Águas verdes nas piscinas olímpicas no Rio e incêndios florestais em Portugal: ligação imprevisível?

Urge implementar as políticas de gestão das nossas florestas, diminuindo a carga pirogénica que, uma vez ardida, se transformará em adubos para as nossas águas.

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AFP PHOTO / CHRISTOPHE SIMON

As recentes imagens das piscinas com águas verdes no complexo olímpico do Rio de Janeiro, que quase colocaram em causa o início das competições de natação sincronizada (se há modalidade em que a visibilidade total debaixo de água é importante é esta), parecem repetir as que vimos há quatro anos quando um fenómeno semelhante desenvolvimento excessivo de algas obrigou as autoridades chinesas a esforços sobre-humanos para tentar em tempo útil restaurar a qualidade da água e evitar problemas nas provas de vela.

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As recentes imagens das piscinas com águas verdes no complexo olímpico do Rio de Janeiro, que quase colocaram em causa o início das competições de natação sincronizada (se há modalidade em que a visibilidade total debaixo de água é importante é esta), parecem repetir as que vimos há quatro anos quando um fenómeno semelhante desenvolvimento excessivo de algas obrigou as autoridades chinesas a esforços sobre-humanos para tentar em tempo útil restaurar a qualidade da água e evitar problemas nas provas de vela.

Estas situações chamam mais a nossa atenção quando sucedem, como no caso do Rio, em plena época de um evento desportivo visto mundialmente, mas são mais comuns do que se imagina. Trata-se de um desenvolvimento explosivo de microalgas ou cianobactérias (no caso do Rio ainda não há dados objetivos que nos permitam identificar os organismos) conhecido em termos científicos como florescência ou “bloom” e que resulta da conjugação de condições excelentes para estes desenvolvimentos: geralmente águas paradas, com luz e temperatura elevadas e muitos nutrientes. Este deve ter sido o caso do Rio de Janeiro, uma vez que as piscinas em causa estavam ao ar livre e provavelmente sem o tratamento adequado algicida que permita exatamente evitar o desenvolvimento destas microalgas.

Este tipo de situações não ocorre vulgarmente nas nossas piscinas, pois o tratamento que é efetuado, à base de cloro ou de peróxido de hidrogénio ou de ozono, mata estas microalgas e evita que se desenvolvam. Provavelmente no caso do Brasil, este tratamento não foi eficiente ou por inadequação da quantidade de produto a usar ou por um uso prévio da piscina muito intenso que causou uma elevação dos níveis de azoto e fósforo na água os alimentos essenciais para que as microalgas e as cianobactérias floresçam. Sim, porque antes das provas de natação sincronizada decorreram as provas de polo aquático e sabemos que, em média, cada ato de urinar pode descarregar por pessoa 11 gramas de azoto e um grama de fósforo. Temos assim com calor, luz e nutrientes as condições ideais para que uma piscina de águas transparentes se transforme num tanque cheio de um líquido verde que mais parece sopa de ervilhas.

E o que isto tem a ver com os incêndios recentes que têm devastado tantos hectares de área florestal e agrícola em Portugal? As consequências mais evidentes e reportadas dos nossos incêndios são a destruição de áreas florestais ou agrícolas, bens construídos e, infelizmente de vez em quando, a perda de vidas humanas. No entanto, após o incêndio estar controlado, e feito o seu rescaldo, as consequências evoluem ao longo de meses e por vezes anos. Um incêndio provoca a combustão de matéria orgânica num curto período de tempo, levando à produção de cinzas e de materiais inorgânicos como azoto e fósforo, que ficam muito instáveis nos terrenos onde se produzem. Ou seja, havendo as primeiras chuvas ou ventos fortes, são arrastados para jusante causando impactos ecológicos profundos nos sistemas aquáticos, como rios, lagos e albufeiras, e assim irão fertilizar esses locais com azoto e fósforo, como os atletas olímpicos fizeram na piscina olímpica.

Esta fertilização excessiva eutrofização levará mais cedo ou mais tarde ao aparecimento de florescências de microalgas e cianobactérias, em especial quando essas águas estão na origem de uma albufeira águas paradas com mais luz e temperatura mais elevada como nas piscinas olímpicas do Rio de Janeiro.

Não será de estranhar que este ano ou no próximo as nossas albufeiras e rios de águas mais paradas fiquem verdes e com isso tragam consequências ecológicas, económicas e sociais importantes. Se as florescências forem dominadas por cianobactérias o mais comum no nosso país em épocas de primavera e verão , podem ser produzidas potentes toxinas que condicionam os usos diretos da água para recreio, consumo e inclusivamente agricultura. O uso das praias fluviais passa a ser condicionado, o tratamento das águas para consumo humano torna-se mais caro e a utilização dessa água na agricultura pode condicionar a produtividade e os riscos decorrentes da potencial acumulação das toxinas nos vegetais e frutos.

Urge assim consolidar e implementar as políticas de ordenamento e gestão das nossas florestas, diminuindo a carga pirogénica que, uma vez ardida, se transformará em adubos para as nossas águas. Não queremos ver as nossas águas tão verdes quanto as piscinas olímpicas do Rio de Janeiro.

Professor catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto