Há algum tempo que não víamos António-Pedro Vasconcelos assim

Amor Impossível tem uma intensidade dramatúrgica que não víamos há um certo tempo no cinema de APV.

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Amor Impossível: “bate” mais, e mais energicamente, do que os últimos filmes de APV

Tudo indica que, por opção própria, António Pedro Vasconcelos nunca voltará a assinar nada de comparável a Perdido por Cem ou Oxalá, filmes dos anos 70 e princípios de 80 hoje praticamente só conhecidos por quem frequenta a Cinemateca, filmes livres e imaginativos que têm muito pouco a ver com o que o realizador fez depois.

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Tudo indica que, por opção própria, António Pedro Vasconcelos nunca voltará a assinar nada de comparável a Perdido por Cem ou Oxalá, filmes dos anos 70 e princípios de 80 hoje praticamente só conhecidos por quem frequenta a Cinemateca, filmes livres e imaginativos que têm muito pouco a ver com o que o realizador fez depois.

António-Pedro escolheu ser outro cineasta, e sobretudo escolheu definir-se, enquanto cineasta, a partir de uma relação com o “público”. Opção legítima, com certeza, mas ainda gostávamos de ver, nem que fosse só mais uma vez, um filme de António-Pedro Vasconcelos sem essa amarra, sem essa submissão a uma ideia pré-concebida do que é um filme que o “público” quer ver.

Amor Impossível não é ainda esse filme, e até sofre bastante com esse aplanamento standard (visível no emprego da música, por exemplo, que para além de não ser grande coisa de per se é utilizada exageradamente, sufocando alguns planos que pediam só o silêncio - notoriamente, aquele com que acaba a sequência da miúda com o velho dono do restaurante de praia). Mas bate mais, e mais energicamente, do que os últimos filmes de António-Pedro, e sobretudo é capaz de uma intensidade dramatúrgica que não lhe víamos há um certo tempo.

Tudo se baseia, num argumento não desprovido de ambição “estrutural”, na relação entre dois pares de personagens. Dois polícias (Ricardo Pereira e Soraia Chaves) que investigam, em Viseu, o desaparecimento de uma miúda (Victória Guerra), supostamente raptada quando estava, num ermo, com o namorado (José Mata). A investigação, que corresponde também a um momento de crise na relação entre o par de polícias, lança os flashbacks que acompanham os últimos dias dos miúdos, com o diário da rapariga a servir de link (o que igualmente permite, mais do que só o flashback, algum jogo com a voz off). Esta estrutura “especular” não consegue ultrapassar um desequilíbrio fundamental: a história dos polícias nunca parece tão interessante, nem tão necessária, quanto isso, e funciona melhor quando se limita a ser um “observatório” para contar a história dos miúdos. E aí, o par formado por Victória Guerra e José Mata toma conta do filme, na fronteira entre um retrato típico da desadaptação juvenil (ele, filho de pai comerciante, quer ser músico; ela, oriunda de família pobre e traumatizada, tem uma fixação na literatura e especialmente no Monte dos Vendavais) e uma garra que mais do que o sustentar, o supera. Acreditamos neles, e algumas vezes até nos comovemos; e de facto, há “um certo tempo” que não víamos em António-Pedro Vasconcelos esta disponibilidade para ir um pouco além de uma ideia de factura “proto-industrial”, e deixar o filme guiar-se pela energia, quase “selvagem”, dos seus actores.

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