Geringonça a dois ritmos: PS recusa desintegração, PCP e BE questionam tratados

António Costa e Presidente da República querem que Portugal ajude a "repensar" a Europa enquanto PCP e BE querem Tratado Orçamental "na gaveta"

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Costa defende uma "leitura flecível" do Tratado Orçamental ERIC VIDAL/Reuters

Questionar não é sair, é querer mudar. Poderia ser o lema do Governo no debate que agora se inicia sobre o que fazer com a União Europeia sem Reino Unido. Mas primeiro, é preciso haver cola na maioria de esquerda. É que se até agora nenhum dos partidos deu o passo para defender uma saída do clube de Bruxelas, os três partidos defenderam que se deve repensar a União, a ritmos diferentes. À esquerda, todos querem mais debate sobre a Europa porque como está não serve, mas PCP e BE dão um passo maior e questionam o Tratado Orçamental.

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Questionar não é sair, é querer mudar. Poderia ser o lema do Governo no debate que agora se inicia sobre o que fazer com a União Europeia sem Reino Unido. Mas primeiro, é preciso haver cola na maioria de esquerda. É que se até agora nenhum dos partidos deu o passo para defender uma saída do clube de Bruxelas, os três partidos defenderam que se deve repensar a União, a ritmos diferentes. À esquerda, todos querem mais debate sobre a Europa porque como está não serve, mas PCP e BE dão um passo maior e questionam o Tratado Orçamental.

Quando António Costa se apresentou às eleições dizia que queria ter outra voz na Europa, e depois do “Brexit” viu uma porta aberta para questionar a política que está a ser seguida pelas instituições europeias, para pedir um debate intenso e uma refundação da UE. “Esta má notícia tem de ser interpretada devidamente, não para uma depressão colectiva. É preciso ver a mensagem que os cidadãos europeus repetidamente têm dado: a União Europeia tem de ser útil às suas vidas”, disse.

A interferência na vida das pessoas foi o ponto a que se agarrou para defender o debate sobre a gestão europeia, sobretudo numa altura em que a Europa está a braços com várias crises – imigração, refugiados, défices, instabilidade política em alguns estados-membros. Perante o cenário, para Costa, este tempo é uma “oportunidade” para que os países reflictam “o que significam estes resultados e a necessidade que temos de responder aos anseios dos cidadãos da Europa”.

Carlos César preferiu chamar-lhe outra coisa. Fora do colete de forças institucional que é o Governo, o líder parlamentar do PS foi mais solto nas palavras e criticou a maneira como a Europa tem lidado com as várias crises: “Mostram essa desorientação e desadaptação das instituições comunitárias à realidade”.

Mas criticar não é pôr em causa a União. Governo e PS estão do lado dos que ficam e dos que não querem sequer ver crescer um debate em torno de uma saída. “Este é o momento de dar um sinal muito claro aos cidadãos europeus de que o caminho não é a desintegração”, defendeu Costa. 

O Presidente da República acompanha a leitura de que os ideais pelos quais a UE se constituiu “manifestamente necessitam de ser repensados e reforçados nas modalidades e práticas da União Europeia”, defendeu em comunicado. O chefe de Estado puxou a brasa para o lado dos que defendem uma posição activa do país, sempre europeísta, dizendo que Portugal "deverá continuar a manter o seu empenhamento nos ideais de paz, liberdade, democracia, bem-estar e desenvolvimento em comum, que está no cerne da construção europeia, como um eixo central da visão e da estratégia nacionais".

Já antes do referendo, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, tinha defendido em declarações ao PÚBLICO que, com o “Brexit”, a Europa enfrenta um risco sério de “desafectação dos europeus em relação às instituições europeias e ao ideal europeu”. Mas mais, “enfrenta um sério risco de desagregação”. Como combatê-lo? “É preciso reagir com sangue-frio, não entrar em pânico e saber evitar o efeito dominó, sobretudo em países que se sentem mais próximos do Reino Unido, como a Holanda, a Dinamarca ou a Polónia.”

BE e PCP querem Tratado Orçamental “na gaveta”

Se no Governo a preocupação é de conter a crise dentro de portas, os partidos que apoiam António Costa querem mais, querem o Tratado Orçamental “na gaveta”.

O BE defendeu um referendo ao Tratado Orçamental, mas não agora, para não contaminar a discussão. Contudo, espera que a “Europa ganhe juízo e não considere que o essencial neste momento é discutir se a prioridade europeia é ter sanções sobre Portugal ou Espanha”, disse o líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares.

A ligação é directa: nos próximos dias há eleições em Espanha (a 26), Conselho Europeu (a 28 e 29) e depois a Comissão Europeia tomará uma decisão no início de Julho sobre sanções a aplicar a Portugal e Espanha por não terem cumprido o défice abaixo de 3% em 2015. Olhando para o calendário europeu, o PCP quer que o Conselho Europeu lance “as bases para a convocação de uma cimeira intergovernamental com o objectivo da consagração institucional da reversibilidade dos tratados, da suspensão imediata do Tratado Orçamental e sua revogação, bem como da revogação do Tratado de Lisboa”, disse ontem João Ferreira, do comité central.

António Costa tem defendido uma "leitura flexível" do Tratado Orçamental e chegou até a dizer que tinha sido o "último erro dos socialistas", mas ontem, entre os socialistas, ninguém quis fazer essa associação ao "brexit".

Bruxelas pediu para que o Reino Unido saísse rápido, mas ainda não se sabe como e uma das preocupações do Governo é em relação aos emigrantes portugueses e às relações económicas bilaterais. Pelo Governo, Santos Silva já tinha dito que o importante era “garantir, de alguma forma, que o motor económico britânico se mantenha no avião europeu”. E assegurar acordos bilaterais. Tendo em conta a relação histórica entre os dois países, “esse acordo bilateral deve favorecer especificamente os imigrantes portugueses e é perfeitamente alcançável.”

Para já, os socialistas propõem uma estrutura de missão da diplomacia portuguesa para acompanhar os desenvolvimentos. E não serão poucos.