Museu de Arte Popular inaugura exposição a pensar no futuro, mas ainda à espera

À espera que se terminem obras nas coberturas, que se fechem programas e que se decida definitivamente como expor a colecção que lhe pertence. Isto sem esquecer a sua história e o que pode vir a dizer na relação com o artesanato português contemporâneo. Será que é desta?

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As fotografias estão dispostas nas vitrinas de parede originais, de cantos arredondados, que fazem lembrar as janelas dos comboios. Nada mais apropriado quando representam, na sua maioria, estações de caminhos-de-ferro e propõem uma viagem pelo país, com várias paragens junto à linha. Nessas estações, como nos mercados públicos e nas casas de proprietários rurais endinheirados, há paredes cobertas de painéis de azulejos que documentam a vida portuguesa no final do século XIX e na primeira metade do XX, sobretudo a dos camponeses e pescadores.

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As fotografias estão dispostas nas vitrinas de parede originais, de cantos arredondados, que fazem lembrar as janelas dos comboios. Nada mais apropriado quando representam, na sua maioria, estações de caminhos-de-ferro e propõem uma viagem pelo país, com várias paragens junto à linha. Nessas estações, como nos mercados públicos e nas casas de proprietários rurais endinheirados, há paredes cobertas de painéis de azulejos que documentam a vida portuguesa no final do século XIX e na primeira metade do XX, sobretudo a dos camponeses e pescadores.

“Cada um destes painéis é como um cartaz turístico que vende Portugal a quem chega de comboio”, diz José Luis Mingote Calderón, o conservador do Museu Nacional de Antropologia de Madrid que está por trás da exposição que é inaugurada esta quinta-feira no Museu de Arte Popular (MAP), em Lisboa. Quer o seu director, e com ele a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), que Da Fotografia ao Azulejo (até 1 de Outubro de 2017) seja vista como o início de um novo ciclo de vida deste museu junto ao rio que parece eternamente adiado.

Vinculado à missão e ao programa do Museu Nacional de Etnologia (MNE) – é lá que, desde 2007, está em reserva a sua colecção de 12 mil objectos que reflectem a produção artesanal portuguesa e que começou a ser composta ainda durante os anos 1930, vindo a ser reunida para a Exposição do Mundo Português (1940) num pavilhão provisório, depois convertido em museu (1948) –, o MAP tem tido um percurso conturbado, chegando mesmo a estar fechado entre 2008 e 2010. Desde então, só com a loja aberta ou palco de exposições pontuais, tem estado à espera de um projecto definitivo que tarda em chegar.

Falsos recomeços

Desde que nasceu até hoje, Arte Popular enfrentou várias tentativas de extinção, propostas de demolição, promessas de novos usos (como o tão badalado museu que pretendia juntar à língua portuguesa a epopeia dos descobrimentos, O Mar da Língua) e falsos recomeços. E agora?

Paula Silva, directora-geral do património, não se compromete com datas, orçamentos ou o perfil do projecto que a sua equipa está a desenhar para o futuro do museu, mas garante que não pretende deixá-lo mais tempo fechado, nem esquecido. Faltam obras em parte das coberturas, mas conta que será possível abrir novos espaços no MAP "durante o próximo ano".

Paulo Costa, director de Etnologia e, por inerência, de Arte Popular, assegura que o espólio que pertence ao MAP está acautelado – “inventariado, em belíssimas condições de conservação”, com muito mais informação associada do que tinha à chegada ao MNE e em reservas visitáveis, nas Galerias da Vida Rural – e que voltará a ser exposto junto ao rio em mostras temporárias que o ponham em diálogo com o artesanato português contemporâneo. E também com a colecção de Etnologia.

“[Tratar esta colecção] foi um trabalho colossal de conservação preventiva”, explicou aos jornalistas, garantindo que o MAP não vai repetir discursos do passado, mas também não vai esquecê-los. A ideia, disse, é criar no museu um pequeno centro interpretativo do edifício, capaz de explicar aos visitantes o papel que lhe era atribuído pela propaganda do Estado Novo. “Queremos que este museu tenha memória, mas seja capaz de falar do que é hoje a cultura popular”, acrescentou, isto sem esquecer o que dela se pode relacionar com o património imaterial da humanidade, a marca da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) que tem vindo a contemplar Portugal com regularidade nos últimos anos.

Certo é que, o que venha a fazer-se ali em termos expositivos terá sempre em conta o respeito pela integridade física do edifício, mantendo as vitrinas e as molduras que hoje conserva, e os murais de artistas como Carlos Botelho, Tomás de Mello (Tom) ou Eduardo Anahory, que conferem a cada sala dedicada a uma região do país elementos identitários evidentes.

Modernidade e ideologia

A exposição Da Fotografia ao Azulejo, organizada pelo Museu Nacional de Soares dos Reis, no Porto, passou já por dois museus espanhóis (o Etnográfico de León e, mais recentemente, o Nacional de Antropologia de Madrid) e resulta do trabalho de campo de Mingote Calderón, que desde 2008 fotografa painéis espalhados pelo país e os correlaciona com as fontes iconográficas – fotografias, colecções de postais, revistas e livros – que vai encontrando em arquivos, bibliotecas e alfarrabistas (é um coleccionador apaixonado pela imagem que a fotografia dá de Portugal nos séculos XIX e XX).

No espaço consagrado a Trás-os-Montes, podem ver-se agora postais e revistas que serviram de modelo ou inspiração aos artistas que, com os seus painéis com mais de 100 anos, homenageiam uma tradição portuguesa que conhece o seu esplendor nos séculos XVII e XVIII. É nessa sala transmontana que encontramos, por exemplo, uma capa da La Esfera, revista ilustrada espanhola que começa a ser publicada em 1914, que virá a servir de modelo ao painel de azulejos de uma padaria de Coimbra, hoje um restaurante. Mostra uma mulher de rosto alegre, chapéu de palha na mão e foice à cintura, numa pose claramente encenada – está muito mais para modelo de uma capa da Vogue do que para ceifeira apanhada desprevenida.

“Muitos dos painéis de azulejos são ficções, por mais que resultem de fotografias, que naquela época davam a ideia de mostrar sempre a realidade tal como ela era, de serem a verdade”, explica ao PÚBLICO o autor da pesquisa que deu origem a Da Fotografia ao Azulejo, e também seu comissário. Um vídeo parte dos painéis de azulejos para demonstrar como se podem encontrar num mesmo exemplar figuras saídas de fotografias diferentes, tiradas em diferentes regiões do país (Terras do Barroso e de Miranda). “Estes painéis são construções, recriações em que a realidade se mistura. São feitos por artistas que não estão obrigados ao rigor científico.” É por isso, acrescenta Mingote Calderón, que têm o seu próprio “Photoshop e apagam, por exemplo, as rugas dos velhos”, que as fotografias não podem esconder, muitas delas tiradas pelos incontornáveis da prática fotográfica em Portugal, como Emílio Biel, Carlos Relvas e Domingos Alvão.

Nos painéis há minhotas, lavadeiras, pescadores, camponeses, ceifeiras e pastores, mas também praças e jardins, castelos e mosteiros, como o da Batalha e o de Alcobaça. O comissário fotografou cerca de 80 painéis e, em mais de metade, identificou a sua fonte iconográfica. Entre os conjuntos mais interessantes, garante, está o da estação de Vilar Formoso, zona de fronteira em que os azulejos têm também uma carga política, defende o comissário. “É o próprio [António de Oliveira] Salazar, em 1937, que manda decorar a estação, talvez por estar na fronteira. Queria mostrar o que era Portugal, quando Espanha estava em guerra civil.”

Por trás de todas as representações está, diz Mingote Calderón, uma palavra – modernidade. Os painéis de azulejos servem-se de revistas e postais ilustrados para encontrar as imagens que hoje procuramos na Internet, para mostrar junto a um dos símbolos da evolução tecnológica – o caminho-de-ferro – que o país ainda passa pela agricultura e pela pastorícia, por figuras como D. Afonso Henriques e Nun’Álvares Pereira. “Há uma ideologia em tudo isto.” O MAP conhece bem essa ideologia – é produto dela.