Marinha mercante portuguesa está reduzida a dez navios

O Governo vai instituir um grupo de trabalho interministerial para estudar medidas para dinamizar o sector da marinha de comércio, mas deixou de fora representantes dos armadores que “apenas” pedem pragmatismo.

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Linha de crédito é destinada às empresas exportadoras Carlos Lopes/Arquivo

A notícia da criação de um grupo de trabalho interministerial, sob coordenação da ministra do Mar e que tem como objectivo preparar um plano de acção para a promoção do transporte marítimo e apoiar o desenvolvimento da marinha mercante nacional, não produziu grandes expectativas num sector que tem vindo a emagrecer continuamente e que, hoje em dia, é constituído por uma frota de apenas dez navios.

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A notícia da criação de um grupo de trabalho interministerial, sob coordenação da ministra do Mar e que tem como objectivo preparar um plano de acção para a promoção do transporte marítimo e apoiar o desenvolvimento da marinha mercante nacional, não produziu grandes expectativas num sector que tem vindo a emagrecer continuamente e que, hoje em dia, é constituído por uma frota de apenas dez navios.

Rui Raposo, presidente da Associação de Armadores da Marinha de Comércio (AAMC), recorda que já existem cerca de uma dezena de estudos, planos e estratégias para o sector marítimo portuário, “quase todos a apontarem para os mesmos objectivos, mas que acabaram por não produzir resultados, na minha opinião, por falta de pragmatismo”. E não acredita que desta vez seja diferente. 

“Tendo em consideração que no grupo de trabalho não foi incluído nenhum representante dos armadores, receio bem que o pragmatismo a que me refiro não seja conseguido e acabe por ser mais um estudo que depois não tem aplicabilidade por falta de adesão à realidade do sector”, argumenta o presidente da AAMC.

E qual é essa realidade? É um sector que tem um peso preponderante na chamada economia do mar, como se lê no preâmbulo do decreto-lei governamental que instituiu o grupo de trabalho, e que, na Europa, representa cerca de 5,4 milhões de postos de trabalho e gera um valor acrescentado bruto de cerca de 500 mil milhões de euros por ano –  e no qual a marinha mercante é responsável por 195 mil milhões de euros de valor acrescentado (39% do total da economia do mar) e 40% da totalidade de empregos (2,2 milhões de postos de trabalho).

A importância deste sector é reconhecida pela Comissão Europeia, que desde há dez anos tem vindo a tomar medidas para inverter a tendência de saída dos navios europeus para outras bandeiras de países com regimes legais e fiscais bem menos onerosos. Uma das medidas positivas que então avançaram foi a criação de Registos Internacionais de Navios, que permitiu acompanhar melhor a evolução do sector.

Nesses dez anos, a frota europeia cresceu 32%, chegando a 2015 com 23 mil navios registados. Pelo contrário, e no mesmo período de dez anos, a frota portuguesa emagreceu 34%, chegando ao final de 2014 com apenas dez navios. Este contínuo movimento de decréscimo começou nos anos 1980, quando Portugal tinha 97 navios com bandeira nacional.

O grupo de trabalho criado pelo Governo tem a missão específica de concluir, até ao final do primeiro semestre deste ano, uma série de propostas legislativas, que considerem o benchmark europeu e a realidade portuguesa. A adopção de regimes fiscais mais favoráveis estarão, seguramente, entre elas. O diploma instituiu ainda que essas medidas deverão entrar em vigor no início de 2017.

Pelo seu lado, o presidente da AAMC já identificou as medidas que considera prioritárias e desfiou-as num seminário recente no Porto. Entre elas surge a correcção de algumas deficiências nas acessibilidades aos portos, de modo a facilitar o desembaraço dos navios, a resolução dos problemas no trabalho portuário (pacificando todos os conflitos com os estivadores, sobretudo no Porto de Lisboa), o estabelecimento de um novo modelo de governação dos portos e eliminar o excesso de burocracia e formalidades.

“A competitividade dos navios pode ser aumentada se se alterarem as políticas de 'auxílios do Estado', e antes adaptando e estabilizando o sistema fiscal. Aliás, em termos de custos para os donos das cargas, não é o preço dos serviços portuários o mais determinante, mas sim a eficiência e a eficácia, que se mede na pontualidade, na rapidez, na fiabilidade”, lembrou Rui Raposo.

Por isso, uma das medidas que defende para garantir a necessária eficiência e eficácia nos portos, e num claro recado à Autoridade da Concorrência que está a elaborar um estudo para o sector, é que “não se deve confundir 'posição dominante do mercado' com situações em que a concentração é necessária para que o operador ganhe massa crítica e envergadura financeira para investir na modernização dos portos”.

Aliás, e na mesma linha, a Associação de Armadores defende que os resultados positivos das administrações portuárias não deveriam servir para pagar dividendos ao accionista Estado mas antes serem reinvestidos nos portos, nomeadamente na redução da factura portuária.