Em Bruxelas tudo é possível

1. Até ao Verão do ano passado, Atenas esteve sob os holofotes da Europa, com a mais improvável das negociações em torno da sua presença no euro e subsequente necessidade de um novo bailout – o terceiro desde 2010. Um governo de esquerda radical com uma forte tradição anticapitalista e antieuropeia, confrontado com a necessidade de receber ajuda para se manter no euro, assinou um terceiro programa de ajustamento digno da aprovação alemã. Alexis Tsipras revelou-se um político hábil e reflectido. A troika voltou agora a Atenas para verificar o andamento da aplicação do programa. Do resultado desta visita depende a primeira tranche do novo empréstimo. Há um ponto decisivo na negociação que Tsipras não tem condições para ceder: mais cortes nas pensões de reforma. O argumento é simples. São hoje as pensões dos mais velhos que sustentam uma grande parte das famílias que se viram empurradas para o desemprego (25%) ou para condições de extrema precaridade. A recessão económica mantém-se, a vida dos gregos continua a ser muito dura. A dívida já vai quase em 200% do PIB e não há sinais de disponibilidade de Bruxelas para começar a aliviá-la. Pelo contrário, o presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, disse recentemente que essa questão só será para considerar “daqui a 10 ou 15 anos”. Não foi este o acordo implícito no novo programa de ajustamento. Apesar de tudo, o risco de sair da zona euro desapareceu do radar, pelo menos por agora.

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1. Até ao Verão do ano passado, Atenas esteve sob os holofotes da Europa, com a mais improvável das negociações em torno da sua presença no euro e subsequente necessidade de um novo bailout – o terceiro desde 2010. Um governo de esquerda radical com uma forte tradição anticapitalista e antieuropeia, confrontado com a necessidade de receber ajuda para se manter no euro, assinou um terceiro programa de ajustamento digno da aprovação alemã. Alexis Tsipras revelou-se um político hábil e reflectido. A troika voltou agora a Atenas para verificar o andamento da aplicação do programa. Do resultado desta visita depende a primeira tranche do novo empréstimo. Há um ponto decisivo na negociação que Tsipras não tem condições para ceder: mais cortes nas pensões de reforma. O argumento é simples. São hoje as pensões dos mais velhos que sustentam uma grande parte das famílias que se viram empurradas para o desemprego (25%) ou para condições de extrema precaridade. A recessão económica mantém-se, a vida dos gregos continua a ser muito dura. A dívida já vai quase em 200% do PIB e não há sinais de disponibilidade de Bruxelas para começar a aliviá-la. Pelo contrário, o presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, disse recentemente que essa questão só será para considerar “daqui a 10 ou 15 anos”. Não foi este o acordo implícito no novo programa de ajustamento. Apesar de tudo, o risco de sair da zona euro desapareceu do radar, pelo menos por agora.

2. A Grécia voltou à berlinda, desta vez devido à crise dos refugiados, que ocupa hoje o primeiro lugar na agenda política de muitos governos europeus. O país é hoje a principal porta de entrada de quem vem da Turquia para chegar às suas ilhas (só este ano já foram 60 mil, fora os que morreram no mar, para 900 mil em 2015), cujo objectivo é tentar a sorte nos países ricos do centro da Europa. Os governos europeus prosseguem na senda do passa-culpas para o vizinho do lado. A Grécia estava a jeito para se transformar num bode expiatório ideal. Em Janeiro, os ministros do Interior da União Europeia acusaram Atenas de não estar a cumprir os seus deveres, de forma a reter os refugiados no seu território em campos de recepção que devem fazer a primeira triagem entre os que têm condições para pedir asilo, sobretudo da Síria e do Iraque, e os outros. Atenas comprometeu-se a criar cinco desses campos, o que ainda não fez, porventura por falta de meios. Já gastou 2 mil milhões de euros no ano passado e a ajuda material que pediu ainda não chegou. Tem uma crise social de grandes dimensões em casa, mas, pelos vistos, nada que preocupe demasiado Bruxelas. A única ideia brilhante que saiu do último Conselho de Ministros do Interior foi ameaçar a Grécia de suspensão de Schengen durante dois anos, alterando na prática as fronteiras da União, ao colocá-las mais acima, na Macedónia e na Bulgária, mais fáceis de controlar. “Redesenhar as fronteiras de Schengen para excluir a Grécia será um sério revés nas relações nas suas relações com a Europa”, escreve o site europeu do Politico.

3. Um relatório encomendado pela Comissão sobre o que se passa em duas das suas ilhas, Chios e Samos, concluiu que a Grécia “negligência gravemente as suas obrigações e existem falhas graves no controlo das fronteiras exteriores”. As ilhas do Mar Egeu são muito difíceis de controlar como é óbvio para qualquer um. A Turquia, apesar das ofertas de Merkel, ainda não está a cumprir o que acordou no final do ano passado, mantendo os refugiados sírios no seu território a troco de 3 mil milhões de euros e mais alguns benefícios. “Admitamos por um instante que Schengen é temporariamente suspenso e que a Europa decide que as suas fronteiras já não passam pela Grécia”, escreve Alexis Papachelas no Ekathimerini. Para concluir que “a vaga de refugiados não acabaria por isso, mas a Grécia poderia servir de bode expiatório fácil”.

Entretanto, aquilo que devia verdadeiramente preocupar a Comissão é a incapacidade total para pôr em prática o que foi acordado em Setembro e que previa a distribuição de 160 mil refugiados que já estão em Itália e na Grécia pelos outros países europeus. Até agora, foram recolocados 400 (é isso mesmo, 400, nem sequer 4 mil). Os refugiados tornaram-se num tema político escaldante em muitos países europeus. Os gregos estão cansados de austeridade, que é aquilo que Tsipras lhes pode oferecer. As concessões que poderia tentar obter de Bruxelas para poder acudir aos refugiados nem sequer estão a ser consideradas. Os gregos voltam a sentir-se mal tratados pela União Europeia. A Nova Democracia já pôs fim à era Samaras, elegendo um líder mais novo, que começa a ser visto como uma alternativa. A instabilidade política pode regressar mais depressa do que se pensa. Muitos analistas admitem que a cedência de Tsipras à troika em matéria de pensões levaria provavelmente à queda do Governo, que dispõe de uma maioria escassa de três lugares no Parlamento. Mas, aparentemente, em Bruxelas as concessões nunca são suficientes, sejam quais foram as consequências políticas.