O som de Lisboa ocupa o seu palco mais uma vez

Arranca hoje a décima edição do Lisboa Mistura, centrada no hip-hop e com menos participações internacionais. Valete, Konono nº1 e Waldemar Bastos são os nomes cimeiros.

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Grafitti, conversas e concertos: pode resumir-se assim a décima edição do festival Lisboa Mistura, que começa esta terça-feira e  acaba no sábado, dia 23, centrando-se na cultura do hip-hop. Isto apesar de, no cartaz, as batidas dos Konono nº1 e as melodias de Waldemar Bastos ombrearem com as rimas de Valete. Além destes três, acrescentemos já agora outro destaque, uma espécie de interrogação que desperta a curiosidade: o concerto da Oficina Portátil das Artes (OPA), protagonizado por miúdos de bairros periféricos da cidade que terão a sua chance de se estrear num palco a sério.

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Grafitti, conversas e concertos: pode resumir-se assim a décima edição do festival Lisboa Mistura, que começa esta terça-feira e  acaba no sábado, dia 23, centrando-se na cultura do hip-hop. Isto apesar de, no cartaz, as batidas dos Konono nº1 e as melodias de Waldemar Bastos ombrearem com as rimas de Valete. Além destes três, acrescentemos já agora outro destaque, uma espécie de interrogação que desperta a curiosidade: o concerto da Oficina Portátil das Artes (OPA), protagonizado por miúdos de bairros periféricos da cidade que terão a sua chance de se estrear num palco a sério.

É certo que são os concertos que arrastam multidões, mas todos os anos o Lisboa Mistura tem um objectivo e o deste é procurar perceber “qual o som de Lisboa”, para citar Carlos Martins, o director do festival: "Que projectos existem em que Lisboa é a protagonista, quais os grupos que vêm cá gravar e qual a ligação deles à cidade e aos sons de Lisboa."

O Som de Lisboa é, inclusive, o título do primeiro debate organizado pelo festival, esta terça-feira, às 19h, no Largo da Severa, juntando gente tão díspar como DJ Marfox, Maria Reis (das Pega Monstro), ou o fadista Camané. Um pouco antes, entre as 17h e as 20h, Glue e Mosaik grafitam uma obra colectiva. Já na quarta-feira à mesma hora, na Casa Independente, a conversa partirá do hip-hop dos anos 1990 para chegar ao afro-house actual.

Mas indo aos concertos: o primeiro é na quarta-feira, e será difícil encontrar algo mais novo e fresco, visto que ninguém conhece os seus protagonistas. Às 21h, a OPA sobe ao palco do Largo do Intendente e a pergunta é: que é isso de Oficina Portátil das Artes?

Trata-se de um “projecto pedagógico da [associação] Sons da Lusofonia", que organiza o Lisboa Mistura, e acabou de fazer dez anos, explica Francisco Rebelo, o músico dos Orelha Negra que dirige a oficina. O projecto trabalha “com miúdos de bairros periféricos”, descobrindo “artistas na área da música, da dança e do multimédia, embora com mais ênfase na música”.

Não se trata de dar aulas à rapaziada, esclarece Francisco Rebelo. A equipa da OPA desloca-se até “à Alta de Lisboa, à Musgueira, às Galinheiras, à Cova da Moura, à Buraca” e vai “estabelecendo parcerias com associações locais” de modo a “descobrir músicos”. Depois prepara-os “para darem um concerto a sério”, após várias residências artísticas.

A maior parte dos miúdos com que Rebelo trabalha “não toca”: “Alguns produzem, mas não são músicos no sentido convencional do termo." Rebelo funciona como uma espécie de orientador: ajuda-os “a melhorar a qualidade do som”, facilita “a gravação de vozes para uma faixa”, ensina a produzir. “Eles estão habituados a tocar em espaços muito pobres e nós ajudamo-los a aprenderem a estar em palco, a dar um concerto."

É um dos pontos de interesse deste concerto inaugural do Lisboa Mistura: a acompanhar esta garotada estarão músicos profissionais. “Quis proporcionar-lhes a possibilidade de tocarem com uma banda”, explica Rebelo, “coisa que possivelmente não terão oportunidade de repetir tão cedo”.

Teremos portanto direito ao som que a juventude faz nos bairros neste exacto momento. "80% dos miúdos”, explica Rebelo, “faz hip-hop; os restantes fazem kizomba, kuduro ou afro-house”. São esses os sons que podemos esperar da parte de Guida, cantora cabo-verdiana de afro-house, Mynda Guevara, rapper da Cova da Moura, Vera Sforce, cantora r’n’b cabo-verdiana, Estraca e do duo de Cascais DMK.

Talvez aconteça a algum deles o mesmo que a Valete e NBC, que actuam no Largo do Intendente, quinta-feira, às 21h30, acompanhados de Virgul, Maze, Fuse, Sir Scratch e Bob da Rage Sense. “Há 18 anos”, recorda Carlos Martins, “[a Sons da Lusofonia fez] o primeiro encontro nacional de hip-hop, nuns armazéns na Abel Pereira da Fonseca. E aí o Valete e o NBC fizeram a sua estreia em concerto". Tanto tempo depois, a associação quis trazê-los “para fazer uma reflexão sobre o hip-hop que a cidade produz”. Valete, defende Martins, representa “uma capacidade única de continuar a ser bom, sensível, curioso; de ler o mundo à sua volta, de acreditar que se pode mudar o mundo”. O director vai mais longe: Valete e NBC representam também o espírito crioulo de Lisboa.

Fazer lusofonia

À décima edição, o festival viu-se a mudar do habitual mês de Junho para o fim de Julho porque, explica Martins, “a EGEAC achou que o Lisboa Mistura ficava melhor fora das Festas de Lisboa, que já têm imensos acontecimentos”. No entanto, o director considera que “ainda está por provar que [a nova data] é uma boa opção": "Vamos debater em conjunto os resultados desta mudança."

Para Martins, é "importante a data do evento ser regular”, até por causa “da disponibilidade dos artistas internacionais”. Que este ano estão em menor número mas não por esse motivo: decidiu-se dedicar esta edição “à celebração dos 20 anos da Sons da Lusofonia”.

Batuk e Konono nº 1 (que actuam dia 21 às 21h e às 22h15, respectivamente) foram as escolhas para os concertos deste ano, assim como Waldemar Bastos, que liderará um agrupamento intitulado Sons da Lusofonia (dia 23, às 22h15). Sul-africanos, praticantes de uma house que reflecte a diáspora africana, os Batuk lançaram o seu disco de estreia, Músicas da Terra, em Maio, e neste espectáculo contam com a participação da percussão de Gueladjo Sané (Guiné-Bissau).

Já o colectivo reunido em torno de Waldemar Bastos junta músicos da Guiné (como Kimi Djabaté), Moçambique, São Tomé, Cabo Verde, Brasil e Portugal. Waldemar foi escolhido para encerrar o Lisboa Mistura por ser “uma grande voz do mundo português, da diáspora, da mistura, da crioulização”, um homem “com grande carisma, grande intensidade”, defende Carlos Martins.

Crioulização, diga-se, é uma palavra que o director do festival usa muito, ele que denuncia a inexistência, nos dias de hoje, de “um verdadeiro espírito comunitário”. Para Martins, “a lusofonia feita por Portugal tem sido mal feita” e o Lisboa Mistura existe para tentar, à sua escala, colmatar essas deficiências.