Rússia abandona tratado que estabelece Tribunal Penal Internacional

Decisão foi acompanhada de críticas à independência do tribunal de Haia. Rússia não ratificou Estatuto de Roma e, por isso, já estava fora da jurisdição do TPI.

Foto
Reuters/SERGEI KARPUKHIN

A Rússia anunciou esta quarta-feira que vai retirar a sua assinatura do Estatuto de Roma, o tratado fundador do Tribunal Penal Internacional, acusando a instituição de não ser “verdadeiramente independente”. A decisão acontece um dia depois da publicação de um relatório pelo TPI em que classificava a situação na península da Crimeia como uma "ocupação".

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

A Rússia anunciou esta quarta-feira que vai retirar a sua assinatura do Estatuto de Roma, o tratado fundador do Tribunal Penal Internacional, acusando a instituição de não ser “verdadeiramente independente”. A decisão acontece um dia depois da publicação de um relatório pelo TPI em que classificava a situação na península da Crimeia como uma "ocupação".

O Presidente russo, Vladimir Putin, aprovou um decreto que confirma a recusa em ratificar o Estatuto de Roma. A Rússia assinou o tratado em 2000, mas não o ratificou, à semelhança dos EUA e China, entre outros países. Desta forma, a Rússia estava já fora da jurisdição do tribunal com sede em Haia.

Na terça-feira, o TPI publicou um relatório preliminar sobre a anexação da Crimeia pela Rússia, em Março de 2014, que classifica agora como uma ocupação e insere-a no contexto do "conflito internacional armado entre a Ucrânia e a Federação Russa". Moscovo é acusado pelo tribunal de "empregar membros das suas forças armadas para exercer controlo sobre partes do território da Ucrânia sem o consentimento do Governo da Ucrânia".

O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse que a formulação do relatório "contraria a realidade, contraria a posição russa e, mais importante, contraria a vontade dos residentes da Crimeia que foi expressa no referendo". A Rússia defende que a integração da Crimeia no seu território foi feita na sequência de um referendo legítimo, embora tenha sido feito sem cumprir requisitos internacionais para consultas deste género e num quadro de presença militar, segundo equipas de observadores.

Sem mencionar o relatório, o abandono russo do Estatuto de Roma é acompanhado de críticas ao funcionamento do tribunal responsável pelo julgamento de crimes de guerra, contra a humanidade e genocídio. O TPI, argumenta o Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, “falhou no objectivo de se tornar numa instituição judicial verdadeiramente independente”.

A decisão do Governo russo surge poucas semanas depois da saída conjunta de três países africanos – África do Sul, Burundi e Gâmbia – que tinham ratificado o tratado. Os três países criticaram a actuação do TPI por se concentrar quase em exclusivo em África, naquilo que dizem ser uma “perseguição” aos seus líderes.

Desde a sua entrada em funções em 2002, o tribunal de Haia lançou investigações em nove países africanos e apenas uma fora do continente, na Geórgia, na sequência da guerra com a Rússia, no Verão de 2008. Moscovo criticou a concentração do TPI nos actos cometidos pelas milícias da Ossétia do Sul – o território autónomo cuja secessão foi apoiada pela Rússia – e pelos militares russos, ignorando abusos que terão sido cometidos pelas tropas georgianas.

"De um ponto de vista prático [a decisão] não vai fazer muita diferença", diz Tanya Lokshina, membro da Human Rights Watch. "Mas é uma afirmação de uma direcção: mostra que a Rússia não tem intenção de ratificar o tratado no futuro nem de cooperar com o tribunal", acrescentou, citada pelo The Guardian.