O véu de Ishaq está a levantar o Partido Conservador do Canadá nas sondagens

Mulher nascida no Paquistão quer participar na cerimónia de naturalização com a face tapada. Os tribunais têm-lhe dado razão, mas o Governo parece ter a maioria dos eleitores do seu lado.

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O partido do primeiro-ministro já esteve em 3.º nas sondagens, mas agora voltou ao topo Adrian Wyld/Reuters

O caso arrasta-se desde 2008, quando Zunera Ishaq e o seu marido receberam o estatuto de residentes permanentes no Canadá, mas está a dominar as atenções da campanha para as eleições federais de 19 de Outubro, de onde sairá o próximo governo.

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O caso arrasta-se desde 2008, quando Zunera Ishaq e o seu marido receberam o estatuto de residentes permanentes no Canadá, mas está a dominar as atenções da campanha para as eleições federais de 19 de Outubro, de onde sairá o próximo governo.

Ishaq já é cidadã do Canadá, mas nunca aceitou participar na cerimónia oficial porque o governo de Stephen Harper sempre lhe exigiu que comparecesse com a face descoberta. Os conservadores já tinham visto a sua exigência derrotada na Justiça, e também viram um tribunal federal de recurso voltar a dar razão a Zunera Ishaq a 15 de Setembro, mas anunciaram que vão levar o caso ao Supremo.

E é esta determinação que tem empurrado o Partido Conservador para o topo das sondagens, ao lado do Partido Liberal de Justin Trudeau. O mais penalizado é o Novo Partido Democrático (NPD), do centro-esquerda, que em finais de Agosto chegou a ter dez pontos de vantagem em relação aos principais rivais.

"Como uma maioria dos eleitores de cada partido apoia a exigência [de mostrar a face na cerimónia], este pode muito bem ser o tema fracturante que os conservadores procuravam", lê-se num relatório publicado esta semana pelo instituto de sondagens Ipsos.

Nik Nanos, especialista em sondagens e fundador da empresa Nanos Research, disse à agência Reuters que a campanha eleitoral "está cada vez mais a resumir-se a uma corrida a dois, com o NPD em declínio" – na mais recente sondagem, divulgada quarta-feira, os conservadores e os liberais tinham 32% e o NPD apenas 26%, depois de ter alcançado um máximo de 33% há bem pouco tempo. O partido de centro-esquerda tem sofrido uma derrocada nas intenções de voto até no liberal Quebeque, de 47% em inícios de Setembro para 30%.

A liderança do NPD tenta recentrar a campanha nas grandes questões económicas e políticas – e no desgaste que o governo de Stephen Harper vem acumulando desde 2006 –, mas as suas explicações para a queda nas sondagens indicam que o partido reconhece a importância da discussão sobre o véu de Zunera Ishaq: "O que o senhor Thomas Mulcair [líder do NPD] vai fazer nos restantes 19 dias desta campanha é mostrar aos eleitores do Quebeque que não é a questão do niqab que vai a votos. A questão que está no boletim é: 'Quer que Stephen Harper tenha mais quatro anos, ou quer derrotá-lo e substituí-lo?'", disse à Reuters o porta-voz do NPD, Brad Lavigne.

O NPD bem pode tentar dizer que o caso de Ishaq é um não-assunto, mas vários observadores garantem que é um assunto, e muito importante. "Está a segmentar o eleitorado por categorias. Deu um grande vigor aos conservadores e permitiu-lhes chegar a uma liderança clara", disse ao Guardian o especialista Frank Graves, da empresa EKOS Research Associates.

Mas para Zunera Ishaq o assunto devia permanecer na esfera pessoal, porque é "um assunto banal" e que "não é algo em que o Estado se deva meter".

"Aprendi muito neste país sobre o respeito para com as opiniões dos outros. Mas não consigo perceber porque é que as pessoas não tentam entender a minha opinião", disse Ishaq ao Guardian. Numa entrevista ao britânico Independent, a paquistanesa de nascimento disse que a decisão de usar o véu foi dela, e que foi tomada ainda durante a adolescência, muito antes de ter conhecido o seu marido e até contra os conselhos do seu pai, um professor de Psicologia de Lahore.

Frank Graves, o fundador da EKOS Research Associates, descreve a influência do véu de Ishaq na campanha como "um caso básico de aproveitamento político" – a subida do Partido Conservador nas sondagens coincidiu com o anúncio da contratação do australiano Lynton Crosby, visto como o principal arquitecto da vitória de David Cameron nas eleições no Reino Unido, em Maio passado.

Para além do reforço de peso, o Partido Conservador estará também a beneficiar de "um aumento impressionante da intolerância racial no Canadá, semelhante ao que acontece na Europa e nos Estados Unidos", considera Frank Graves. "Os canadianos tornaram-se um pouco mais temerosos, um pouco mais fechados e um pouco menos defensores da globalização."