Retrato de ruído e de sangue

Um convincente resumo de doze sólidos anos de criação em que Luís Antunes Pena integra os mais inesperados elementos em elaborada composição.

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Luís Antunes Pena: nascido em Lisboa, em 1973, e radicado na Alemanha há quase 18 anos

O primeiro disco que a Wergo lhe dedicou (Terrains Vagues) era já de 2013. Este ano, a editora alemã lançou um novo retrato do compositor Luís Antunes Pena (nascido em Lisboa, em 1973, e radicado na Alemanha há quase 18 anos), no âmbito da série criada pelo Conselho Alemão da Música (Deutscher Musikrat) dedicada aos compositores alemães da actualidade.

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O primeiro disco que a Wergo lhe dedicou (Terrains Vagues) era já de 2013. Este ano, a editora alemã lançou um novo retrato do compositor Luís Antunes Pena (nascido em Lisboa, em 1973, e radicado na Alemanha há quase 18 anos), no âmbito da série criada pelo Conselho Alemão da Música (Deutscher Musikrat) dedicada aos compositores alemães da actualidade.

Com imagem de capa de Mircea Cantor, Caffeine não é apenas um convincente resumo de doze anos de criação; é também a confirmação de que um compositor de carácter forte acaba por se contradizer, mais tarde ou mais cedo. No caso de L. A. Pena, bastou pouco mais do que esta dúzia de anos para que um pensamento mais radical desse lugar a uma profunda e esclarecida liberdade, capaz de integrar em elaborada composição (e que apela a frequentes revisitações) o som mais susceptível de apressadas conotações.

A primeira obra, que empresta o nome ao disco, foi composta em 2015, mas apenas em Maio do próximo ano terá a sua estreia em concerto, em Donaueschingen, pelo agrupamento norueguês asamisimasa. São necessárias várias escutas para que consigamos desembaraçar-nos da expectativa de uma gramática mais convencial e deixar-nos seduzir por uma composição que recorre a elementos que nos remetem para o equívoco. Excluindo a realização electrónica, grande parte dos elementos tímbricos utilizados nesta peça para clarinete baixo, guitarra eléctrica, percussão, piano/sampler, violoncelo e electrónica, são fortemente associáveis a outros ambientes estilísticos de cariz mais popular; mas Caffeine é tudo menos uma concessão ao facilitismo. Pouco nos revela sobre o projecto que está na sua origem, que pretende reflectir sobre o conceito de “Private music”, mas convida a uma viagem onde são já reconhecíveis traços do compositor (como sons que nos transportam para outras obras suas, o uso de uma certa regularidade que nos agarra à descoberta do timbre e panorâmicas trabalhadas com grande envolvência, entre outros).

As quatro primeiras obras do disco sucedem-se no mesmo universo abrangente, que se imagina acessível a um vasto público. Partindo do trabalho realizado para o quarteto de percussão e contrabaixo Im Rauschen rot (2010), a peça  para contrabaixo e electrónica Im Rauschen, cantabile (2012) exibe de forma mais evidente essa aparente regularidade. À semalhança de Caffeine, caracteriza-se por uma electrónica determinante mas muito pouco efusiva, em que a panorâmica é alvo de um tratamento muito elegante. O arco de Edicson Ruiz está quase sempre presente, mas o mais próximo que sentimos da sua fricção nas cordas provém exclusivamente da electrónica. 

Man on carpet (2013) vive na voz de Rita Redshoes e no vibrafone de Nuno Aroso, com electrónica, sobre um curto poema de Ernst Jandl. Também aqui a pulsação e os seus intencionais desvios mostram a assinatura do compositor. Inadvertidamente ou não, K-U-L-T (2011) transporta-nos de um simples piano obsessivo (com a fibra de Pavlos Antoniadis) para o imaginário sonoro de video-jogos. Mais uma vez, a transformação electrónica do som do piano é um trabalho delicado.

A obra que mais se afasta das restantes deste álbum discográfico é igualmente a mais antiga. Anatomia de um poema sonoro (2004), sobre palavras de Jorge de Sena, reflecte já preocupações com o timbre e a exploração da repetição, mas talvez a própria produção áudio aqui acentue as diferenças de som. 

Três quadros sobre pedra (2008)- para pedras de granito, percussão e electrónica- é provavelmente o momento mais poético e depurado deste disco. Trata-se de uma composição colaborativa, de delicadas nuances, que o compositor assume como uma viragem inconsciente na sua forma de trabalhar e que resulta de uma semana partilhada em estúdio com o percussionista Nuno Aroso, iniciada pela exploração do potencial sonoro de um conjunto de pedras.

Com uma formação muito próxima de Caffeine (abdicando apenas da guitarra eléctrica), os vinte e três minutos de Fragments of noise and blood (2009) fecham de forma épica este disco que nos fará lançar uma escuta diferente ao anterior.