Mais pobreza entre idosos "é preocupante porque inverte tendência histórica"

O congelamento das pensões foi o principal factor por detrás do agravamento da pobreza entre os idosos, segundo o ministro Vieira da Silva, para quem os números de 2016 já deverão revelar melhorias, por via dos aumentos nas prestações sociais e do salário mínimo.

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Nelson Garrido

O congelamento das pensões foi o principal factor por detrás do agravamento da pobreza entre os idosos no ano passado, segundo o Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Vieira da Silva. Quanto à diminuição de meio ponto percentual na taxa de pobreza geral, deveu-se ao aumento dos rendimentos do trabalho. Em 2016, com mais 100 mil pessoas no mercado de trabalho, "a viragem não será dramática" mas, acredita, haverá melhorias em todos os indicadores. 

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O congelamento das pensões foi o principal factor por detrás do agravamento da pobreza entre os idosos no ano passado, segundo o Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Vieira da Silva. Quanto à diminuição de meio ponto percentual na taxa de pobreza geral, deveu-se ao aumento dos rendimentos do trabalho. Em 2016, com mais 100 mil pessoas no mercado de trabalho, "a viragem não será dramática" mas, acredita, haverá melhorias em todos os indicadores. 

Que primeira leitura faz dos indicadores que apontam para ligeiro desagravamento da pobreza?

Há uma ligeira melhoria no que respeita à chamada taxa de pobreza global, mas em termos reais os níveis da taxa de pobreza monetária permanecem claramente acima do que havia antes do início da crise e das políticas que se lhe seguiram. Esta melhoria em meio ponto é principalmente explicada pelo aumento dos rendimentos primários, ou seja, da actividade profissional. E a população activa ficou melhor em 2015 também porque a emigração fez com que muitos dos que estavam desempregados saíssem. Se emigram pessoas desempregadas, o rendimento mediano tem tendência a subir e a diminuir o peso daqueles que estão sem rendimentos porque estavam desempregados.

Como explica que o peso das transferências sociais tenha perdido importância no desagravamento da pobreza?

Ao longo destes anos houve uma retracção da importância relativa de boa parte das transferências sociais, em particular daquelas mais orientadas para o combate da pobreza ou da severidade da pobreza. Por outro lado, as transferências em matéria de subsídio de desemprego diminuíram e diminuíram mais do que o próprio desemprego, fruto das alterações legislativas que foram introduzidas. Em geral, todas as prestações tiveram um corte no seu valor real, corte esse que foi produzindo um valor acumulado.

Isso explica o agravamento da pobreza dos idosos?

Os idosos sofreram com a quebra de algumas transferências sociais, em particular do CSI, mas sobretudo com o congelamento das pensões. A linha de pobreza fixada para 2015 anda à volta dos 439 euros, ora sabemos que as pensões em torno destes valores permaneceram congeladas desde 2009, ou seja, não é difícil que uma parte dos pensionistas que viram as pensões manter o seu valor real tenham caído numa situação de pobreza monetária à medida que a linha de pobreza foi subindo. As pensões que foram actualizadas foram as pensões até aos 275 euros, ou seja, claramente abaixo da linha de pobreza. Poderá existir também um efeito acumulado, que tem a ver com o facto de existirem mais agregados familiares integrando idosos com pessoas desempregadas.

A taxa de pobreza entre os idosos no passado era a que tinha descido mais, da ordem dos 30% para valores próximos dos 17% mas depois teve este agravamento que atribuo principalmente ao facto de as pensões estarem congeladas. Este é um agravamento muito preocupante porque inverte uma tendência histórica pesada de muitos anos de diminuição consistente da pobreza dos idosos. E a explicação é mesmo essa: congelaram os rendimentos dos idosos e a maioria não tem hipóteses de compor os seus rendimentos com outras fontes e portanto está ali presa à evolução do que é o valor da sua pensão.

Já nos jovens até aos 18 anos houve desagravamento.

Uma criança não tem rendimentos próprios, pelo que foi o desagravamento da situação das famílias que se projectou também na situação das crianças e jovens. E estamos numa sociedade em regressão demográfica, o que quer dizer que há menos crianças nas famílias, ou seja, há menos famílias numerosas. E o relatório do INE mostra que é nas famílias mais numerosas que as taxas de pobreza são mais elevadas. Portanto, é natural que num contexto de regressão demográfica diminua o peso das famílias mais numerosas e a pobreza entre as crianças e jovens. Penso que aqui a melhoria não decorre tanto das transferências sociais, porque aí não houve de facto melhorias dirigidas às crianças e jovens, mas da situação menos negativa das famílias porque 2015 foi já um ano de recuperação, que se viu na diminuição das famílias com baixa laboralidade.

Temos razões para acreditar que os números relativos a 2016 vão apresentar melhorias?

É razoável termos essa expectativa. Infelizmente, não será uma viragem dramática, mas todos os factores positivos que acentuei melhoraram em 2016, nomeadamente mais gente a trabalhar e mais rendimentos de trabalho.

Repare que que há mais 100 mil pessoas no mercado de trabalho, e isso tem um efeito claramente positivo. E depois começou a existir recuperação nalgumas prestações sociais e é razoável esperar que esta diminuição do peso das transferências venha a não se acentuar pelo menos em 2016, ou seja, poderão voltar a ter um contributo um pouco maior em 2016, com a correcção dos valores do CSI e, por exemplo, com o aumento do abono de família, isso já agora para 2017.

A expectativa é que se acentue a melhoria dos vários indicadores de pobreza, e, em particular em 2017, que isso se reflicta já na pobreza dos idosos, por causa das revalorizações agora já em torno de pensões que estão próximas do limiar da pobreza. E é de facto importante que recuperemos essa tendência na sociedade portuguesa de diminuição história e consistente da taxa de pobreza entre os idosos.

O Governo tem na calha algumas medidas que acelerem o retorno aos níveis de antes da crise?

Um papel muito importante é o da política salarial, porque a evolução do salário mínimo tem um efeito poderoso na redução destas desigualdades, se for acompanhada, como está a ser, pela criação do emprego. O outro nível tem a ver com os instrumentos orientados para a diminuição da severidade da pobreza, como o Rendimento Social de Inserção. E, por outro lado, está a haver uma política coordenada no sentido de melhorar a situação de pobreza infantil. Insere-se aqui a estratégia de correcção do abono de família com valores significativamente acrescidos nos três primeiros anos de existência das crianças.

E depois há outros valores que, não sendo tão fáceis de medir do ponto de vista monetário, são também importantes do ponto de vista do bem-estar, por exemplo, a questão do acesso aos manuais escolares ou uma cobertura mais eficaz do sistema de saúde. E aqui também entra a diminuição das taxas que se pagam na energia. É uma medida que não aumenta o rendimento monetário das famílias mas diminui o nível de despesas de centenas de milhares de famílias. Portanto, há aqui uma estratégia que pega dos dois lados. Por um lado, o aumento dos salários e das prestações sociais e, por outro, a diminuição de alguns factores de agravamento dos custos familiares, como sejam os manuais escolares e as tarifas sociais energéticas.