Despesas com bens e serviços derrapam até Outubro

Estado está a gastar mais que o previsto com a aquisição de bens e serviços e pessoal e menos com investimento e juros. Cumprir a meta do défice pede “resultado exigente” no fim do ano.

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Receitas fiscais das administrações públicas estão abaixo do previsto pela anterior equipa do Ministério das Finanças, liderada por Maria Luís Albuquerque Daniel Rocha

Apesar de no Orçamento do Estado se prever uma descida das despesas do Estado com bens e serviços, nos primeiros dez meses do ano elas continuam a crescer, sendo um dos principais motivos para que cumprir a meta do défice continue a ser uma tarefa “exigente”.

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Apesar de no Orçamento do Estado se prever uma descida das despesas do Estado com bens e serviços, nos primeiros dez meses do ano elas continuam a crescer, sendo um dos principais motivos para que cumprir a meta do défice continue a ser uma tarefa “exigente”.

A análise é feita pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) na sua análise à execução orçamental do mês de Outubro entregue esta quinta-feira aos deputados da Assembleia da República. Os dados revelam ainda que em Novembro, o anterior Governo usou mais de metade da dotação provisional prevista para todo o ano.

Os técnicos da UTAO destacam na sua análise dois indicadores que contribuem negativamente para o cumprimento dos objectivos para a despesa pública no decorrer de 2015 (a despesa com bens e serviços e a despesa com pessoal), e dois indicadores que compensam essas derrapagens com um resultado mais positivo que o previsto (despesa com juros e investimento). “Verificou-se um aumento das despesas com a aquisição de bens e serviços, contrastando com a redução prevista para o total do ano, e uma redução das despesas com pessoal aquém da prevista para o conjunto do ano, compensadas parcialmente pela menor execução das despesas com investimento e juros”, afirma o relatório.

No que diz respeito à aquisição de bens e serviços, os números assinalados pela UTAO revelam uma derrapagem clara face ao que está previsto no OE. Até ao final de Outubro foi gasto 82,5% da dotação prevista para o total do ano. No mesmo período de 2014, tinha sido usado 78,1% da dotação. Da mesma forma, enquanto no OE está prevista uma redução de 2,2% das despesas com aquisição de bens e serviços em 2015, a verdade é que nos primeiros dez meses do ano, estas cresceram 3,3%, face ao período homólogo do ano anterior.

Isto significa que, para cumprir a meta orçamental nesta rubrica, é preciso que nos últimos dois meses do ano se gastem 2200 milhões de euros em bens e serviços, um valor inferior em 629 milhões de euros ao que aconteceu no mesmo período do ano passado.

A UTAO assinala ainda que o anterior Governo procedeu já a alterações orçamentais que são da sua competência (aquelas que não têm de passar pela Assembleia da República) que conduziram ao aumento da dotação para a aquisição de bens e serviços em 571 milhões de euros face ao orçamento inicialmente aprovado.

O cenário ao nível das despesas com pessoal também é motivo para preocupação. Neste caso, regista-se até Outubro uma redução da despesa de 1,2% face ao ano passado, mas o que está previsto no OE para a totalidade de 2015 é uma queda deste indicador mais acentuada, de 3,7%.

Outro sinal de pressão sobre a despesa vem do nível de utilização da dotação provisional. Esta rubrica, usada em todos os orçamentos, serve para que os governos possam fazer face a despesas não previstas durante a construção do orçamento. Em 2015 foram inscritos 533,5 milhões de euros.

O problema é que, de acordo com os dados obtidos pela UTAO, até ao final do mês de Novembro, já foram usados 472,3 milhões de euros da dotação provisional, sendo que, destes, mais de metade (278,3 milhões) foram gastos em Novembro. Para Dezembro, ficam assim a sobrar 61,2 milhões de euros.

A pressão que se coloca é que, sem tempo para a aprovação de um orçamento rectificativo, a margem para realizar despesas não previstas fica muito curta. 

Ao nível das receitas fiscais das administrações públicas, o desempenho está aquém das previsões e, para que o objectivo anual seja atingido, é preciso que o encaixe nos últimos dois meses do ano superem em 450 milhões de euros o valor arrecadado no período homólogo. A receita conseguida com os impostos cresceu 4,1% nos dez primeiros meses, quando a meta anual é de 4,3%. Como o ritmo de crescimento está “aquém do necessário”, a meta anual só será atingida se esta receita aumentar “5,6% nos últimos dois meses, o equivalente a mais cerca de 450 milhões de euros que o total de receita obtida no mesmo período de 2014”.

Com estes desenvolvimentos orçamentais, a UTAO continua a avisar que atingir a meta de défice de 2,7% traçada pelo anterior Governo para 2015 continua a ser uma tarefa “exigente”. Na óptica da contabilidade nacional e para os nove primeiros meses do ano, os técnicos da Assembleia da República estimam que o défice se possa ter situado entre 3,4% e 4% do PIB. Este valor representa uma melhoria face aos 4,7% da primeira metade do ano, mas deixa ainda muito por fazer nos últimos três meses de 2015.

Considerando o valor central da estimativa para os primeiros três trimestres do ano (3,7%), seria preciso, segundo os cálculos da UTAO, que se registasse um défice de apenas 0,3% do PIB durante o quarto trimestre (e mesmo um excedente de 0,1% quando se retiram da análise as medidas extraordinárias) para que o défice no final do ano chegasse aos 2,7% previstos pelo anterior Governo.

Já garantir um défice abaixo de 3%, que retire Portugal do procedimento por défices excessivos, obriga a um resultado “relativamente menos exigente” nos últimos três meses do ano. com Pedro Crisóstomo