Espermatozóides transmitem informação aos filhos sobre estilo de vida do pai

Se pensa que só a as futuras mães devem evitar comer e beber de mais, poderá estar enganado(a). É possível que o estilo de vida do pai também passe para os filhos via uma espécie de “memória genética”.

Foto
Stan Laurel e Oliver Hardy: a obesidade de um pai poderá ser transmitida à sua descendência via alterações da expressão dos genes DR

A confirmarem-se as conclusões de um pequeno estudo, também os homens que tencionam ter filhos – e não apenas as mulheres – deveriam cuidar da sua saúde. Romain Barrès, da Universidade de Copenhaga (Dinamarca), e colegas publicam esta quinta-feira na revista Cell Metabolism resultados preliminares que sugerem que o peso de um homem afecta a informação hereditária contida nos seus espermatozóides – e que poderá portanto ser transmitido à sua descendência.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

A confirmarem-se as conclusões de um pequeno estudo, também os homens que tencionam ter filhos – e não apenas as mulheres – deveriam cuidar da sua saúde. Romain Barrès, da Universidade de Copenhaga (Dinamarca), e colegas publicam esta quinta-feira na revista Cell Metabolism resultados preliminares que sugerem que o peso de um homem afecta a informação hereditária contida nos seus espermatozóides – e que poderá portanto ser transmitido à sua descendência.

Esta transmissão não é genética – é “epigenética” –, na medida em que acontece através de uma espécie de “memória hereditária” que não tem nada a ver com mutações nos próprios genes, mas antes com alterações da actividade desses genes, produzidas por condições ambientais. Os processos epigenéticos, que não eram conhecidos quando o papel do ADN na hereditariedade foi descoberto, há mais de meio século, tornaram-se hoje incontornáveis para perceber a transmissão de caracteres hereditários de uma geração para as seguintes.

De facto, sabe-se hoje que o comportamento dos genes pode ser alterado pela história individual de cada um, mesmo quando o património genético de base é idêntico. Esses efeitos epigenéticos, ou seja, as “marcas epigenéticas” assim deixadas no ADN pelo mundo exterior, podem-se ser de vários tipos: alterações químicas nas proteínas que “embrulham” o ADN, adição de certos grupos químicos (metil) que, uma vez ligados ao ADN, mudam a estrutura dessa grande molécula, ou ainda adjunção de outras moléculas, chamadas pequenos ARN (o ARN é uma molécula semelhante ao ADN).

As marcas epigenéticas são a seguir capazes de controlar a forma como os genes se expressam – e em animais como insectos e roedores, existe já uma massa de resultados experimentais que indicam que estas alterações podem depois afectar a saúde da descendência, explica em comunicado a revista científica. Mas no ser humano, pouco ou nada se sabe – para além do facto que os filhos de pais obesos são mais propensos à obesidade.

O que desencadeou o interesse de Barrès na transmissão entre gerações de informação epigenética relativa ao estilo de vida foi um estudo, publicado em 2005, que mostrava que a falta de comida que afectara os habitantes de uma pequena aldeia sueca durante um período de fome estava correlacionada com o risco de os netos daquelas pessoas desenvolverem diabetes ou doenças cardiovasculares. A conclusão daquele estudo era que o stress nutricional sofrido pelos avós fora transmitido às gerações futuras precisamente através das tais “marcas epigenéticas”.

No estudo agora publicado, a equipa de Barrès comparou o perfil epigenético – ou seja, o catálogo deste tipo de alterações – no ADN dos espermatozóides de 13 homens magros e de dez homens obesos (o facto de terem feito o estudo no homem e não na mulher deve-se à muito maior facilidade de recolher esperma do que ovócitos, salienta o comunicado).

Os cientistas descobriram então que existiam diferenças notáveis entre magros e obesos, em particular ao nível de regiões do genoma associadas ao controlo do apetite.

A seguir, os cientistas estudaram seis homens que tinham sido submetidos a uma cirurgia para perder peso, determinando o perfil epigenético dos seus espermatozóides imediatamente antes da operação, imediatamente depois e um ano mais tarde. E encontraram em média 5000 alterações estruturais – adição de grupos metil e de pequenos ARN – no ADN dessas células reprodutoras.

Os autores ainda não sabem ao certo o que essas alterações significam nem o efeito que poderão ter nos filhos, mas acreditam que mostram que os espermatozóides transportam de facto informação acerca da saúde dos homens. “Os nossos resultados”, escrevem, sugerem que o epigenoma dos espermatozóides humanos se altera dinamicamente sob as pressões ambientais e dão pistas para a forma como a obesidade poderá propagar as disfunções metabólicas para a geração seguinte.”

Para confirmar essa ligação, explica ainda o comunicado, a equipa está agora a colaborar com uma clínica de fertilidade no estudo das diferenças epigenéticas em embriões humanos descartados (na Dinamarca, a lei estabelece que estes embriões congelados derivados de fertilização in vitro podem ser utilizados para fins de investigação ao fim de cinco anos de conservação). Também tencionam recolher sangue do cordão umbilical dos filhos desses mesmos homens para realizar comparações adicionais.

“O nosso trabalho poderá levar a mudanças de comportamento de cada futuro pai, em particular antes de conceber um filho”, diz Barrès. “É bem sabido que quando uma mulher está grávida, deve cuidar da sua saúde – não beber álcool, evitar os poluentes e por aí fora. Mas se as implicações do nosso estudo se confirmarem, isso significa que as mesmas recomendações também valerão para os homens.”