Bruxelas lembra “riscos” do abrandamento externo para a economia portuguesa

Comissão Europeia alerta para risco de “desvio significativo” na redução do défice estrutural. Trajectória das contas públicas será avaliada com o Plano de Estabilidade.

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Depois da apresentação do OE, o comissário Pierre Moscovici esteve em Lisboa com Centeno (a 10 de Março) FRANCISCO LEONG/AFP

Quando Portugal fechou a proposta do Orçamento do Estado em Fevereiro, já depois de negociações que se seguiram à apresentação do esboço, Bruxelas prometeu ficar “muito atenta” à execução do orçamento português. Agora, ao divulgar o relatório da terceira avaliação pós-programa da troika, insiste que há riscos na correcção estrutural das contas públicas e um ambiente adverso na economia externa.

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Quando Portugal fechou a proposta do Orçamento do Estado em Fevereiro, já depois de negociações que se seguiram à apresentação do esboço, Bruxelas prometeu ficar “muito atenta” à execução do orçamento português. Agora, ao divulgar o relatório da terceira avaliação pós-programa da troika, insiste que há riscos na correcção estrutural das contas públicas e um ambiente adverso na economia externa.

Um dos riscos identificados por Bruxelas no relatório publicado nesta segunda-feira tem a ver com o abrandamento da conjuntura internacional, pelo impacto que pode ter na economia nacional, nomeadamente nas exportações.

As equipas técnicas da Comissão Europeia estiveram em Lisboa de 25 de Janeiro a 2 de Fevereiro, ao mesmo tempo em que decorriam as negociações entre o Governo e Bruxelas em torno do Orçamento do Estado, que seria apresentado dias depois.

A Comissão, que já estava a prever um crescimento económico menor do que o projectado pelo Governo, insiste que a recuperação será “moderada”. O impulso será dado pela procura interna, num momento em que há “riscos decorrentes do enfraquecimento do ambiente [económico] externo, elevados desequilíbrios orçamentais e volatilidade nos mercados financeiros”. Os avisos são reforçados numa altura em que várias entidades, incluindo o Fundo Monetário Internacional (FMI), vieram baixar as perspectivas de crescimento da economia mundial e da zona euro, onde Portugal tem os principais mercados de destindo das exportações.

Segundo os técnicos do executivo comunitário, a economia portuguesa deverá crescer este ano 1,6% em 2016 (menos do que os 1,8% projectados pelo Governo português), acelerando para 1,8% em 2017.

Em relação às contas públicas, a Comissão Juncker continua a dizer que há um risco de “desvio significativo” na redução do défice estrutural face ao valor recomendado por Bruxelas. Mesmo incluindo as medidas de consolidação introduzidas pelo Governo entre o esboço do orçamento e o documento final que chegou ao Parlamento (e que entretanto já foi aprovado e está em vigor).

“As projecções para 2016 apontam para um risco de desvio significativo em relação ao ajustamento estrutural recomendado de 0,6% do PIB”. “Tendo em conta as projecções orçamentais das Previsões de Inverno e a avaliação da Comissão aos riscos de implementação de algumas das medidas adicionais [introduzidas no OE em relação ao esboço], permanecem riscos de desvio significativo em relação ao esforço recomendado”, avisa.

O défice estrutural é um indicador técnico que mede o esforço de consolidação orçamental de um país sem levar em linha de conta as medidas de carácter extraordinário e o efeito que o ciclo económico pode ter na evolução das finanças públicas.

A Comissão colocou reservas à forma como estava a ser calculado aquele indicador no esboço do orçamento, mas depois de o Governo apresentar mais medidas de austeridade acabou por reconhecer que a redução (entre 0,1 e 0,2 pontos percentuais) estava dentro da margem necessária em relação ao valor recomendado.

Este valor é diferente do défice nominal, cuja meta do Governo é de 2,2%. Para a Comissão, se a estratégia orçamental do esboço do orçamento era expansionista, as medidas introduzidas no orçamento final passaram a implicar um esforço de consolidação orçamental moderado “anti-cíclico”. Por exemplo, há medidas que implicam uma diminuição da receita num valor equivalente a 0,3% do PIB (a redução gradual da sobretaxa de IRS em função do escalão de rendimento e a descida do IVA nos serviços de alimentação e algumas bebidas). Mas a dimensão da queda é “mais do que compensada pelas medidas de aumento da receita”, que valem cerca de 0,5% do PIB.

Do esboço ao orçamento final, houve medidas que ficaram pelo caminho (como a redução das contribuições sociais dos trabalhadores com salários até 600 euros). E outras foram lançadas ou revistas, ora para aumentar a receita, ora para baixar a despesa. O preço do litro de gasolina e gasóleo aumentou seis cêntimos, o tabaco aumenta dez cêntimos e foram impostas limitações à contratação de funcionários públicos.

Bruxelas não se refere ao que poderá vir a ser adoptado pelo Governo no “plano B” pedido pelos parceiros europeus em caso de derrapagem orçamental, limitando-se a dizer que a estratégia de consolidação das contas públicas vai continuar a ser acompanhada de perto.

No documento, Bruxelas sublinha que o cumprimento das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) será avaliado pela Comissão tendo em conta não apenas o valor do défice de 2015 a validar pelo gabinete estatístico europeu, o Eurostat, mas também o Programa de Estabilidade que o Governo vai aprovar esta semana em Conselho de Ministros, onde estará descrita a estratégia de consolidação orçamental até 2020, e ainda as próximas previsões económicas da Comissão.