Michel Temer tem seis meses para salvar o Brasil

Os desafios que o sucessor de Dilma irá enfrentar não são glamorosos: reverter a pior recessão dos últimos 30 anos na maior economia da América Latina e apaziguar um país dividido

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Michel Temer será o terceiro líder do PMDB a assumir a Presidência sem se candidatar ao cargo REUTERS/Ueslei Marcelino

Quando Michel Temer ocupar o lugar de Dilma Rousseff, o que poderá acontecer já esta sexta-feira, ele estará a cumprir a estranha vocação do seu partido, o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), para assumir o poder. Nenhum dos peemedebistas (como são designados os membros do PMDB) que chegaram à Presidência da República nas últimas três décadas de redemocratização do Brasil foi eleito directamente para o cargo. Em 1985, o vice José Sarney ocupou o Palácio do Planalto porque o Presidente eleito, Tancredo Neves, morreu antes de tomar posse. No final de 1992, Itamar Franco substituiu Fernando Collor de Mello, quando este foi afastado num processo de impeachment.

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Quando Michel Temer ocupar o lugar de Dilma Rousseff, o que poderá acontecer já esta sexta-feira, ele estará a cumprir a estranha vocação do seu partido, o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), para assumir o poder. Nenhum dos peemedebistas (como são designados os membros do PMDB) que chegaram à Presidência da República nas últimas três décadas de redemocratização do Brasil foi eleito directamente para o cargo. Em 1985, o vice José Sarney ocupou o Palácio do Planalto porque o Presidente eleito, Tancredo Neves, morreu antes de tomar posse. No final de 1992, Itamar Franco substituiu Fernando Collor de Mello, quando este foi afastado num processo de impeachment.

Agora, com Michel Temer, vice-presidente eleito juntamente com Dilma em 2010 e 2014, o Brasil será presidido por um partido que não lança candidato próprio às presidenciais desde... 1994. Os desafios que Temer, 75 anos, irá enfrentar não são glamorosos: reverter a pior recessão dos últimos 30 anos na maior economia da América Latina e apaziguar um país dividido por uma profunda polarização política.

Ele terá de apresentar mudanças e resultados o mais depressa possível, dentro do período de seis meses em que Dilma Rousseff estará temporariamente afastada. Em tese, se for absolvida no julgamento levado a cabo pelo Senado, Dilma poderá regressar à Presidência. Mas se o rumo do país melhorar sob a direcção de Temer, é pouco provável que o Senado não tenha isso em conta, num julgamento que promete ser mais político do que jurídico.

Resta saber se Temer, que é considerado um hábil político de bastidores, terá o empenho necessário para produzir reformas estruturais impopulares – como a do generoso sistema de pensões brasileiro – num ano de eleições municipais. E como irá pôr em ordem as contas públicas, depois de descartar o aumento de impostos e prometer a manutenção de programas sociais como o Bolsa Família.

O vice-presidente tem vindo a preparar-se para o dia do impeachment de Dilma há muito e tem o seu executivo praticamente pronto, com 14 dos 22 ministros definidos. Mas a montagem do seu Governo criou expectativas negativas. Temer prometera um governo “de notáveis”, que não incluiria apenas políticos da sua base aliada, mas também nomes reconhecidamente qualificados e competentes nas suas áreas de actuação. Mas as pastas do Governo que se prepara para apresentar acabaram por ser exclusivamente distribuídas a políticos dos partidos que pertencem à sua base e que votaram a favor do impeachment.

Temer também anunciou uma redução radical no número de ministérios, que actualmente é 32, mas, à medida que as negociações foram avançando, pareceu mais interessado em premiar todos os partidos da sua base com cargos. Nos últimos dias recuou, ciente do impacto negativo que isso produziu na opinião pública, e anunciou que o seu Governo terá dez ministérios a menos. Entre os ministérios que se extinguem estão Cultura (que passará a Secretaria e será integrada no Ministério da Educação), Ciência e Tecnologia (que Temer chegou a oferecer a um bispo criacionista da Igreja Universal do Reino de Deus) e Segurança Social (que será integrado no Ministério das Finanças). Muitos dos integrantes do seu Governo já tiveram pastas nos Governos anteriores de Fernando Henrique Cardoso, Lula (Henrique Meirelles foi presidente do Banco Central e agora assume as Finanças) e Dilma.

A posse do novo Governo poderá ocorrer já na sexta-feira – antes, Dilma terá de ser notificada formalmente do resultado da votação no Senado. Mas, segundo a imprensa brasileira, Temer vai dispensar a cerimónia de posse e pondera convocar o seu conselho de ministros para uma primeira reunião “aberta”, que seria transmitida ao vivo pela televisão. Temer aproveitaria a ocasião para fazer um discurso ao país e apresentar o seu programa de governo. Fiel ao seu estilo “discreto” e “contido”, o vice deverá evitar qualquer tom triunfalista. Os seus interlocutores adiantaram ao Estado de S. Paulo que a ideia central do discurso será a de que “não é momento para comemorar, não é um momento de vitória, mas, por outro lado, a esperança está no ar”.

O país teve uma previsão, no mês passado, do que deverão ser as linhas principais dessa comunicação ao país, quando Temer enviou uma mensagem de WhatsApp inadvertidamente (ou não: há teorias de que foi deliberado) com uma gravação do discurso estava a preparar para o dia do impeachment. Nessa gravação, Temer disse que o país precisava de “um governo de salvação nacional”, com a contribuição de todos os partidos.

Temer e Dilma nunca foram próximos. A aliança dos dois é um mero produto das conveniências políticas forjadas na maior crise do Governo de Lula da Silva, criada pelo escândalo do Mensalão, o esquema de compra de votos de parlamentares em benefício do Planalto. O PMDB, que já era presidido por Michel Temer, deu o seu apoio ao Presidente e, em troca, passou a integrar oficialmente o Governo a partir de 2007, ampliando a sua fatia em ministérios e cargos de direcção em empresas estatais.

Por causa dessa lógica de alianças, o PMDB, um partido ideologicamente flexível que parece reger-se por algo equivalente ao caciquismo autárquico, é acusado de “fisiologismo” (o oportunismo da oferta de apoio político em troca de cargos e outros benefícios). Mas o fisiologismo deixou de ser um exclusivo do PMDB num Congresso com três dezenas de partidos e num sistema presidencialista em que qualquer Governo precisa de formar alianças para conseguir ter uma maioria legislativa. O de Michel Temer não será diferente.