Os centro-africanos pediram perdão, o Papa pediu-lhes a paz

Francisco lançou um forte apelo à reconciliação num país onde a violência entre cristãos e muçulmanos deixou uma imensa ferida aberta.

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O Papa Francisco pediu este domingo aos centro-africanos para resistirem ao “medo do outro”, seja qual for a sua religião ou etnia, para que seja colocado um ponto final na selvática violência intercomunitária que varre o país desde 2013. Estes, pela voz da sua Presidente interina, Catherine Samba-Panza, pediram-lhe “perdão”.

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O Papa Francisco pediu este domingo aos centro-africanos para resistirem ao “medo do outro”, seja qual for a sua religião ou etnia, para que seja colocado um ponto final na selvática violência intercomunitária que varre o país desde 2013. Estes, pela voz da sua Presidente interina, Catherine Samba-Panza, pediram-lhe “perdão”.

Francisco percorreu os quatro quilómetros que separam o aeroporto de Bangui e o palácio presidencial a bordo de um jeep branco descapotável para ser saudado por uma multidão em alegria, vigiada de perto pelos capacetes azuis das Nações Unidas e as forças policiais e militares do país.

Depois de ter passado pelo Quénia e o Uganda, a República Centro-Africana era considerada a etapa mais arriscada do primeiro périplo africano do Papa Francisco. Daí as medidas de segurança extraordinárias que acabaram por não ensombrar o clima de festa que se viveu nas ruas da Bangui.

Frente a Catherine Samba-Panza, o Papa convidou os centro-africanos a evitar o isolamento comunitário, numa referência à crescente “balcanização” do país, com muçulmanos e cristãos a viverem cada vez mais em comunidades isoladas. “É preciso evitar a tentação do medo do outro, daquele que não pertence à nossa etnia, às nossas opções políticas ou à nossa confissão religiosa.”

“O meu desejo mais ardente”, disse Francisco, “é que as diferentes consultas nacionais que se vão realizar daqui a algumas semanas permitam ao país iniciar serenamente uma nova etapa da sua história”. No dia 27 de Dezembro deverão realizar as muitos vezes adiadas eleições presidenciais e legislativas no país.

A mensagem de Francisco repetiu-se num campo de deslocados da paróquia de São Salvador, onde vivem 3700 mulheres e crianças, principalmente cristãs, que fugiram à violência dos rebeldes muçulmanos Séléka. “Queremos a paz. Não há paz sem perdão, sem tolerância. Seja qual for a etnia, a condição social, somos todos irmãos”, disse o Papa que pediu à assistência para repetir bem alto: “somos todos irmãos”.

Antes, ainda no palácio presidencial e dirigindo-se a Francisco, a Presidente Catherine Samba-Panza, pediu “perdão por todo o mal” cometido pelos centro-africanos durante o conflito intercomunitário que ensanguentou o país desde 2013. “Cabe aos filhos e as filhas deste país reconhecerem as suas falhas e pedirem um perdão sincero para que a vossa bendição se transforme num novo alento para a reconstrução do país”, disse Samba-Panza, numa cerimónia de acolhimento do Papa no palácio presidencial.

“Em nome de toda a classe dirigente deste país, mas também de todos aqueles que contribuíram para a descida ao inferno, confesso todo o mal que foi feito e peço perdão do fundo do meu coração. Os centro-africanos infligiram sofrimentos inqualificáveis a outros centro-africanos. Temos absolutamente necessidade deste perdão porque os nossos corações estão empedernidos pelas forças do mal. O amor sincero ao próximo abandonou-nos e estamos presos à intolerância”, afirmou a Presidente.

A República Centro-Africana vive mergulhada na violência desde que os rebeldes de maioria muçulmana, os Séléka, tomaram o poder em Março de 2013. O país assistiu desde então a uma violência extrema dos rebeldes contra a população civil e um ciclo infernal de represálias intercomunitárias entre combatentes Séléka e os milicianos cristãos anti-balaka que provocou milhares de mortos e milhões de deslocados. A intervenção militar francesa em Dezembro de 2013 expulsou os Séleka do poder e permitiu o arranque de um difícil e lento processo de pacificação.

O perdão que Samba-Panza pediu seria dado mais tarde na Catedral de Bangui, onde Francisco abriu “uma porta santa” antes do “jubileu da misericórdia” que se abrirá oficialmente daqui a dez dias em Roma para o mundo inteiro. Os crentes centro-africanos foram deste modo convidados a fazerem uma peregrinação atravessando essa porta para obterem a redenção dos seus pecados.

A Presidente agradeceu ao Santo Padre: “A vossa visita é uma bênção dos céus, uma vitória da fé sobre o medo, sobre a descrença, e uma vitória da compaixão e da solidariedade da Igreja universal.”