Juana de Aizpuru: “Teria sido mais ambiciosa na ArcoLisboa”

A fundadora da ArcoMadrid, Juana de Aizpuru, teria sido "mais ambiciosa": 40 galerias não são suficientes para "atrair o grande público", defende. O Porto promete ser o grande ausente da feira que a Cordoaria Nacional vai receber em Maio.

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Um trabalhador da ArcoMadrid à frente do stand da Galeria Pedro Cera, na véspera da inauguração da feira GERARD JULIEN/AFP

Os seus cabelos ruivos são uma marca que quase se equipara à da Arco, a feira de arte contemporânea de Madrid. É a inconfundível Juana de Aizpuru, que há 35 anos criou a ArcoMadrid e este ano integra o comité de selecção das 40 galerias nacionais e estrangeiras que em Maio vão compor a primeira ArcoLisboa.

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Os seus cabelos ruivos são uma marca que quase se equipara à da Arco, a feira de arte contemporânea de Madrid. É a inconfundível Juana de Aizpuru, que há 35 anos criou a ArcoMadrid e este ano integra o comité de selecção das 40 galerias nacionais e estrangeiras que em Maio vão compor a primeira ArcoLisboa.

Galeria e galerista espanhola estão muito concorridas no final desta tarde de quarta-feira em que coleccionadores, curadores e directores de museus fazem a sua visita profissional à Arco no gigante recinto feiral de Madrid e ficamos à espera de uma aberta, como todos os que chegam ao stand, para fazer uma das perguntas que mais se ouvem aos visitantes portugueses aqui: quais são as expectativas para a ArcoLisboa?

“É uma feira demasiado pequena. E, claro, é um pouco complicado que uma feira mais pequena se desenvolva adequadamente para atrair o grande público.” E por que razão a fizeram tão pequena? “Porque têm um local onde não cabem mais do que 40 galerias. Mas no futuro há intenções de ampliá-la.” O local escolhido para esta primeira edição é a Cordoaria Nacional, onde têm decorrido as feiras de antiguidades.

As várias tentativas de organizar uma feira de arte contemporânea em Portugal têm falhado e a última, a Est Art Fair, que se realizou em Julho de 2014 no Estoril em torno do desenho, não chegou ao segundo ano. Sobre a ArcoLisboa, o sentimento mais partilhado entre a dezena de pessoas com quem falámos nos últimos dias, de galeristas a curadores, passando por directores de museus, é de esperança no evento organizado pela Arco e pelo Ifema.

“Uma feira de 40 galerias não pode ser nunca uma feira de peso. Pode ser uma feira simpática – sinto tanto carinho por Lisboa, gosto muito da cidade e tenho aí bons amigos aí –, mas eu teria sido mais ambiciosa para os meus amigos portugueses", diz Juana de Aizpuru, precisando que o tamanho perfeito seria entre 125 e 150 galerias (a feira de Madrid tem mais de 220). De resto, os stands também não podem ser grandes porque há pouco espaço: “Cada um não pode ter mais do que 50 a 60 metros quadrados.” Que galerias estrangeiras vão estar em Lisboa, a galerista espanhola ainda não pode revelar, porque a selecção não está terminada.

No seu stand, já se pode ver uma placa institucional da Fundação Masaveu a dizer “obra adquirida”: é uma peça de Wolfgang Tillmans, o fotógrafo alemão que tem agora uma exposição no Museu de Serralves, no Porto. As mesmas bolas encarnadas que assinalam um negócio também estão visíveis debaixo de dois grandes desenhos do artista português Pedro Cabrita Reis.

Mesmo ao lado, está a Galeria Pedro Cera. É aqui que a secretária de Estado da Cultura, Isabel Botelho Leal, se encontra com os jornalistas portugueses na quarta-feira, depois da visita às 11 galerias nacionais na ArcoMadrid: “É importante ver no terreno exactamente o que as galerias estão a fazer", diz. Já sobre o primeiro ensaio que a Arco vai fazer fora do território espanhol, acrescenta que é "fantástico" que possa acontecer em Lisboa. 

Até agora, o Ministério da Cultura ainda não recebeu qualquer pedido de ajuda da ArcoLisboa, e a secretária de Estado não tem números para dar sobre as verbas eventualmente disponíveis para as instituições portuguesas fazerem compras na feira.

"Momento adequadadíssimo"

O galerista Pedro Cera, que diz que a feira de Madrid está a correr bem, tem a melhor das expectativas para Lisboa. “O mercado português tinha essa necessidade e não há ninguém melhor para o fazer. Este é o momento adequadíssimo”, afirma, explicando que o conceito de “feira boutique” é apenas indicativo e que a direcção de Carlos Urroz, que esteve recentemente em Lisboa a apresentar a ArcoLisboa, tem demonstrado flexibilidade.                                  

Tal como Pedro Cera, a galerista Vera Cortês já sabe que estará na feira em Maio e é mais do que positiva em relação ao evento de Lisboa. “Faz todo o sentido que a feira seja em Lisboa e que seja a Arco a organizar, por uma questão cultural e de proximidade. É uma estrutura com anos, sabe o que está a fazer, tem um nome atrás.”

“Lisboa tem muito potencial”, insiste. E Vera Cortês traz para a conversa aquilo que todos os outros com quem falamos acabarão por trazer também: a cidade está na moda. A galerista, que a partir do próximo ano vai integrar o comité de selecção da ArcoMadrid, substituindo Pedro Cera, lembra que várias feiras importantes têm criado sucursais com sucesso. “É bom para o mercado de coleccionadores e estas coisas puxam umas pelas outras. Claro que é uma aprendizagem para todos, mas acredito piamente na estrutura da Arco e na maneira como Carlos Urroz trabalha com os galeristas desde que tomou posse. É sempre um trabalho de equipa.”

Miguel Leal Rios, um coleccionador português, está a chegar à feira e Vera Cortês puxa-o para o debate. “Acho óptimo. Vai mexer connosco e obrigar a sinergias entre instituições e galerias.” Dá o seu exemplo: a programação da Fundação Leal Rios tem a partir de agora de ser pensada em conjugação com a ArcoLisboa. Este ano, adaptaram-se e a inauguração da exposição prevista para Maio vai coincidir com as datas da feira. Ele próprio já está integrado na programação da ArcoLisboa, numa conversa pública em que vai trocar ideias com um coleccionador belga.

Horas antes, numa visita à exposição de Alexandre Estrela no Museu Rainha Sofia, o subdirector da instituição, o português João Fernandes, afirmava, interrogado pelo PÚBLICO, que as suas expectativas em relação à ArcoLisboa “são exactamente isso, expectativas” – fundadas no facto de a Arco ser uma importante embaixada sul-americana na Europa que traz ao continente muitos coleccionadores. “Portugal não tem uma feira de arte e, por isso, a Arco pode ajudar com a sua experiência. A Arco levará muitos coleccionadores estrangeiros a Portugal e será uma oportunidade para os coleccionadores portugueses encontrarem os seus pares internacionais.”

O coleccionismo português foi afectado pela crise económica e o mercado, reconhece João Fernandes, está um bocado parado. “Em Espanha, o coleccionismo tem uma tradição centrada no Estado, veja-se o Museu do Prado, que tem séculos. Em Portugal, principalmente em relação à arte contemporânea, há todo um contexto que ainda é muito jovem quando comparado com a tradição do coleccionismo mundial. Espero que [a ArcoLisboa] funcione, é num sítio lindíssimo. Aqui também há expectativa.”

Lisboa "bacana"

De volta à feira, a brasileira Maria de Pontes, curadora do programa Solo, que tem um foco na América Latina, diz que a ArcoMadrid é uma feira “muito madura”. E os espanhóis, “por terem tanto know-how e estarem tão perto”, talvez tenham “facilidade” em fazer a ArcoLisboa. “Oiço muito falar como Portugal e Lisboa são um lugar bacana para os artistas emergentes estarem agora. Tenho um amigo que vai abrir uma galeria na Madragoa. É um lugar fácil, uma cidade bonita, boa temperatura.” São razões extra-artísticas, mas são importantes, principalmente para os artistas emergentes: “Em Londres, por exemplo, não se consegue uma mesa – uma mesa! - por menos de 300 libras.”

É no programa Solo que está a galeria portuguesa Kubik, que apresenta o artista brasileiro Felipe Cohen e é dirigida por João Azinheiro. Há seis anos que abriu no Porto e está pela segunda vez na ArcoMadrid. Não se candidatou à feira de Lisboa. João Azinheiro acha, aliás, que ninguém do Porto se candidatou. “Temos feito algumas feiras internacionais com muito esforço e carolice. A ArtRio, algumas em Espanha...” A Kubik é uma galeria nova e têm de ser prudentes. “Já vínhamos à ArcoMadrid e acho que os artistas com que estávamos a trabalhar não estavam preparados para fazer a feira de Lisboa.”

O galerista portuense vai esperar para ver. “A marca Arco é uma das melhores do mundo. Os comités são bons.” Em Portugal, diz, vai-se pouco às galerias e por isso é muito necessária uma feira de arte. Talvez também se possa fazer uma no Porto.

Na Quadrado Azul, com sucursais no Porto e em Lisboa, Manuel Ulisses diz que para primeiro dia a feira está a correr bem. A galeria também não concorreu à ArcoLisboa porque “é cara”. Mas em Maio, para coincidir com a feira, vai inaugurar uma exposição de Hugo Canoilas.

Quem passa pelo stand da galeria é a curadora Filipa Oliveira, responsável pela programação do Fórum Eugénio Almeida, em Évora, que entre os profissionais que ouvimos é dos que têm mais expectativas em relação à ArcoLisboa. “Precisamos de uma feira. O Arco funciona muito bem porque movimenta muita gente, curadores, galeristas, coleccionadores. Têm uma máquina oleada. Se eles não conseguem, ninguém consegue."

A galerista Cristina Guerra, que tal como Joana de Aizpuru faz parte do comité de selecção da ArcoLisboa e é a única portuguesa presente no programa do 35.º aniversário da ArcoMadrid, desdramatiza a anunciada ausência do Porto. “Como eu não consigo distinguir Porto e Lisboa, acho que há umas galerias portuguesas que não vão, mas algumas delas já estão afastadas das feiras internacionais há algum tempo.” Sente que há curiosidade pela ArcoLisboa e conclui que pode ser muito interessante: “A Arco não pode falhar e nós também não.”

“Nós estamos lá, por isso já somos uma galeria do Porto que vai estar presente”, exclama Nuno Centeno, da galeria Múrias Centeno, com espaços no Porto e em Lisboa, Também faz parte do comité de selecção da ArcoLisboa e diz que "o importante é que as pessoas acreditem. "Estamos a tentar inspirar toda a gente a ir. O comité faz mesmo o seu trabalho de casa.”

Para ele, era muito importante que galerias do Porto como a Fernando Santos, a Presença e a Pedro Oliveira, além da Quadrado Azul, estivessem em Lisboa. “Se todos trabalharem, a Arco Lisboa só pode correr bem.”

O histórico José Mário Brandão, que começou no Porto e agora só tem porta aberta em Lisboa (Galeria Graça Brandão), há-de estar na ArcoLisboa. Ironiza e pergunta se queremos a versão politicamente correcta da realidade: “Pode ser uma experiência interessante, mas sinto-me um pouco envergonhado e pergunto porque é que as nossas instituições de feira não conseguem fazer uma ArcoLisboa."

O PÚBLICO viajou a convite da Turespaña/ArcoMadrid