Japoneses escolhem Portugal para maior investimento em inovação

Fora do Japão, é no grupo nacional HIT que a Kagome, gigante mundial da indústria do tomate, investe mais dinheiro. Gasta quase um milhão por ano a descobrir novas formas de consumir este fruto.

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O parque de estacionamento da Italagro, em Castanheira do Ribatejo, está quase todo ocupado por filas intermináveis de bidões verdes, empilhados uns em cima dos outros. Estão cheios de pasta de tomate produzida na fábrica da empresa, uma das duas que o grupo HIT (Indústria Transformadora de Tomate) tem em Portugal. É desta unidade que saem 30 mil toneladas de molho de pizza por ano, suficientes para confeccionar 600 milhões de pizzas para clientes de toda a Europa. Em Águas de Moura está a outra fábrica, mais pequena, onde são produzidos os chamados “especiais” utilizados em inovações, como o shot de tomate que já está a ser vendido em farmácias no Japão e que ajuda as japonesas a manter a pele branca no pico do Verão. Ou ainda a cerveja de tomate que causa estranheza no mercado português, mas que é apreciada no Oriente.

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O parque de estacionamento da Italagro, em Castanheira do Ribatejo, está quase todo ocupado por filas intermináveis de bidões verdes, empilhados uns em cima dos outros. Estão cheios de pasta de tomate produzida na fábrica da empresa, uma das duas que o grupo HIT (Indústria Transformadora de Tomate) tem em Portugal. É desta unidade que saem 30 mil toneladas de molho de pizza por ano, suficientes para confeccionar 600 milhões de pizzas para clientes de toda a Europa. Em Águas de Moura está a outra fábrica, mais pequena, onde são produzidos os chamados “especiais” utilizados em inovações, como o shot de tomate que já está a ser vendido em farmácias no Japão e que ajuda as japonesas a manter a pele branca no pico do Verão. Ou ainda a cerveja de tomate que causa estranheza no mercado português, mas que é apreciada no Oriente.

A Kagome, número dois do mundo na transformação industrial deste fruto, entrou no capital da HIT em 2007, depois da falência da Parmalat (anterior accionista principal), e transformou Portugal no seu centro de Investigação e Desenvolvimento (I&D) para a área agrícola. É para aqui que canaliza perto de um milhão de euros por ano. Martin Stilwell, presidente executivo da HIT e director executivo na Kagome, diz que o país recebe “o maior investimento [da multinacional] em I&D fora do Japão”. Aos 500 mil euros anuais que são destinados directamente à inovação junta-se outro tanto em infra-estruturas. “Queríamos criar em Portugal uma escola de excelência do tomate e trazer os japoneses cá”, conta, sublinhando que o investimento global “não está longe de um milhão de euros por ano”.

“Os portugueses sempre tiveram forte apetência para fazer o inesperado, coisas difíceis de fazer em I&D industrial. O Japão é mais forte em I&D básica, são muito disciplinados e trabalhadores e a combinação dos dois é muito interessante. Em Portugal temos uma certa indisciplina de pensamento”, continua. O “choque” de culturas resulta em produtos diferentes, numa altura em que as indústrias mais tradicionais procuram “acrescentar valor” à matéria-prima. No primeiro ano de funcionamento do campo experimental em Águas de Moura foi possível “transferir parte do [trabalho de] melhoramento genético do Japão para cá”, adianta o responsável, acrescentando que há já dois investigadores japoneses deslocados para Portugal.

Um dos trabalhos desenvolvidos ao longo dos últimos anos tem sido a transformação do tomate em produto farmacêutico, usado na prevenção de doenças. Além do shot, com elevada concentração de licopeno (a substância que lhe dá a cor vermelha), há o sumo que promete ajudar a prevenir doenças cardiovasculares e a manter o colesterol em níveis normais. “Quase todos os produtos especiais vêm de Portugal. Poderiam vir de outro país? Sim. Mas temos uma grande ligação ao Japão que aqui testa o desenvolvimento de novos produtos”, detalha.

Recuperar o sabor

No palco da experimentação, há vários projectos em curso. Um está relacionado com o sabor, característica que parece estar cada vez menos presente no tomate fresco que se compra. “Sabe a muito pouco e antes existiam variedades com muito melhor sabor. Temos olhado com muita atenção para esta questão e globalmente as pessoas reclamam que o tomate já não sabe a nada”, diz Martin Stilwell. Um dos factores que explica a mudança prende-se com as prioridades da investigação dos últimos tempos. “Procurou-se desenvolver outras características como a capacidade de resistência ao transporte, a cor, a durabilidade. O tomate era bom, mas era mole e não se conservava por muito tempo. Hoje já conseguimos ter estes atributos”, afirma. O trabalho é de muito longo prazo: há dez anos que se tenta recuperar o sabor do tomate.

Outra área que está a ser investigada em Portugal é o melhoramento do tomate amarelo, especificamente para vender para países africanos onde há deficiência de betacaroteno e vitamina A (principal causa de problemas de visão e cegueira). Martin Stilwell explica que a intenção é melhorar a variedade e dotá-la de maiores níveis de betacaroteno.

Para o presidente executivo do grupo HIT, que dedicou toda uma carreira à indústria do tomate, a captação de investimento em inovação só é possível porque o país “é único do ponto de vista agrícola e climático”, com condições que o diferenciam da concorrência. “Num único sítio replicamos o que se passa em várias localizações diferentes”, exemplifica. Além disso, há o sabor. Apesar de tudo é aqui que o tomate é mais doce e tem mais cor.

“Não é por ter mais açúcar, mas por ter níveis baixos de acidez. E isto resulta dos terrenos e, principalmente, do clima”, diz. Perceber por que razão o tomate português tem estas características também é uma das áreas em investigação.

Na fábrica da Italagro em Castanheira do Ribatejo está a área de negócio que assegura mais receitas ao grupo HIT. Cerca de 40% das vendas chegam da produção de molhos para a restauração, incluindo para as maiores cadeias de pizzas a operar no mercado europeu ou restaurantes como a McDonald’s, que aqui se abastecem de ketchup. A produção de concentrado de tomate também pesa 55% na facturação.

António Coutinho, director comercial da HIT, adianta que também nesta unidade fabril a inovação marca presença. Por exemplo, a pedido da britânica Marks and Spencer está a ser desenvolvido um molho de pizza sem adição de sal, conseguido “através de um extracto de tomate rico em ácido glutâmico”. O glutamato existente no tomate pode ser usado como intensificador do sabor, substituindo o sal na alimentação.