Os países africanos estão a sair do TPI porque não querem ser os únicos alvos

Depois da África do Sul e do Burundi, a Gâmbia também anunciou que vai sair do Tribunal Penal Internacional. Devem seguir-se outros.

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A procuradora-geral do TPI é Fatou Bensouda, da Gâmbia Reuters

A Gâmbia tornou-se o terceiro país africano a anunciar a saída do Tribunal Penal Internacional nas últimas semanas, depois do Burundi e da África do Sul, num revés para o organismo que investiga e julga crimes de guerra, contra a humanidade e genocídio.

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A Gâmbia tornou-se o terceiro país africano a anunciar a saída do Tribunal Penal Internacional nas últimas semanas, depois do Burundi e da África do Sul, num revés para o organismo que investiga e julga crimes de guerra, contra a humanidade e genocídio.

Vários países africanos têm vindo a queixar-se sobre possível discriminação do organismo com sede em Haia que, desde a sua entrada em funções em 2002, lançou investigações em nove países africanos e apenas uma fora do continente, na Geórgia.

A Gâmbia tentou sem sucesso usar o tribunal para castigar a União Europeia pela morte de milhares de migrantes e refugiados africanos que tentam a viagem por mar, diz a agência francesa AFP. O ministro da Informação da Gâmbia, Sheriff Bojang, que anunciou a decisão, declarou que o tribunal está a ser uma ferramenta “para acusação de africanos, especialmente os seus líderes”, enquanto crimes cometidos pelo Ocidente são ignorados.

O movimento de saídas foi iniciado pelo Burundi por razões de política interna: o TPI começou, em Abril, uma investigação por violência no país na sequência da decisão do Presidente, Pierre Nkurunziza, se recandidatar a um terceiro mandato. A decisão contraria acordos assinados em 2005 que puseram fim a 12 anos de guerra civil, lembra o diário Financial Times. Na violência que se seguiu ao anúncio morreram mais de 400 pessoas, 3400 foram presas, e mais de 230 mil deixaram do país. A procuradora-geral do TPI, Fatou Bensouda (da Gâmbia), tem ainda informações “detalhando acções de assassínios, prisão, tortura, violação e outras formas de violência sexual, e casos de desaparecimentos forçados”.

A saída da África do Sul, o gigante democrático do continente, foi a mais polémica. No ano passado, Pretória foi criticada pelo TPI por não ter detido o Presidente sudanês, Omar al-Bashir, numa visita deste para uma cimeira da União Africana. A África do Sul disse que garantira a todos os chefes de Estado imunidade diplomática.

Apenas o Burundi formalizou, esta quinta-feira, o seu pedido de saída. Analistas esperam que a estes três países se sigam mais alguns. A África do Sul vinha a fazer, junto com o Quénia, Uganda e Zimbabwe, uma campanha para que a União Africana decida deixar em bloco o TPI. Em Julho, no entanto, esta proposta foi recusada numa cimeira do grupo de países africanos. O Botswana surgiu destacado na sua defesa do TPI.

A investigação do TPI ao Presidente Uhuru Kenyatta – que foi o primeiro chefe de Estado a ser ouvido em audiência – pela violência pós eleitoral no Quénia em 2007 acabou por falta de provas. O Tribunal queixou-se de falta de colaboração das autoridades do Quénia.

O que poderá querer dizer a saída destes países de um organismo que não tem como membros nem os Estados Unidos (que assinaram o tratado fundador mas não o ratificaram), nem a China, nem a Rússia, é ainda uma incógnita. Se é claro que o enfraquecerá, também é certo que esta instituição nunca foi muito forte.

Há quem sublinhe alguns sucessos recentes do TPI apesar de todas as dificuldades: a primeira condenação pela destruição de património cultural com crime de guerra, no caso pelo jihadista maliano Ahmad al-Faqui al-Madhi em Tombuctu, ou ainda o uso de violência sexual como crime de guerra na condenação do antigo líder rebelde congolês Jean-Pierre Bemba.

E se os números parecem dar razão à preponderância de Estados africanos nos investigados, há outros números que se podem contrapor: entre os nove casos, seis foram trazidos pelos próprios governos africanos, dois foram referenciados pelo Conselho de Segurança da ONU, e noutro caso, o do Quénia, o referenciar do caso ao TPI fazia parte de um acordo de paz.