A escravatura infantil vai ter um livro: “É um dia feliz para o fotojornalismo”

Fotojornalista português Mário Cruz conseguiu angariar o dinheiro necessário para publicar o livro "Talibés, Escravos dos Tempos Modernos". Uma prova que "o fotojornalismo não está morto, nem tem uma morte anunciada"

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Hoje, terça-feira, 7 de Junho, é um "dia feliz para a realidade 'talibé', mas também para o fotojornalismo", diz Mário Cruz ao telefone com o P3, pouco depois de saber que foi alcançado o objectivo da campanha de "crowdfunding" que lançou no mês passado. Um resultado que prova uma coisa: "O fotojornalismo não está morto, nem tem uma morte anunciada, pelo contrário." 

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Hoje, terça-feira, 7 de Junho, é um "dia feliz para a realidade 'talibé', mas também para o fotojornalismo", diz Mário Cruz ao telefone com o P3, pouco depois de saber que foi alcançado o objectivo da campanha de "crowdfunding" que lançou no mês passado. Um resultado que prova uma coisa: "O fotojornalismo não está morto, nem tem uma morte anunciada, pelo contrário." 

A 47 horas do final, foram angariados os 28 mil dólares (cerca de 25 mil euros) pedidos para a publicação de um livro sobre a realidade dos “talibés” nas escolas corânicas do Senegal e da Guiné-Bissau, rapazes, entre os cinco e os 15 anos, que a pretexto de uma educação são obrigados a mendigar pelas ruas e são vítimas de violência e de abusos sexuais por parte dos alegados professores. Foi com o projecto fotográfico "Talibés, Escravos dos Tempos Modernos", publicado na "Newsweek" e na CNN", que o repórter de 28 anos venceu o primeiro prémio de Temas Contemporâneas do World Press Photo, mas também o terceiro lugar do Pictures of the Year International (POYi) na categoria reportagem e o Estação Imagem

"Estou extremamente feliz", admite Mário Cruz, que se encontra na Guiné-Bissau, mais precisamente em Gabu, onde também hoje inaugura uma exposição do seu trabalho, e onde foi surpreendido pela presença de crianças que já tinham sido "talibés". Muitas delas, conta, tinham sido resgatadas há apenas um ano e reconheciam alguns dos sítios que viam nas fotografias ou os castigos. Outros visitantes, "verdadeiros" professores corânicos, eram os "primeiros a condenar aqueles comportamentos". "É", começa o fotógrafo, "interessante observar a reacção das pessoas ao verem as fotos pela primeira vez, o choque, mas também a vontade de mudar e de fazer alguma coisa". Muitos visitantes, naturais desta região, extremamente afectada pelo tráfico de crianças pois muitos ainda confiam os filhos a estas escolas sem saberem o que realmente se passa, prometiam, ao ver as fotos: "Eu vou estar atento, eu vou estar mais atento." 

O livro, por isso, não só vai "pressionar as autoridades do Senegal a agir e a não adiar a aprovação das leis", como também vai colmatar a falta de informação e de provas que favorece esta forma de exploração infantil, sublinha o fotógrafo: "Agora que temos as provas, temos o necessário para mudar. O livro estará em escolas e bibliotecas na Guiné-Bissau e no Senegal porque precisa de ser visto por todos e é para todos. (...) Estou plenamente convencido que também irá dar força às organizações que também trabalham com estas crianças." É, mais uma vez, o poder do fotojornalismo: "Apesar de, hoje em dia, não ter lugar na imprensa, em Portugal e lá fora, [o fotojornalismo] mostra, dá provas."

"Uma prova física forte"

Foto
Mário Cruz

Na obra, que deverá ter 65 a 75 imagens a preto e branco, todos os textos serão em português, inglês e árabe, "precisamente para que cheguem a todas estas pessoas". Mário espera que a própria maneira como o livro vai ser "construído" seja "surpreendente e apelativa". "Que seja uma prova física forte. Quero que as pessoas interajam com o livro e que não seja apenas uma exposição de fotografias."

Agora, quando regressar a Portugal, o fotógrafo vai começar a trabalhar de imediato na publicação. Espera que o livro seja entregue às pessoas que contribuíram e distribuído pelas livrarias em meados de Setembro, ou talvez um pouco antes. Gostava de o apresentar no Visa pour L'Image, o festival de jornalismo onde apresentou o trabalho pela primeira vez no ano passado. "Há muitas datas coincidentes", confessa Mário. "Há um ano estava precisamente na Guiné-Bissau a fazer este trabalho, e agora estou aqui a apresentar uma exposição do mesmo trabalho". 

Foi em 2009, durante um trabalho na Guiné-Bissau, que o repórter da agência Lusa tomou conhecimento desta realidade. Aí ouviu relatos destas falsas escolas corânicas no Senegal, para onde crianças eram levadas para serem escravizadas por líderes religiosos. No ano passado, tirou uma licença sem vencimento de dois meses para investigar e fotografar esta realidade, no Senegal e na Guiné-Bissau, de que resultou o projecto fotográfico "Talibés, Escravos dos Tempos Modernos". O livro que agora verá a luz do dia resulta do desafio lançado pela FotoEvidence — organização internacional que premeia e cria publicações de reportagens sobre injustiças sociais e violações dos direitos humanos.