Sete anos depois, Angola pede segunda ajuda ao FMI contra o choque do petróleo

O crescimento económico está a abrandar, a recuperação dos preços do crude será lenta e por isso a palavra de ordem do FMI é “diversificar” a economia. O desafio é tornar o país menos dependente do petróleo.

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O Governo angolano prevê que a economia cresça este ano 3,3% Siphiwe Sibeko/Reuters

A dificuldade da economia de Angola em absorver o choque da descida dos preços do petróleo nos mercados internacionais – e a pressão que a dependência das receitas petrolíferas coloca nas finanças públicas do país – tornou esta quarta-feira inevitável um pedido de assistência financeira ao Fundo Monetário Internacional (FMI). É a segunda vez em sete anos que o Governo de José Eduardo dos Santos o faz, sempre em reacção à queda dos preços do petróleo. O programa vai durar três anos.

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A dificuldade da economia de Angola em absorver o choque da descida dos preços do petróleo nos mercados internacionais – e a pressão que a dependência das receitas petrolíferas coloca nas finanças públicas do país – tornou esta quarta-feira inevitável um pedido de assistência financeira ao Fundo Monetário Internacional (FMI). É a segunda vez em sete anos que o Governo de José Eduardo dos Santos o faz, sempre em reacção à queda dos preços do petróleo. O programa vai durar três anos.

A situação das finanças públicas e a posição externa da economia não são, porém, as mesmas de 2009, quando o país, então saído da guerra civil há apenas sete anos, recebeu apoio do FMI.

O valor do empréstimo, a conceder durante três anos, ainda não foi conhecido. Mas economistas que acompanham a situação da economia angolana, em Luanda ou fora de portas, acreditam que o montante da assistência financeira será superior aos 1400 milhões de dólares concedidos entre 2009 e 2012. É uma verba baixa quando comparada com o PIB do país (102 mil milhões de dólares em 2015, segundo a projecção do FMI)A intervenção, apenas quatro anos depois de terminar o primeiro programa de assistência, ganha importância pelo próprio sinal que é dado pela ligação do FMI a Luanda.

O momento é de desaceleração das economias emergentes, não é indiferente o aumento dos laços económicos de Angola com a China e, sobretudo, antecipa-se uma recuperação lenta dos preços do petróleo (em 2009 era um ajuste da oferta e procura, hoje o cenário é bem mais complexo). A promessa do FMI é acompanhar o empréstimo com “um pacote completo de políticas para acelerar a diversificação da economia, salvaguardando, em simultâneo, a estabilidade macroeconómica e financeira”. O Ministério das Finanças de Angola acrescentou outro objectivo: “Manter um nível adequado de reservas internacionais”.

Do ponto de vista das finanças públicas, o cenário face a 2009 não é igual. No ano em que chegou a Angola a ajuda do FMI, o défice público ficou em 7,4% do PIB. Para este ano, a previsão é do Fundo é que, depois de um défice de 3,5% em 2015, o valor caia para 1,4%.

Para controlar as finanças públicas e compensar a queda nas receitas petrolíferas, o regime já se viu forçado a rectificar o Orçamento do ano passado, impondo uma redução nas despesas de investimento. No entanto, o preço do petróleo continuou a recuar e a pressão sobre as contas públicas aumentou. As agências de rating estão atentas e, já em Fevereiro, a norte-americana Standard & Poor’s veio baixar o rating de longo prazo da dívida do país (para o nível B, um patamar considerado de investimento especulativo). 

A economia abrandou nos dois últimos anos (passando de um crescimento de 6,8% em 2013 para 4,8% em 2014 e 3,5% em 2015) e este ano deverá continuar a desacelerar. A previsão do Governo é de um crescimento de 3,3%.

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O país está fortemente dependente da produção do petróleo – entre 2011 e 2013, estima o FMI, o sector petrolífero “representou, em média, cerca de 45% do PIB”; representou cerca de 95% das exportações; e a receita do petróleo equivaleu a cerca de 80% das receitas arrecadas pelo Estado. O efeito da descida dos preços nos mercados gerou por isso um impacto negativo na economia, ainda que o FMI continue a prever um crescimento de 3,9% no sector petrolífero este ano.

Desfecho esperado

José Miguel Moreira, economista no departamento de estudos do Montepio, identifica alguns riscos, lembrando ao PÚBLICO que o impacto da quebra do preço do petróleo na descida da moeda local, o Kwanza, tem provocado uma aceleração da inflação e levado o Banco de Angola a subir as taxas de juro. Os riscos sobre a actividade “estendem-se também às contas públicas, atendendo à forte importância do petróleo nas receitas fiscais”.

Em Janeiro, o preço médio do barril de petróleo exportado pelo país baixou caiu 36% em relação ao valor de Janeiro do ano passado, recuando para 36 dólares. Ainda que a quantidade vendida tenha aumentado, este reforço não compensou por completo a descida do preço, levando a uma queda das receitas das exportações. A cobrança das receitas petrolíferas também está a diminuir, por duas vias – pela diminuição da receita dos impostos petrolíferos e pela menor receita da própria petrolífera estatal Sonangol (ela própria a sofrer uma reestruturação). A crise, por sua vez, tem levado a menores compras de bens estrangeiros, afectando a oferta disponivel e as contas dos países fornecedores, como Portugal.

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A reacção do Governo acabou por ser um pedido de apoio ao FMI. A incerteza em relação à recuperação dos preços do petróleo é muita e, por isso, os riscos sobre a economia prolongam-se. Em Setembro, o departamento de estudos económicos do BPI, que acompanha de perto a evolução da economia angolana, alertava que, apesar de “os fundamentos macroeconómicos” serem mais sólidos do que na última crise, “a recuperação lenta dos preços do petróleo apresenta-se como um dos principais riscos para a retoma económica”.

À Lusa, o economista da Universidade Católica de Luanda Manuel Alves da Rocha considerou que a situação é “bem pior” do que em 2009 e que resta saber ainda “qual a contrapartida que o FMI vai exigir”, depois de na última ajuda, que terminou em 2012, ter havido “muitos apertos na actividade do Estado”. A diferença, vincou, é que “nessa altura as expectativas de retoma do crescimento do petróleo eram evidentes, ao passo que agora não há esta base”. 

Para José Miguel Moreira, porém, “as condições económicas de Angola são hoje mais favoráveis do que aquando do anterior pedido de financiamento ao FMI, na sequência da crise de 2008/09, nomeadamente com a posição orçamental e externa a ser menos gravosa que então”.

“Dado que associado aos programas de financiamento existe um forte apoio técnico por parte do FMI à condução da política económica, este pedido de ajuda visa justamente contribuir para o desafio de intensificar a diversificação da economia do país”, aumentando a concorrência, diminuindo a intervenção do Estado na economia angolana e favorecendo o investimento privado interno e o investimento externo, aponta ao PÚBLICO o economista do Montepio.

São esses alguns dos desafios identificados pelo FMI. Numa nota avaliação sobre o país, produzida em Novembro do ano passado, a instituição identificava insistia que o regime devia reforçar a documentação orçamental para dissipar alguns riscos, identificando por exemplo “debilidades nos sistemas de gestão financeira pública”, “possíveis atrasos nas transferências de receitas petrolíferas da Sonangol para o Tesouro e possíveis passivos contingentes de bancos e empresas estatais”. com Ana Rute Silva