Tentativa de assassinato de Bob Marley dá prémio Man Booker a Marlon James

"Isto é tão ridículo que acho que vou acordar amanhã e não aconteceu", afirmou o escritor jamaicano quando subiu ao palco para receber o prémio pelo romance A Brief History of Seven Killings.

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O escritor jamaicano Marlon James ao receber o prémio que dedicou ao pai

O escritor jamaicano Marlon James venceu na terça-feira à noite o Man Booker Prize por A Brief History of Seven Killings, sobre a tentativa de assassínio do músico Bob Marley em 1976.

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O escritor jamaicano Marlon James venceu na terça-feira à noite o Man Booker Prize por A Brief History of Seven Killings, sobre a tentativa de assassínio do músico Bob Marley em 1976.

Marlon James, de 44 anos, é o primeiro escritor da Jamaica a vencer o mais prestigiado prémio literário britânico para o melhor romance. "Isto é tão ridículo que acho que vou acordar amanhã e não aconteceu", afirmou James quando subiu ao palco, depois de ter sido anunciado vencedor, na cerimónia em Londres, dedicando o prémio ao falecido pai com quem, nos bares de rum de Kingston, fazia duelos literários à volta de Shakespeare quando era criança.

O livro conta em 686 páginas os conflitos políticos e a ascensão do tráfico de drogas na Jamaica e tem todo o um capítulo escrito em patois (o crioulo jamaicano). Este é o terceiro romance do escritor que vive em Minneapolis, nos Estados Unidos. O primeiro, John’s Crow’s Devil, sobre a relação entre dois pregadores rivais na Jamaica dos anos 1950, quase ficou escondido para sempre num disco rígido de computador, depois de ter sido recusado 78 vezes pelas editoras abordadas por James. Acabaria por ser editado em 2005 e seria seguido, em 2009, por The Book of Night Women, romance dedicado ao flagelo da escravatura, contado pelos olhos de uma jamaicana nascida escrava numa plantação de açucar do século XVIII.

Marlon James, hoje sedeado nos Estados Unidos, onde lecciona escrita criativa no Macalester College de Saint Paul, Minnesota, classificou A Brief History Of Seven Killings como um “romance de exílio”, explicando que, se vivesse neste momento na Jamaica, não o teria escrito. “Não queremos falar de história, não queremos falar da corrupção, não queremos falar sequer de homossexualidade”, declarou o escritor ao New York Times. “Amo o meu país até à morte, mas também tenho memória de quanta da nossa história foi paga com sangue”.

E sangue é o que não falta a este livro polifónico em que convivem as mais diversas personagens (agentes da CIA e da política jamaicana, políticos, exilados cubanos, traficantes de droga, jornalistas musicais, Bob Marley, identificado sempre e apenas como “O cantor”). O momento decisivo que serve de ignição a toda a narrativa é a tentativa de assassinato de Bob Marley, em 1976, na sua própria casa e a poucos dias de um concerto pela paz marcado para coincidir com as eleições que dividiam então o país em dois, gerando enorme violência interna (entre gangues rivais apoiantes de cada um dos partidos e com uma polícia endemicamente corrupta) e uma intensa actividade geopolítica (a CIA apoiava abertamente o Labour Party e enviou operacionais para o terreno; enquanto o People’s National Party, que se apresentou como promotor do concerto de Marley que quase tirava a vida ao músico, tinha apoio político de Cuba e da União Soviética). A história viaja até à década de 1980, saltando da Jamaica para os Estados Unidos, onde traficantes jamaicanos desempenharem importante papel no tráfico de crack.

"É um romance policial que se move para além do mundo do crime e nos leva a uma história recente de que sabemos muito pouco", disse o presidente do júri, Michael Wood, após anunciar o vencedor. O presidente do júri afirmou ainda que se tratava de "um livro extraordinário". Citado pelo jornal britânico The Guardian, Michael Wood acrescentou que é um romance "muito excitante, muito violento, cheio de palavrões". "Foi uma decisão unânime" e que "não tiveram nenhuma dificuldade em decidir".

O livro, escreve o Guardian, tem muitos fãs. O jornal The New York Times publicou uma crítica muito elogiosa: "É como um remake de Tarantino do filme The Harder They Come mas com uma banda sonora da autoria de Bob Marley e um guião de Oliver Stone e William Faulkner, com talvez um pequeno impulso criativo de um pouco de marijuana. É épico em todos os sentidos da palavra: radical, mítico, de topo, colossal e perturbadoramente complexo. É também cru, denso, violento, escaldante, sombriamente cómico, estimulante e exaustivo - um testamento à ambição grandiosa e ao talento prodigioso do senhor James". Marlon James, que além da influência decisiva de Faulkner, cita também o nome de Charles Dickens como fundamental para o olhar em mosaico sobre uma sociedade, construído pela reunião das diferentes perspectivas, contextos e traços de linguagem da multiplicidade de personagens que habitam o romance.

“Muito dele é baseado em acontecimentos reais, mas muito é inventado e essa é, em parte, a justificação para a existência do livro, porque não há história [desse período jamaicano]”, declarou ao Guardian o autor, que espera que o primeiro Booker atribuído a um escritor jamaicano possa chamar a atenção para a literatura que vem sendo criada nas Caraíbas. “Há algumas vozes novas a surgir que estão a explorar a sociedade contemporânea, que estão a explorar o que está para além da política, o que está para além do colonialismo”.

O vencedor do Booker em 2014 foi o australiano Richard Flanagan com The Narrow Road to the Deep North (A Senda Estreita para o Norte Profundo, editado em Portugal pela Relógio d’Água).

Além de Marlon James, o prémio teve como finalistas os romances Satin Island, do britânico Tom McCarthy, The Fishermen, o primeiro romance do professor nigeriano de Literatura, Escrita Criativa e Inglês Chigozie Obioma, ou The Year of the Runaways, a recém-publicada segunda obra do britânico Sunjeev Sahota, e as obras das duas norte-americanas Anne Tyler com A Spool of Blue Thread e a Hanya Yanagihara com A Little Life.