “dotação provisional”, “défice orçamental nominal” ou “indexante dos apoios sociais”. Outras palavras já nos são mais familiares: “impostos”, “aumentos”, “cortes”, “austeridade”.

Em semana de apresentação do Orçamento do Estado para 2017, fomos revisitar os dicionários. Em sentido alargado, “orçamento” significa “apreciação dos meios necessários para se realizar qualquer empreendimento”. Orçamento do Estado propriamente dito define-se como “a conta das receitas e das despesas públicas prováveis de um Estado durante um ano económico”. Nada de novo, mas é bom consolidar conhecimentos.

Logo na sexta-feira de manhã ficou a saber-se algumas das medidas com que os portugueses terão de contar no próximo ano: os automóveis, as bebidas alcoólicas e o tabaco vão ficar mais caros, haverá aumento do subsídio de refeição na função pública e uma subida faseada das pensões. A descida na íntegra do IVA na restauração fica adiada.

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A descida na íntegra do IVA na restauração fica adiada Rui Gaudêncio

No debate quinzenal na Assembleia da República, também se deu a conhecer que o “imposto Mortágua” (sobre o imobiliário a partir de 600 mil euros) financiará a Segurança Social. Uma discussão que envolveu palavras e expressões como “olhómetro”, “duelo”, “campeã da lavoura”, “diabo” e até “cidadões” (sic).

“Orçar um navio” significa “voltar a proa da embarcação para a linha do vento”. Como o PCP e o Bloco de Esquerda decerto farão com “o barco” do PS.

E saiba o leitor que existe a palavra “orçamentívoro”. Diz-se de alguém “que vive do Orçamento do Estado”, “do tesouro público”. Ou seja, um parasitário.

9 de Outubro
Escolhas

Foi uma palavra que se repetiu bastante esta semana, quer no singular quer no plural. E começou assim: “O país tem de fazer escolhas.”

Uma declaração do primeiro-ministro ao PÚBLICO sobre o Orçamento do Estado para 2017. António Costa fez saber que “o novo IMI será ‘equilibrado’, que não é ‘oportuno’ taxar valores mobiliários, que a subida das pensões será ‘a possível’, que em 2017 não há aumentos para a função pública ou que é preciso aumentar impostos indirectos”, resumiu David Dinis em editorial.

Na quinta-feira, chegava outra “escolha” de Costa e, presume-se, de Centeno: o perdão fiscal. Especificando: uma medida que permite regularizar dívidas ao Fisco e à Segurança Social, perdoando juros e custas judiciais. Uma “opção” (sinónimo de “escolha”) que fez com que parte da “caranguejola” (sinónimo de “geringonça”) se ressentisse.

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António Guterres Drew Angerer/AFP

“Catarina Martins não está contente”, escreveu-se. Antes, ainda houve as escolhas de Marcelo… que preferiu vetar o decreto-lei que introduzia a quebra do sigilo bancário em contas acima de 50 mil euros. “Inoportunidade política”, justificou.

Diz o dicionário que “escolha” é “a preferência voluntária que se dá a pessoas ou coisas entre outras”, mas também “eleição”.

António Guterres foi o “escolhido” e “eleito” para secretário-geral da Organização das Nações Unidas. Por unanimidade. Até Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, e que todos sabíamos apoiar Kristalina Georgieva, “escolheu” mostrar-se “extremamente satisfeito”. Civilizadamente, “escolhemos” fingir que acreditamos.

Na literatura, a “escolha” do festival Escritaria, em Penafiel, foi para Alice Vieira. Assim se homenageia uma escritora de livros “esperançosos” para crianças e jovens. Precisamos disso: de esperança e de leitores.