Luta pelo uso de casas de banho por pessoas transgénero chega a tribunal

Departamento de Justiça dos EUA acusa o estado da Carolina do Norte de violar a igualdade conquistada durante a década de 1960.

Foto
Administração Obama vai desafiar lei polémica sobre uso de casas de banho públicas na Carolina do Norte Jonathan Drake/REUTERS

A polémica lei aprovada no estado norte-americano da Carolina do Norte sobre o uso das casas de banho em locais públicos saltou das declarações de indignação para os tribunais. Depois da forte pressão exercida por empresas e por estrelas da música e do cinema, o Departamento de Justiça dos EUA acusou o estado de violar a histórica Lei dos Direitos Cívicos, aprovada na década de 1960.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

A polémica lei aprovada no estado norte-americano da Carolina do Norte sobre o uso das casas de banho em locais públicos saltou das declarações de indignação para os tribunais. Depois da forte pressão exercida por empresas e por estrelas da música e do cinema, o Departamento de Justiça dos EUA acusou o estado de violar a histórica Lei dos Direitos Cívicos, aprovada na década de 1960.

Em resposta, o governador do estado, Pat McCrory, do Partido Republicano, anunciou que também vai levar a Administração Obama a tribunal, por abuso das suas competências.

Em causa está uma lei que entrou em vigor no dia 1 de Abril, na Carolina do Norte, e que no essencial determina que as pessoas devem usar as casas de banho em edifícios públicos e universidades de acordo com o género que têm na sua certidão de nascimento e não de acordo com a sua identidade de género.

Como na Carolina do Norte uma pessoa só pode alterar a sua certidão de nascimento depois de ser submetida a uma operação de mudança de sexo, a comunidade LGBT considera que a nova lei é não só discriminatória e humilhante, como pode provocar reacções violentas.

O governador Pat McCrory defende a lei dizendo que ela apenas garante o direito à privacidade – quando o documento foi aprovado nas duas câmaras do estado (ambas dominadas com largas maiorias do Partido Republicano), vários legisladores disseram que o seu objectivo era impedir que homens se fizessem passar por pessoas transgénero para entrarem nas casas de banho reservadas a mulheres.

Mas a forma como a lei foi aprovada, e as várias determinações que contém para proibir medidas contra a discriminação de gays, lésbicas e transgéneros, tem sido duramente criticada por vários sectores da sociedade – não só na Carolina do Norte mas um pouco por todo o país.

São conhecidas as decisões de artistas como Bruce Springsteen ou os Pearl Jam de não darem concertos no estado enquanto a lei estiver em vigor, e até o presumível nomeado do Partido Republicano à Casa Branca, Donald Trump, criticou a decisão – questionado durante uma entrevista na estação NBC, o magnata disse que o estado está a ser muito penalizado pelo boicote de várias empresas por algo que "nunca levantou muitas queixas".

"Agora há uma grande vontade de criar novas casas de banho. O problema disso é que para os transgéneros isso seria discriminatório. E seria extremamente caro para as empresas deste país. Deixem estar as coisas como estão", disse Trump, acrescentando que uma pessoa transgénero – como a conhecida Caitlyn Jenner – poderia usar a casa de banho que quisesse em qualquer um dos seus edifícios.

No campo oposto está o senador Ted Cruz, que até há uma semana era o único candidato com hipóteses de travar a nomeação de Trump: "É de loucos. A ideia de que um homem adulto seria autorizado a entrar sozinho numa casa de banho com meninas – não é preciso ser um psicólogo para perceber o que pode acontecer, e nenhuma pessoa prudente admitiria isso."

Em editorial, o jornal Washington Post diz que a Carolina do Norte está numa corrida em direcção à intolerância, criticando a argumentação do governador e dos legisladores do Partido Republicano: "A hipérbole do sr. McCrory sobre os supostos perigos de as pessoas transgénero usarem casas de banho públicas que não correspondam com o género constante das suas certidões de nascimento baseia-se numa ficção. Apesar da ausência de qualquer indício credível de que houve problemas relacionados com esta realidade, os esforços para legislar sobre o uso das casas de banho têm proliferado em todo o país, surgindo como um tema fracturante."

Ainda mais cáustico foi um editorial do New York Times: "A ameaça existe apenas na imaginação dos intolerantes. Os apoiantes desta medida não têm conseguido indicar um único caso que justifique a necessidade de se legislar sobre que casas de banhos as pessoas devem usar."

Historicamente a Carolina do Norte nunca teve uma lei que determinasse quem deve usar que casas de banho, mas as autoridades da maior cidade do estado, Charlotte, aprovaram há anos uma directiva que autoriza a discriminação neste caso. Para repor a situação, e voltar a pôr Charlotte em linha com o seu estado, as autoridades que gerem actualmente a cidade decidiram revogar essa directiva em Fevereiro deste ano – um mês depois, no dia 23 de Março, e num espaço de poucas horas, a Câmara dos Representantes e o Senado do estado puseram em cima da mesa do governador a lei da polémica, que foi assinada imediatamente.

No meio desta polémica, uma mensagem publicada no Twitter por um homem transgénero ganhou notoriedade, ao evidenciar outros problemas da lei em causa, para além das questões de discriminação. James Parker Sheffield, de 36 anos, um homem com barba que ainda tem na sua certidão de nascimento o género feminino, notou que agora seria obrigado a partilhar a casa de banho com a mulher do governador.