Patrick Stewart foge de si mesmo: "É frustrante ser identificado como Jean-Luc Picard ou Charles Xavier"

Aos 75 anos, voltou à televisão para protagonizar a série Blunt Talk. Conta ao PÚBLICO como a aposta na comédia é uma fuga às personagens que teimam em não o deixar. Isso também é uma forma de racismo e preconceito, diz, olhando para a controvérsia dos Óscares.

Fotogaleria

Já foi o Capitão Jean-Luc Picard da saga Star Trek, ou um dos mais poderosos mutantes do universo da Marvel, Charles Xavier, também conhecido por Professor X. São personagens que não consegue largar – seja por ainda voltar a elas ou por não nos esquecermos delas. Hoje, podemos vê-lo em Blunt Talk, série de comédia com episódios de 30 minutos, assinada por Jonathan Ames e com Seth MacFarlane na produção. Estreou-se nos EUA no Verão passado e pode ser vista no canal TV Séries às quintas-feiras.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Já foi o Capitão Jean-Luc Picard da saga Star Trek, ou um dos mais poderosos mutantes do universo da Marvel, Charles Xavier, também conhecido por Professor X. São personagens que não consegue largar – seja por ainda voltar a elas ou por não nos esquecermos delas. Hoje, podemos vê-lo em Blunt Talk, série de comédia com episódios de 30 minutos, assinada por Jonathan Ames e com Seth MacFarlane na produção. Estreou-se nos EUA no Verão passado e pode ser vista no canal TV Séries às quintas-feiras.

Patrick Stewart, britânico, 75 anos, é Walter Blunt, um jornalista armado em vedeta de um grande canal de televisão, que vive uma série de episódios que ameaçam acabar com a sua carreira. É o regresso do actor à televisão, sem estar escondido na animação. É uma aposta na comédia para cortar com o passado, conta em entrevista telefónica ao PÚBLICO desde Los Angeles. A segunda temporada de Blunt Talk já está em andamento, à qual se seguirá o terceiro filme de Wolverine – título não mencionado na conversa dado o secretismo em torno da produção. O seu ano terminará onde tudo começou e onde é feliz, nos palcos de Londres, ao lado do amigo da sua vida, o actor Ian McKellen.

Blunt Talk e a personagem de Walter Blunt são diferentes de tudo o que fez até hoje?
Sim, com toda a certeza. Tenho-me aventurado cada vez mais na comédia. E isto surpreende-me tanto como surpreende todos aqueles que seguem a minha carreira. Nunca pensei, nem nunca me vi, como um actor engraçado, apesar de pensar sempre em mim como um tipo com humor. E tudo começou há 12 anos. Duas coisas aconteceram: Seth MacFarlane convidou-me para o elenco de American Dad, a sua série de animação; e Ricky Gervais pediu-me para entrar num episódio da sua série Extras, onde fiz de mim próprio com um resultado um tanto ou quanto cómico.

Depois disso, cada vez mais me encontrei numa posição em que me convidavam para fazer comédia, desde stand-up comedy a sketches, no Daily Show, com o Jon Stewart, ou no The Late Show, do Stephen Colbert. As pessoas pareceram gostar do que fiz, para minha surpresa. Eu gostei e descobri que até me dá mais satisfação ouvir as pessoas a rir daquilo que estou a fazer do que ouvi-las a gritar, por exemplo. E, por acaso, vou ter um filme de gritos que se vai estrear em Abril [passou em Lisboa no  Festival MOTELx] e que se chama Green Room [realizado por Jeremy Saulnier]. É tão assustador que a minha mulher quando o viu teve de sair da sala por duas vezes. Nunca me entreguei totalmente ao riso, mas o papel que interpreto em Blunt Talk é diferente de tudo o que já fiz.

Há alguma semelhança entre si e Walter Blunt?
Sempre gostei de humor e comédia, simplesmente nunca fiz muito como actor. Quando era um miúdo, os meus preferidos eram Stan Laurel e Oliver Hardy [a dupla Bucha e Estica]. Adoro o trabalho de Danny Kaye, adoro Os Três Estarolas. Sempre apreciei piadas e humor, mas nunca tive a oportunidade de o fazer. Mas há outra semelhança entre mim e Walter Blunt. Durante mais de um ano, eu e o produtor executivo e argumentista principal, Jonathan Ames, encontrávamo-nos num café em Brooklyn, Nova Iorque, onde vivemos. Não falávamos muito da série, mas falávamos de nós, contávamos histórias das nossas vidas (como crescemos, o que fizemos quando éramos adolescentes, quais eram as nossas ambições). Foi de tudo isto que começou a crescer a personagem de Walter Blunt. Por isso, apesar de toda a escrita ser do Jonathan Ames, que é brilhante, inicialmente dei vários inputs para o tipo de pessoa que Walter Blunt seria.

Do que é que gosta mais na série?
Eu gosto muito dos meus colegas de elenco. É um grupo brilhante de actores. Todos eles são comediantes, com o seu próprio mérito, como é o caso de Mary Holland ou de Timm Sharp – fazem stand-up comedy, tal como Dolly Wells. E, claro, temos o Richard Lewis, um dos homens mais divertidos na terra. Trabalhar com este elenco tem sido qualquer coisa. Ir para o trabalho é ir para uma festa todos os dias, onde todos beberam um bocadinho a mais e se estão a divertir.

Walter Blunt diz que sem o trabalho morreria. Com uma carreira de mais de 40 anos, diria que se passa o mesmo consigo? Imagina-se sem trabalho?
Tenho 75 anos agora e claro que a determinado momento a minha saúde ou a minha capacidade vão ditar o que faço. Mas neste momento não consigo imaginar não trabalhar a tempo inteiro. Por exemplo: este ano, nos primeiros quatro meses estarei a filmar a segunda temporada de Blunt Talk, em Maio e Junho vou estar a rodar um grande filme nos Estados Unidos [o terceiro Wolverine que chegará  em 2017] e depois até ao Natal vou fazer teatro em Londres. Tenho a televisão, o cinema e o teatro. Estou mais ocupado agora do que alguma vez em toda a minha vida. Considero-me uma pessoa com sorte, adoro o meu trabalho. O que faço ajuda-me a perceber quem sou, a definir-me, e por isso é essencial para mim. No ano passado, não tinha um projecto desde que terminei um filme em Novembro e fiquei muito impaciente. É como fico se não estou em rodagem, ou numa sala de ensaios, ou em frente de uma câmara.

Quando vejo Blunt Talk esqueço-me de que já foi o Capitão Jean-Luc Picard ou o Professor X (Charles Xavier). Está a fazer um corte com um passado?
Isso é a melhor coisa que alguém já me disse sobre Blunt Talk. Não consegue imaginar o sorriso que tenho agora na minha cara. Eis como me sinto em relação a isso. Interpretei Jean-Luc Picard no Star Trek durante sete anos na televisão e por quase 12 anos em filmes, e para muitas pessoas esse é o papel e o trabalho que definem quem sou. Quando ando na rua, as pessoas não me dizem que me viram em Macbeth, na Broadway. É logo: "Ei Capitão, como é que isso vai?" Ou: "Professor, onde é que está a sua cadeira de rodas?" Não sou nenhum destes dois homens. Eles são bem mais inteligentes, mais apaixonados pelo mundo, mais corajosos e brilhantes no que fazem do que aquilo que sou. Aquilo foram performances. No entanto, sou conhecido mundialmente por Jean-Luc Picard e Charles Xavier. Por isso, muito do que tenho feito nos últimos anos, com o Stephen Colbert ou o Jon Stewart, o Seth Macfarlane e o Ricky Gervais, é tentar minar essa impressão que as pessoas têm de mim.

Sempre fez mais cinema do que televisão. Regressa à televisão quando a aposta neste meio tem vido a crescer e muitos consideram que vivemos a segunda era dourada da televisão. Concorda?
Concordo em absoluto. Temos séries maravilhosas de drama, comédia, filmes para televisão, séries especiais... Há tanta coisa a ser feita agora. Falo de trabalho de grande qualidade. A prova disso é que muitas estrelas de cinema estão agora a ter papéis na televisão, o que não acontecia quando vim para Hollywood, nos anos 1980. Actores de televisão ou de teatro faziam televisão, actores de cinema só faziam cinema. O trabalho que se vê actualmente na televisão é extraordinário. Os melhores argumentistas estão a escrever para televisão, os melhores realizadores estão a realizar para televisão, o número de canais por cabo tem crescido. É arrebatador ver a qualidade na televisão.

Olhando para os Óscares e para toda a polémica, diria que a televisão tem mais diversidade do que o cinema?
A televisão sempre teve mais diversidade. Embora possa ter sido uma diversidade que muitas pessoas não gostariam. Por exemplo, o tipo de trabalho que foi escrito e que foi tornado acessível para os actores afro-americanos foi um trabalho que na altura era o significado de cliché. Esse já não é o caso agora, mas o problema com a diversidade nas nomeações da Academia não é culpa da Academia. Não é que exista racismo na Academia, embora seja inevitável que o racismo exista no país em que estamos. É verdade que há preconceito nos estúdios, nos escritórios de produção. Não há filmes suficientes a serem feitos por realizadores negros, tal como não há filmes suficientes a serem escritos por argumentistas negros, que até poderiam ter actores negros como protagonistas, abrindo-se assim oportunidades para as nomeações para todos os prémios e não só os da Academia. 

Mas o preconceito e o racismo estão presentes em todo o mundo ocidental. Não é porque a União ganhou a Guerra Civil americana que o preconceito e o racismo chegaram ao fim. Nos EUA, temos provas disso todas as semanas, nos negros que são atingidos a tiro pela polícia. Lembremos a história horrenda de Flint, no estado de Michigan, uma cidade quase inteiramente ocupada por afro-americanos, onde a água foi poluída com chumbo durante muito tempo. A cidade sabia disso, mas não fez nada.

The partial view '~/Views/Layouts/Amp2020/NOTICIA_IMAGEM.cshtml' was not found. The following locations were searched: ~/Views/Layouts/Amp2020/NOTICIA_IMAGEM.cshtml
NOTICIA_IMAGEM

Alguma vez se sentiu discriminado? Seja por ser britânico ou mais velho...
Não. Pelo contrário, acho que nós, actores ingleses, na Broadway e em Hollywood, nos desenvencilhamos melhor porque os actores ingleses são olhados com muito respeito. Nos EUA, nunca tive nada que não fosse uma calorosa recepção. O único problema que tive tem que ver com o ser identificado como Jean-Luc Picard ou Charles Xavier. Isso tem sido frustrante. Uma vez, lutei para ter um papel secundário num filme americano importante e, quando finalmente consegui falar com o realizador, ele disse-me no final: "Tu és um actor magnífico, mas porque quereria o Jean-Luc Picard no meu filme?" Bem, este preconceito existe a toda a hora e é injusto.

Foi nomeado para os Globos de Ouro na categoria de Melhor Actor de Comédia. Na altura, no final do ano passado, disse estar surpreendido. Porquê?
É a nossa primeira temporada. É muito pouco usual, na comédia, alguém ser nomeado numa série na sua primeira temporada, porque a competição é muito forte. Actualmente, há tantas séries fantásticas e actores brilhantemente engraçados que fiquei surpreso. Mas tenho de dizer que foi uma agradável surpresa.

Como disse, já está a trabalhar na segunda temporada de Blunt Talk. O que é que pode dizer?
Estamos agora a tratar disso. Este foi o último dia da primeira semana a trabalhar na segunda temporada. Posso dizer que todos os actores regulares da série estão de volta, a equipa de argumentistas está de volta e os realizadores também. Mas no que à história diz respeito, não queremos dizer nada, queremos que seja uma surpresa. Mas penso que posso garantir que vai ser mais parva, selvagem e excessivamente divertida do que a primeira.

Em Julho viaja para Londres, onde estará até ao final do ano no London Theatre Direct com o actor Ian McKellen. O teatro é algo que precisa fazer de vez em quando?
O teatro é o meu background e durante muitos anos foi tudo o que sempre quis fazer. Não tinha ambições de trabalho no cinema, nem expectativas de alguém com quem quisesse trabalhar no cinema. O palco era a minha vida. E acho que continua a ser. Em muitos aspectos é o trabalho mais importante e mais prazeroso que faço, porque adoro estar em frente de uma plateia. O cinema e a televisão são fascinantes, encantadores e muito entusiasmantes, mas não têm uma plateia ao vivo e os actores não estão a controlar. Uma das razões de eu amar tanto o teatro tem que ver com isso, com o facto de os actores serem inteiramente responsáveis por aquilo que o público vê.

Que peça vai ser essa?
É uma peça de Harold Pinter, No Man's Land. É sobre dois homens que se encontram num pub em Londres e o que acontece quando um deles convida o outro para sua casa. Não posso dizer mais do que isso, mas é uma peça misteriosa e bonita. Estamos ansiosos por começar.