O que comeu Youssef nas últimas quatro refeições? "Sanduíche, sanduíche, sopa, laranja"

A transbordar de gente, o campo de refugiados de Idomeni, na fronteira entre a Grécia e a Macedónia, é um teste para a logística e para os estômagos.

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Distribuição de comida no campo de Idomeni LOUISA GOULIAMAKI/AFP

Duas horas de fila para uma sanduíche. Um campo concebido para 1600 pessoas, mas que acolhe mais de nove mil. Ter o suficiente para comer quando se é refugiado na aldeia grega de Idomeni é um desafio diário.

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Duas horas de fila para uma sanduíche. Um campo concebido para 1600 pessoas, mas que acolhe mais de nove mil. Ter o suficiente para comer quando se é refugiado na aldeia grega de Idomeni é um desafio diário.

Kadr Youssef faz a lista das quatro últimas refeições que engoliu: "Sanduíche, sanduíche, sopa, laranja". Não é muito, reconhece, mas está mais preocupado com a filha Irène, de seis meses. O leite para as crianças é distribuído por uma ONG: "É o suficiente?", pergunta este iraquiano de 25 anos.

As crianças estão por todo o lado neste campo na fronteira entre a Grécia e a Macedónia, e entre elas há bebés de poucas semanas. A organização Save the Children estima que sejam pelo menos 2500.

"Entre sexta-feira e domingo, o campo passou de quatro mil para oito mil pessoas. Já somos mais de nove mil. Levantamo-nos todas as manhãs e perguntamo-nos como vamos fazer isto hoje", resume Jean-Nicolas Dangelser, responsável logístico dos Médicos Sem Fronteiras em Idomeni que gere a distribuição das refeições — são mais lanches do que refeições —, que ultrapassam as 30 mil por dia.

Todos os dias, o número de sírios e de iraquianos que chegam à fronteira é superior ao dos refugiados admitidos diariamente pela Macedónia. Na quarta-feira, cerca de 170 pessoas passaram a fronteira entre a meia-noite e a alvorada. A fronteira, que estava fechada desde segunda-feira, abriu durante algumas horas e voltou a ser encerrada depois do meio-dia.

Em média, só há 6500 refeições quentes por dia. "Temos que usar sanduíches para os restantes", diz Dangelser que procura fornecedores para pratos quentes a preços suportáveis. Actualmente, cada refeição fica por 30-35 cêntimos, mas o fornecedor não pode assegurar mais. E o que nos estão a propor agora custa à volta de 1,20 euros".

Inicialmente concebido para albergar 1600 pessoas, o campo alastrou, semeando pelos seus arredores centenas de pequenas tendas de campismo. Mas para as três distribuições diárias de alimentos, todos os refugiados se acumulavam na zona central do campo.

"Um dos nossos distribuidores tinha o hábito de preparar os alimentos numa das extremidades do campo, para depois os levar para a zona central, mas as pessoas começaram a ir ver a preparação e o serviço passou a fazer-se ali mesmo — há tanta gente que ninguém se consegue mexer", descreve Dangelser.

A fila central da distribuição serpenteia por várias dezenas de metros de manhã à noite, com os três turnos a atropelaram-se uns aos outros.

As duas carrinhas-cantina que se instalaram do lado de fora do campo, junto às portas, fazem negócio como nunca fizeram, mesmo que nem todas as famílias possam pagar as sanduíches de frango que custam três euros ou os pacotes de bolachas de dois euros — os produtos à venda no pequeno supermercado de Idomeni, que fica a 20 minutos de distância, a pé.

Atraído pelo cheiro dos grelhados, Mounir, um sírio de 33 anos, compra um pacote de batatas fritas, que é mais barato. "Estou cá há uma semana e não sei quanto tempo mais aqui ficarei, ninguém passa a fronteira, pelo que tento gastar o mínimo possível".

Frente à carrinha que debita sanduíches com batatas fritas — o seu best-seller, que custa €2,50 —, um grupo de estrangeiros benevolentes tenta, diariamente, realizar a tarefa heróica de distribuir refeições "frescas e saudáveis", sopas e caris.

Estes voluntários "independentes", rodados no fornecimento de refeições em grande escala em festivais e manifestações, têm uma eficaz acção política (são "anti-fronteiras") e uma logística impressionante: fazem entre quatro mil e seis mil pratos por dia, preparados e servidos no local, descascando toneladas de legumes.

"Eles ajudam imenso", confirmam os Médicos Sem Fronteiras. "A pergunta é: o que faremos se chegarmos aos 20 mil refugiados em Idomeni?".