EUA não cumpriram regras no ataque a hospital dos Médicos Sem Fronteiras

EUA assumem erros humanos e técnicos no ataque ao hospital de Kunduz, no Afeganistão. Organização insiste em inquérito independente e diz que há perguntas ainda por responder.

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Corredor do hospital atingido pelo C-130 americano. Morreram 30 pessoas, entre funcionários, médicos e pacientes. Najim Rahim/AFP

O ataque aéreo de um avião norte-americano que erradamente atingiu o hospital dos Médicos Sem Fronteiras em Kunduz, no Afeganistão, no início do mês passado, foi possível graças a vários erros humanos e técnicos por parte do exército dos Estados Unidos. Assim concluiu a investigação interna do exército americano, apresentada nesta quarta-feira, em Cabul.

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O ataque aéreo de um avião norte-americano que erradamente atingiu o hospital dos Médicos Sem Fronteiras em Kunduz, no Afeganistão, no início do mês passado, foi possível graças a vários erros humanos e técnicos por parte do exército dos Estados Unidos. Assim concluiu a investigação interna do exército americano, apresentada nesta quarta-feira, em Cabul.

“Foi um acidente trágico e evitável, causado sobretudo por erro humano”, resumiu o comandante que lidera a missão norte-americana no Afeganistão, John Campbell. Como resultado, explicou, vários militares foram retirados de acção. Mas não disse quantos ou quem – pelo menos um capitão das Forças Especiais, segundo disseram fontes não identificadas ao New York Times.

Segundo a investigação interna dos EUA, a tripulação do avião C-130 que atingiu o edifício dos Médicos Sem Fronteiras pensava que estava a bombardear uma posição dos taliban, que uns dias antes capturaram a cidade ao exército afegão.

Para que um erro destes pudesse ter acontecido, os militares facilitaram ou não cumpriram vários passos de verificação do alvo, obrigatórios segundo o regulamento do exército. O hospital, aliás, era bem conhecido em Kunduz e o ataque durou mais de uma hora, apesar dos sucessivos alertas da organização ao comando norte-americano em Cabul. Morreram 30 pessoas, a maioria pacientes e funcionários médicos.

De acordo com o comandante John Campbell, os erros começaram com a validação do alvo no solo. A reconquista de Kunduz esteve sobretudo a cargo do exército afegão, que contou com a ajuda de tropas da NATO, no país para treinar militares e coordenar algumas operações. Os afegãos pediram um ataque aéreo ao edifício da sede dos serviços de informações em Kunduz, na altura ocupada por combatentes taliban. O comandante norte-americano no solo deu a autorização necessária, mas sem ter linha de visão para o espaço ocupado ou para o hospital dos Médicos Sem Fronteiras. Erro número um.

Erro número dois: o C-130 norte-americano descolou sem antes fazer uma sessão de instruções – briefing operacional – que o informaria de alvos a não atacar, como o hospital, por exemplo. Para além disso, durante o voo até ao alvo, uma avaria técnica fez com que a aeronave perdesse instrumentos de contacto electrónico com o exterior. Deixou de receber mensagens, e-mails e de transmitir informação vídeo às salas de comando que controlam operações deste género, segundo escreve o Washington Post.

A investigação interna afirma que o C-130 pensou estar em risco de ser atingido por um míssil enquanto voava para a cidade. Desviou, por isso, a rota pré-programada da aeronave, o que terá desacertado os instrumentos de tiro, que passaram a apontar para uma zona a mais de 300 metros do edifício dos serviços de informação afegãos. Novo erro: quando o avião chegou a Kunduz, a tripulação optou por acertar a olho o ataque. Mas enganou-se e pôs o alvo no edifício dos Médicos Sem Fronteiras, semelhante ao objectivo inicial.

Os erros não pararam por aqui. Antes de chegar a Kunduz, explicou John Campbell, o C-130 voltou a acertar automaticamente o seu mecanismo de tiro, o que fez com que não fosse necessário acertar visualmente o alvo. Mas a tripulação “continuou fixada” em disparar manualmente para o hospital e não para o edifício ocupado pelos taliban.

Esta é uma de três investigações internas que tentam apurar o que aconteceu no dia 3 de Outubro em Kunduz – a NATO e o exército afegão estão a analisar também o ocorrido. A organização Médicos Sem Fronteiras disse depois do ataque que não aceitaria os resultados de inquéritos internos e pede que seja montado um órgão internacional que investigue se houve, ou não, um crime de guerra. Os Estados Unidos e o Afeganistão recusam-se, por enquanto, a fazê-lo.

A investigação norte-americana deixa algumas perguntas no ar. O grupo humanitário assegura que o bombardeamento durou mais de uma hora, mas o exército afirma que este não se terá prolongado para além de 30 minutos. Segundo o inquérito norte-americano, o hospital comunicou que estava sob fogo 12 minutos depois de o ataque começar, por volta das 2h20 da manhã, como relata o New York Times. O comando assegura que demorou para além disso 17 minutos (às 2h37) a cancelar a operação.

A organização ainda não reagiu oficialmente às conclusões do inquérito americano, mas o seu director de operações na Ásia, John Sifton, disse ao New York Times que a investigação parece não responder às questões sobre se os grandes responsáveis militares do Pentágono tiveram alguma responsabilidade no bombardeamento. “O ataque em Kunduz ainda exige uma investigação criminal a possíveis crimes de guerra”, afirmou.