E-books, bibliotecas e editores

Os e-books também não se deterioram? Não estão sujeitos a DRM? Não são lidos em aparelhos que muitas vezes são descontinuados? Não estamos neste caso a falar do modelo “one copy, one user”?

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Os bibliotecários defendiam que o regime dos livros tradicionais também se deve aplicar ao comodato digital e o tribunal concordou Adriano Miranda

Nesta semana em que a Comissão Europeia finalmente propôs que os Estados-embros — se assim o desejarem, embora não sejam obrigados — podem passar a vender os livros electrónicos com taxa de IVA reduzida, tal como a que se aplica aos livros impressos, porque até aqui eram taxados como produtos electrónicos, tive alguma esperança no futuro. Quase pulei de alegria quando li a reacção de Stephen Lotinga, da associação britânica de editores The Publishers Association, a esta notícia na The Bookseller. Foi com muita assertividade que defendeu a medida, afirmando que “o sistema de tributação não deve actuar como um desincentivo à leitura e à aprendizagem”. Ou quando vi que a Federação dos Editores Europeus (FEE), que por acaso tem um presidente português, o editor e livreiro Henrique Mota, considerou ser este um “grande dia” e que a medida, que poderá vir a concretizar-se em 2017, é “um passo em frente” e facilitará a venda de e-books.

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Nesta semana em que a Comissão Europeia finalmente propôs que os Estados-embros — se assim o desejarem, embora não sejam obrigados — podem passar a vender os livros electrónicos com taxa de IVA reduzida, tal como a que se aplica aos livros impressos, porque até aqui eram taxados como produtos electrónicos, tive alguma esperança no futuro. Quase pulei de alegria quando li a reacção de Stephen Lotinga, da associação britânica de editores The Publishers Association, a esta notícia na The Bookseller. Foi com muita assertividade que defendeu a medida, afirmando que “o sistema de tributação não deve actuar como um desincentivo à leitura e à aprendizagem”. Ou quando vi que a Federação dos Editores Europeus (FEE), que por acaso tem um presidente português, o editor e livreiro Henrique Mota, considerou ser este um “grande dia” e que a medida, que poderá vir a concretizar-se em 2017, é “um passo em frente” e facilitará a venda de e-books.

Mas esta minha alegria e leve esperança no futuro quase foi varrida, momentos depois, quando li um comunicado de imprensa da mesma associação, a propósito de uma decisão recente do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), que considerou que “o comodato de um livro electrónico (e-book) pode, em certas condições, ser equiparado ao comodato de um livro tradicional”.

A acção foi colocada pela associação que agrupa todas as bibliotecas públicas nos Países Baixos, a Vereniging Openbare Bibliotheken, contra a Stichting Leenrecht, uma fundação responsável pela cobrança da remuneração de direitos de autores. Os bibliotecários defendiam que o regime dos livros tradicionais também se deve aplicar ao comodato digital e o tribunal concordou baseado num parecer do especialista Maciej Szpunar, que defendeu que se as bibliotecas não querem perder o papel fundamental que foram tendo ao longo dos séculos, têm de se modernizar. E o que aqui está em causa, explica o comunicado de imprensa do Tribunal de Justiça da União Europeia, é o chamado modelo “one copy, one user” — “o comodato de uma cópia de um livro em formato digital efectuado através da colocação dessa cópia no servidor de uma biblioteca pública, permitindo que um utilizador reproduza a referida cópia através de descarregamento para o seu próprio computador, sendo que só uma cópia pode ser descarregada durante o período do comodato e que, decorrido esse período, a cópia descarregada por esse utilizador deixa de poder ser utilizada por este”.

Mas em antagonismo à decisão do IVA nos e-books, esta decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 10 de Novembro, deixou os editores europeus chocados. “A decisão do TJUE é chocante para a comunidade editorial”, lê-se no comunicado de imprensa da FEE. “As experiências que começaram a ser feitas há alguns anos nos países nórdicos (Suécia e Dinamarca) e nos Países Baixos demonstraram que modelos diferentes de empréstimos de livros digitais podem ter um impacto significativo no mercado comercial. Isto porque é difícil estar a concorrer com uma oferta de um produto quase idêntico mas oferecido gratuitamente”, explicam os editores. Dizem que “o empréstimo de um livro digital é “muito diferente” de um empréstimo de um livro impresso. “De facto, o empréstimo digital é uma cópia”, escrevem, “uma cópia digital pode, por exemplo, ser ‘emprestada’ a um número indeterminado de utilizadores, enquanto uma cópia física só pode ser emprestada e lida por uma pessoa de cada vez e está sujeita a deteriorar-se depois de um determinado número de empréstimos.” Desculpe, importa-se de repetir? 

Os e-books também não se deterioram? Não estão sujeitos a DRM? Não são lidos em aparelhos que muitas vezes são descontinuados? Não estamos neste caso a falar do modelo “one copy, one user”? 

Parece-me um caso de dois pesos, duas medidas.