O monstro eléctrico ao vivo

Aguarda-se com expectativa o que o BE e o PCP irão fazer, agora que fazem parte da solução governativa, para resolver este problema que pesa fortemente nos orçamentos das famílias e muito prejudica a competitividade das empresas portuguesas e, portanto, a criação de empregos.

Para promover politicamente a produção de electricidade a partir de fontes renováveis intermitentes, foram criadas as feed-in tariffs, que garantem por lei duas vantagens fundamentais aos produtores de electricidade de origem eólica: dão um preço garantido muito acima do preço de mercado e asseguram esse preço mesmo que não haja consumo no momento da produção; dão prioridade absoluta à energia eólica, produzida de forma intermitente, em termos de entrada na rede.

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Para promover politicamente a produção de electricidade a partir de fontes renováveis intermitentes, foram criadas as feed-in tariffs, que garantem por lei duas vantagens fundamentais aos produtores de electricidade de origem eólica: dão um preço garantido muito acima do preço de mercado e asseguram esse preço mesmo que não haja consumo no momento da produção; dão prioridade absoluta à energia eólica, produzida de forma intermitente, em termos de entrada na rede.

Ora, tendo sido instalados em Portugal mais de 5600 MW de potência eólica ao abrigo das feed-in tariffs e sendo a respectiva produção altamente instável (sendo esta proporcional ao cubo da velocidade do vento, basta que se verifiquem pequenas oscilações na respectiva velocidade para que se registem variações de potência que podem atingir os milhares de MW), o sistema eléctrico português, para evitar “apagões” nos períodos de pouco vento, tem de dispor de centrais térmicas com capacidade de produção dessa mesma ordem de grandeza e que estão lá apenas para funcionar quando não há vento.

Mais: como nas horas de vazio o consumo é de 3900 MW, muito inferior aos 5600 MW de potência eólica já instalada, o sistema fica altamente excedentário se houver vento, mesmo que, por mera hipótese teórica, se pudessem desligar todas as centrais a carvão e a gás natural e mesmo todas as centrais a biomassa e todas as hidroeléctricas.

Ou seja, com o sistema existente os consumidores são obrigados, neste caso, a pagar mais de 100 euros/MWh de electricidade eólica para depois a vender a Espanha, muitas vezes a menos de 10 euros/MWh! Além disso, têm ainda de pagar os custos fixos das centrais térmicas que apenas servem para suprir a falta de vento. É o monstro eléctrico na sua plenitude.

Nada melhor para ilustrar esta situação do que analisar o que se passou em Portugal nos dias 9 e 10 de Maio deste ano.

E escolheram-se estes dias como case study porque foram anunciados pelas associações de produtores eólicas como um sucesso de produção renovável intermitente.

Consultando os dados oficiais da REN, vejamos o que se passou neste período. A produção eléctrica renovável foi francamente excedentária nos dias 9 e 10 de Maio, o que significa que os consumidores estiveram a pagar 100 euros/MWh, graças às feed-in tariffs, para, depois, parte desta electricidade ser vendida a Espanha por menos de 10 euros/MWh!

Apesar do excesso renovável neste período, a Central de Carvão de Sines arrancou às 6h da manhã de 9 de Maio e manteve-se sempre a funcionar até à meia--noite de 10 de Maio, provavelmente como precaução para eventuais oscilações da produção eólica. E o extraordinário é que entre as 00h e as 8h da manhã de 10 de Maio a Central de Sines injectou na rede muito menos do que o mínimo técnico, nalgumas horas menos de 100 MW de potência, ou seja, a central funcionou de forma extremamente ineficiente, pelo que se registou um desperdício de energia e uma emissão desnecessária de CO2.

Além disso, a Central a gás natural da Tapada do Outeiro arrancou às 10h da manhã de 9 de Maio para parar às 22h desse mesmo dia, para voltar a arrancar pelas 17h de 10 de Maio e voltar de novo a encerrar pelas 23h desse mesmo dia de 10 de Maio — ou seja, esta central em menos de 48 horas tem dois arranques e duas paragens! É difícil imaginar uma situação de menor eficiência energética e, simultaneamente, de maior desgaste dos equipamentos!

Este exemplo do resultado prático da aplicação das feed-in tariffs às eólicas intermitentes em Portugal revela bem as razões tecnológicas e sistémicas pela qual a dívida tarifária teima em não descer e se encontra actualmente nos 5200 milhões de euros.

Pode-se dizer que o sistema das feed-in tariffs é o apogeu do “capitalismo decretino”, aquele cujo sucesso se baseia nos decretos-lei que o protegem.

Por isso se aguarda com expectativa o que o BE e o PCP irão fazer, agora que fazem parte da solução governativa, para resolver este problema que pesa fortemente nos orçamentos das famílias e muito prejudica a competitividade das empresas portuguesas e, portanto, a criação de empregos.

Esta situação é tanto mais significativa quanto em Espanha o Governo de Mariano Rajoy disciplinou já o regime das feed-in tariffs, protegendo os consumidores e resolvendo o problema da dívida tarifária.