Diseur com banda rock

O rock é agora capaz de soar inequivocamente francês.

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É a fibra de Arthur Teboul enquanto diseur que eleva os Feu! Chatterton acima da vulgaridade. DR

Apesar de a música pop se ter construído em torno de um figurino anglófono, erguendo muros que deixaram fora da disseminação universal todos quantos não adoptassem essa língua franca como condição inegociável para poderem almejar viajar para fora das suas fronteiras, a pop francesa nunca sofreu horrivelmente com essa hegemonia. Nunca sofreu, diga-se, em termos criativos. Aceitou as regras do jogo e, pensando nas últimas duas décadas, assinou o contrato em que aceitava o inglês como ferramenta de trabalho nomeadamente nos electrónicos Daft Punk ou Air. Mas dentro de portas, por via de uma chanson revista e aumentada, Camille, Benjamin Biolay, Vincent Delerm, -M-, Coeur de Pirate e um longo etc., a pop nunca definhou nem deu mostras de azedar.

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Apesar de a música pop se ter construído em torno de um figurino anglófono, erguendo muros que deixaram fora da disseminação universal todos quantos não adoptassem essa língua franca como condição inegociável para poderem almejar viajar para fora das suas fronteiras, a pop francesa nunca sofreu horrivelmente com essa hegemonia. Nunca sofreu, diga-se, em termos criativos. Aceitou as regras do jogo e, pensando nas últimas duas décadas, assinou o contrato em que aceitava o inglês como ferramenta de trabalho nomeadamente nos electrónicos Daft Punk ou Air. Mas dentro de portas, por via de uma chanson revista e aumentada, Camille, Benjamin Biolay, Vincent Delerm, -M-, Coeur de Pirate e um longo etc., a pop nunca definhou nem deu mostras de azedar.

O rock foi sempre outra história. Embora grupos como Noir Désir, Mano Negra ou Têtes Raides tenham constituído durante os anos 80 e 90 excepções a uma sonoridade áspera, monocromática e demasiado ensimesmada, incapaz de romper com uma formatação quadrada e em que a ambição pelos estádios ou pelas salas mais esconsas parecia partilhar a mesma faltar de horizontes, só nos últimos três/quatro anos as guitarras francesas foram capazes do mesmo golpe de travestismo com que a pop sempre se exibiu de forma descomplicada. A um ritmo anual, Fauve, La Femme e, agora, os Feu! Chatterton mostram que o rock acelerou o passo e é agora capaz de soar inequivocamente francês, convocar a história da canção dentro de portas, sem se barricar numa qualquer ideia circular que parecia mantê-lo atrelado aos anos 80, num eterno dia seguinte ao da morte de Ian Curtis.

Depois de um primeiro EP homónimo que rebentou com estrondo em 2014, os Feu! Chatterton vincam no seu álbum de estreia a certeza de que terem o ar das suas canções impregnado de Serge Gainsbourg e Alain Bashung não é incompatível com uma filiação em sonoridades pós-punk associáveis aos Bad Seeds de Nick Cave (quando as canções enveredam por uma tensão de trepar paredes), em melancolias do avesso conforme patenteadas pelos Radiohead (quando as canções descomprimem, ainda que sem descartar a carga obsessiva) ou no jogo de cintura estilístico colhido aos pés de David Bowie.

Essencial no estabelecimento desta linguagem inflamável é a voz de Arthur Teboul enquanto poeta ansioso, magnífico cuspidor de frases nervosas (Fou à Lier e sobretudo La Mort dans la Pinède são perfeitos exemplos dessa relação exaltada com a palavra). Se a música dos Feu! Chatterton voga sempre por águas de um envolvente rock-swing que nos cerca (oiça-se Boeing), é a fibra de Teboul enquanto diseur (a quem foi oferecida toda uma banda para ilustrar os seus desvarios de dandy fora de época) que eleva, e muito, os Feu! Chatterton acima da vulgaridade.