Polícias unem-se para combater redes de apanha ilegal da amêijoa

Bivalves recolhidos no Tejo são grave ameaça à saúde pública e número de crimes associados à actividade está a crescer. Gravidade dos casos leva PJ, SEF, Autoridade Marítima, PSP e GNR a unir esforços.

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Várias forças e serviços de segurança do distrito de Setúbal estão a fazer um levantamento exaustivo dos problemas associados à apanha ilegal da amêijoa, com o objectivo de montar na Margem Sul um plano de acção para combater as diversas facetas deste fenómeno. Por dia são retiradas do estuário do Tejo cerca de 19 toneladas de amêijoa, a maior parte ilegal.

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Várias forças e serviços de segurança do distrito de Setúbal estão a fazer um levantamento exaustivo dos problemas associados à apanha ilegal da amêijoa, com o objectivo de montar na Margem Sul um plano de acção para combater as diversas facetas deste fenómeno. Por dia são retiradas do estuário do Tejo cerca de 19 toneladas de amêijoa, a maior parte ilegal.

A amêijoa recolhida no rio, entre a Trafaria e Alcochete, essencialmente do tipo japonesa, é apanhada por milhares de mariscadores ilegais, como noticiou em Maio o PÚBLICO. Este bivalve não deve ser consumido sem ser submetido a uma cozedura industrial com altas temperaturas (mesmo quando a sua apanha não está interdita devido a presença de toxinas marinhas na zona), pois constitui um grave perigo para a saúde pública. O seu consumo sem tratamento industrial pode causar doenças como intoxicação diarreica.

Segundo apurou o PÚBLICO, a decisão das polícias foi tomada em Julho, na última reunião mensal do grupo técnico de prevenção criminal de Setúbal, uma entidade que congrega, entre outros, os representantes da GNR, da PSP, da PJ, da Autoridade Marítima, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e do Serviço de Informações de Segurança. Este grupo, que já funciona há alguns anos naquele distrito, é responsável pela análise dos fenómenos criminais de maior relevância na região e por propor medidas.   

Associados à apanha ilegal, têm ocorrido vários casos de violência que se revelam cada vez mais graves e levaram as autoridades a agir. Em causa está, por exemplo, uma “guerra” entre grupos rivais que procuraram definir o seu território de intervenção. Este grupos são constituído por uma vasta maioria de imigrantes ilegais oriundos do Leste da Europa. As autoridades já registaram pelo menos um tiroteio com feridos e diversos assaltos a locais onde se armazenam os bivalves apanhados ilegalmente.

Muitas destas famílias de imigrantes vivem em velhos barracões abandonados nas margens do rio, que no passado serviam de apoio aos pescadores locais, sem nenhumas condições de habitabilidade. Nestes barracões é também armazenada, sem quaisquer condições de higiene, a amêijoa que não é vendida no dia da recolha.

Rotulagem falsa

As zonas em que mais se concentra a actividade ilegal destes grupos são diariamente transformadas num caixote de lixo a céu aberto. Já este ano os investigadores da GNR detectaram um novo esquema ilícito: a existência de rotulagem falsa para fazer passar a amêijoa como legal, tendo já sido abertos dois processos-crime.

Neste momento, cada uma das entidades envolvidas no levantamento comprometeu-se a recolher e a analisar os dados que possui associados à apanha ilegal da amêijoa, para que a informação seja reunida num relatório que deverá incluir sugestões para combater de forma integrada o fenómeno. As autoridades admitem que tal pode resultar na realização de operações conjuntas ou numa estratégia concertada mas levada a cabo de forma individual por cada uma das entidades.

Apreendidas 110 toneladas

A GNR apreendeu nos primeiros oito meses deste ano 110 toneladas de amêijoa ilegal em todo o país, mas estima que a grande maioria tenha origem na apanha clandestina que todos os dias é feita no estuário do Tejo.

Segundo um estudo científico que reuniu os departamentos de investigação de várias universidades, realizado entre Janeiro e Dezembro do ano passado e que o PÚBLICO divulgou a 15 de Maio, existem mais de 1700 mariscadores, cerca de 1500 ilegais, que retiram do estuário do Tejo a maioria dos 19 mil quilos de amêijoa por dia (cerca de dez mil capturada por aparelhos de arrasto montados em barcos).

Muitos destes bivalves chegam ao prato dos portugueses graças a intermediários ilegais que os espalham um pouco por todo o país, depois de os comprarem aos mariscadores clandestinos a preços irrisórios, entre 8 cêntimos e 4 euros por quilo, vendendo-a depois entre os 8 e os 10 euros por quilo. Estes bivalves não passam por qualquer análise, tratamento ou depuração e podem estar contaminados com toxinas e até metais pesados. A maior parte deles é, porém, levado para Espanha, entrando depois no circuito comercial.

Quando foi divulgado o estudo “Amêijoa-japonesa, uma nova realidade no rio Tejo, reestruturação da pesca e pressão social versus impacto ambiental”, autarcas, autoridades sanitárias e policiais e o Ministério do Mar reconheceram o grave problema de saúde pública. Admitiam, porém, a dificuldade em combatê-lo, devido à sua dimensão e à falta de legislação.

Os números que a GNR agora revelou ao PÚBLICO mostram que a recolha ilegal e a grave ameaça à saúde pública continuam presentes e que o principal combate é feito pelos militares em todo o país e pela Unidade de Controlo Costeiro da GNR, que quase diariamente realiza operações por terra e mar no Tejo.

Até Maio, a GNR tinha apreendido 58 toneladas de amêijoa ilegal, até ao final de Agosto esse número subiu para 110 toneladas.

Se se olhar para os números de capturas dos dois anos anteriores, percebe-se como o negócio ilegal tem vindo a crescer: em 2014 foi apreendido pela GNR um total de 119 toneladas e em 2015 esse número subiu para as quase 257 toneladas.

Actividade lucrativa

As operações da GNR visam especialmente os intermediários, que compram grandes quantidades aos milhares de mariscadores ilegais, aos proprietários de barcos com aparelhos de arrasto e a mergulhadores.

A acção da GNR, embora muito intensa, acaba por ser inglória, uma vez que os mariscadores e os intermediários, apesar de multados e de verem o material de apanha confiscado, voltam sempre à actividade por esta se revelar muito lucrativa, sublinham fontes policiais.

Ainda segundo o mesmo estudo, este negócio ilegal terá movimentado uma verba estimada entre os 10 e os 23 milhões de euros em 2014. Tendo em conta que o número de apreensões feitas pela GNR mais do que duplicou num só ano, tal poderá significar um aumento desta actividades e dos lucros a ela associados.