Blu apagou todos os murais de Bolonha em protesto contra exposição de street art

Algumas obras foram retiradas de propósito da rua para integrar Banksy & Co., organizada por entidades ligadas à banca e que abre esta quinta-feira. Artista cobriu de cinzento os seus trabalhos.

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O street artist italiano Blu apagou as suas obras das ruas de Bolonha – uma aceleração da qualidade efémera do graffiti, por uma causa. Blu agiu movido pela indignação sobre uma exposição dedicada à street art, Banksy & Co., que abre esta quinta-feira com a alta finança como organizadora.

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O street artist italiano Blu apagou as suas obras das ruas de Bolonha – uma aceleração da qualidade efémera do graffiti, por uma causa. Blu agiu movido pela indignação sobre uma exposição dedicada à street art, Banksy & Co., que abre esta quinta-feira com a alta finança como organizadora.

Blu é um dos artistas de rua mais conhecidos do mundo, com obra espalhada por cidades em vários continentes – em Lisboa, por exemplo, mora um dos seus murais. Bem perto de trabalhos de Os Gémeos e do espanhol Sam3, na avenida Fontes Pereira de Melo, ocupou uma das três fachadas do palácio devoluto, pintada com autorização e apoio da Câmara Municipal de Lisboa em 2010. É uma das obras "autorizadas" ou legais do artista, que convivem com as suas obras "ilegais". 

Mas na noite de sexta-feira para sábado últimos, e no sábado durante o dia, Blu, de 35 anos, e um grupo de colaboradores e colegas (cerca de meia centena de pessoas vindas de dois centros sociais locais, o Xm24 e o Crash, onde também moravam obras suas) ergueram os seus rolos, sempre com tinta cinzenta à mão, e dedicaram-se a cobrir murais pela cidade italiana. Cerca de 20 anos de trabalho de Blu são agora superfícies cinzentas. Uma ironia, assinalada pela descrição de um desses momentos pelo diário francês Le Monde: enquanto os murais eram apagados, ouvia-se Nel blu/ dipinto di blu (No azul/ pintado de azul) o título da canção mais conhecida por Volare, de Domenico Modugno.

“Já não há mais Blu em Bolonha”, escreveu o próprio artista, que não revela a identidade, no seu blogue. “E não haverá mais enquanto os magnatas especularem” sobre a arte que se coloca nas ruas, rematou.

Da rua para o museu

Street Art, Banksy & Co., que como o próprio nome indica reúne obras do mais famoso dos street artists, o britânico Banksy (cuja obra é tão cobiçada que surge em leilões e em exposições autorizadas ou nem por isso), e de outros artistas do meio, entre os quais o próprio Blu, começa esta quinta-feira a mostrar peças retiradas do seu contexto de produção e apresentação, a rua, para irem morar na galeria ou no museu.

A intenção da organização, da responsabilidade do sistema de museus do centro de Bolonha, o Genus Bononiae, e do grupo Arthemisia, a maior produtora de exposições de Itália, é “começar uma reflexão sobre como salvar, conservar e mostrar estas experiências urbanas em museus”. Mostra cerca de 250 obras, algumas das quais terão sido então retiradas do local onde foram colocadas pelos autores, com o ex-académico Fabio Roversi Monaco, presidente do Genus Bononiae, da Academia de Belas Artes e do banco IMI, como ideólogo.

O protesto de Blu deve-se exactamente em parte ao facto de o artista ter descoberto que algumas das obras na mostra foram recentemente extraídas das ruas por técnicos com fim a colocá-las no espaço expositivo do Palazzo Pepoli. Alguns dos seus colaboradores terão sido interpelados pelas autoridades no fim-de-semana passado quando eliminavam o trabalho de Blu das paredes de edifícios bolonheses.

Blu, que protege o seu anonimato e não dá entrevistas, faz um link do seu post singelo para o colectivo italiano de escritores de esquerda Wu Ming, que reflectem sobre o tema no seu site e resumem a operação de apagamento de Blu: “acção contra os ricos e poderosos que tiram a arte de rua da rua”.

“Mais do que qualquer outra pessoa na história recente de Bolonha, o nome de Roversi Monaco evoca poder, dinheiro, política… e as subsequentes políticas repressivas”, escreve o Wu Ming, lembrando casos de intolerância para com protestos estudantis quando era reitor, ou o seu apoio “à enésima privatização de mais e mais pedaços de cidade”. Uma cidade que, sublinha o colectivo, “criminaliza o graffiti e leva pessoas de 16 anos a tribunal” por pintarem na rua.

A musealização da street art, na origem do protesto, é um tema amplamente debatido – um dos argumentos utilizados para destrinçar tipos de trabalho e seus ambientes é o usado pelo português André Saraiva, que considera que “o graffiti tem lugar na cidade, ilegalmente e à noite. Qualquer outra coisa não é graffiti. Nessa linha, o colectivo italiano acusa os organizadores e curadores de Banksy & Co. de, “fazendo alarde do seu amor pela street art” estarem a “usar o trabalho de outros com uma arrogância condescendente”.

Já Roversi Monaco, citado esta quinta-feira pelo Guardian, esclarece apenas que foi pedida "autorização aos proprietários legítimos dos edifícios devolutos onde estes murais estavam", referindo-se às obras extraídas para a exposição. "O artista continua a ser o autor, mas o proprietário é seja quem for que seja dono do edifício."

A trabalhar com notoriedade há mais de 15 anos, Blu tem como base Bolonha, onde tem muitas das suas obras. É reconhecido pelo seu método que molda a plasticidade do trabalho final – o rolo erguido em suportes extensíveis, para desenhar as suas criaturas, que passam a habitar as paredes dos espaços urbanos mais variados. Tem um Cristo que ascende das armas no Rio de Janeiro, pintou a Tate Modern em Londres e um executivo de crânio insuflado e coroado com símbolos de petrolíferas pelo que sorve do mundo em Lisboa. Agora, em Bolonha, cuja agitada história política estava retratada num dos mais conhecidos murais de Blu, junto à estação central, há cinzento, como reporta o diário britânico Telegraph. “Estavam cá há tanto tempo que os estudávamos no liceu”, lamentou Francesa Campitiello, de 23 anos.

Como não houve autorização dos artistas para a retirada das peças recentemente recolhidas pela organização, a exposição “legitima o açambarcamento de arte retirada da rua”, defendem os activistas, e “representa um modelo de espaço urbano” com base “na acumulação privada que torna a vida e a criatividade em bens”. O site especializado em graffiti Vandalog lamenta o desaparecimento de obras emblemáticas e apela ao boicote à mostra, cujos bilhetes custam 13 euros.

No passado, Blu já apagara, com a ajuda de Lutz Henke, dois grandes murais nos quais colaborara em Berlim quando percebeu, em 2014, que o seu tempo já tinha passado, com a acelerada gentrificação, a explosão imobiliária e o marketing da cidade encantada com as imagens que tinham pintado em Kreuzberg.