Os refugiados na Grécia querem “seguir para a Europa”

A ideia é seguir viagem tão depressa quanto possível. As notícias das fronteiras fechadas viajaram depressa. “Vamos encontrar uma maneira”, diz Shabnan numa praça de Atenas. Mas existe o risco de ficarem ali, encurralados. E a Grécia não está preparada.

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Chegada de refugiados sírios vindos da Turquia à ilha grega de Lesbos Yannis Behrakis/Reuters

Entre os cobertores e as mochilas da praça Vitória, em Atenas, há um cor-de-rosa. Lá está um bebé de meses, tão pequeno e tão frágil no meio de toda a confusão de rapazes adolescentes, homens a fumar, grandes famílias. A praça está rodeada de esplanadas. A vida destas pessoas está em trânsito, e a maioria veio num barco da Turquia para uma das ilhas gregas, e esperam seguir “para a Europa”. Aqui ainda não é a Europa.

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Entre os cobertores e as mochilas da praça Vitória, em Atenas, há um cor-de-rosa. Lá está um bebé de meses, tão pequeno e tão frágil no meio de toda a confusão de rapazes adolescentes, homens a fumar, grandes famílias. A praça está rodeada de esplanadas. A vida destas pessoas está em trânsito, e a maioria veio num barco da Turquia para uma das ilhas gregas, e esperam seguir “para a Europa”. Aqui ainda não é a Europa.

Shabnan está em Atenas há apenas três horas. Os olhos verdes brilham quando diz: “Alemanha”. É para lá que quer ir, ela e a família: o marido, a mãe, a prima e os filhos da prima, incluindo o bebé de meses no cobertor cor-de-rosa.

A família ainda está a ambientar-se e a dada altura ela faz uma pergunta simples: “Onde há uma casa de banho?” Uma voluntária perto encolhe os ombros. “Não há”. Um pouco mais tarde, Shabnan consegue ir a um dos cafés da praça. A linha que distingue quem está nos cafés e na praça é ténue, mas existe. Questionamo-nos quantas mais vezes conseguirá Shabnan fazer isto, tão simples, ir à casa de banho. E se conseguiu por ter uma cara bonita, pele clara, e olhos verdes.

Para já, a família irá dormir na rua. “Os hotéis aqui são muito caros”, explica. A ideia é seguir viagem tão depressa quanto possível. As notícias das fronteiras fechadas viajaram depressa, mas os olhos de Shabnan não perdem o brilho. “Vamos encontrar uma maneira.”

De repente, há um enorme burburinho na praça. Muitas pessoas juntam-se em torno de um carrinho de compras, é uma associação a distribuir alimentos. Os homens são os primeiros a chegar, e a voluntária tenta impedi-los, mas logo se instala o caos — ninguém fala inglês. As voluntárias querem dar apenas a mulheres e crianças, mas não se conseguem explicar. “Não, não”, grita uma, e empurra um homem, que se indigna: “Não me toque”.

Dois estrangeiros tentam ajudar. São Max, sueco nascido no Irão e professor na Turquia, e uma amiga britânica. A confusão dura pouco — a comida acaba depressa.

Max e a amiga tiraram férias para ajudar. “Viemos agora de Lesbos, estivemos lá cinco dias”. Lesbos é uma ilha para onde muitos refugiados vão de barco desde a Turquia. “As pessoas precisam simplesmente de orientação, porque o campo é a 70 quilómetros do sítio onde os barcos chegam”, conta. “Uma vez íamos levar lá duas pessoas, e fomos encontrando várias outras perdidas pelo caminho. Quando chegámos ao campo já eram 50”, diz. O problema é que não há autocarros, e os táxis não podem levar pessoas sem documentos. Sem orientação e sob um sol forte, é um pesadelo para quem acabou de arriscar a vida num barco insuflável.

"Apelo a toda a gente com um pouco de tempo livre para vir. Não é preciso muito para ajudar”, diz Max, que está a preparar-se para seguir agora para a Macedónia. “Infelizmente não posso ficar muito mais, porque daqui a dez dias começam as aulas na Turquia, onde sou professor.”

Brinquedos sérvios
Passa uma hora, e o parque parece outro: há crianças a brincar com um disco, a saltar à corda. De um momento para o outro, tornam-se mais visíveis, e nota-se a grande percentagem de crianças.

A diferença foram as cordas e os brinquedos simples, que foram trazidos por um grupo de voluntárias da Sérvia. “Vim para ajudar”, diz uma delas, recusando entrevistas com um sorriso educado.

A questão dos refugiados entrou fortemente na campanha eleitoral (na Grécia há legislativas no domingo), com o candidato conservador, Evangelos Meimarakis, a acusar o anterior executivo de Alexis Tsipras pela vinda de milhares e milhares de refugiados.

Tsipras respondeu ironizando: “Está-me a dizer que quando o Syriza chegou ao poder quatro milhões de sírios decidiram vir para a Europa?” Defendeu a conduta do seu Governo perante este êxodo que classificou de “fenómeno mundial”.

Dina Vardaramatou, coordenadora da policlínica da organização não-governamental Praksis em Atenas, fica doente com a entrada da questão na campanha. A culpa não é nem do Governo anterior. Mais: não é da Grécia. “Mesmo que fossemos o país mais organizado do mundo não conseguiríamos lidar com a chegada de milhares de pessoas a cada dia”, sublinha. Nem a Alemanha conseguiu, por isso fechou a fronteira.

E estas pessoas chegam “não porque queiram um futuro melhor, mas porque querem manter-se vivas”, sublinha, citando um poema: “Ninguém põe os seus filhos num barco a não ser que a água seja mais segura do que terra.”

Na organização, tentam fazer o que podem. Dina não o diz, mas nota-se frustração por não poder ser mais. “Fazemos trabalho de rua todos os dias, damos serviços sem critério e de graça — mas limitado. Mas alguma coisa é melhor do que nada”, diz. “Dias com duas mil pessoas não dá”. Há que escolher: “Os mais frágeis primeiro — crianças, mulheres com crianças”.

A situação mudou nos últimos meses. Não só o número de pessoas a ajudar aumentou, como elas não se mantém por aqui muito tempo. “Acho que para nós a maior diferença é poder seguir as pessoas”, confessa Dina. “Ainda ontem esteve cá uma mãe com um bebé de três meses, desidratado depois da viagem de barco. Pedimos-lhe para voltar, mas ela ia embora já esta noite. Ficámos a pensar se conseguiu.”

No centro, Dina e Electra Koutsoumani, a responsável de comunicação da Praksis, seguem muitos menores não acompanhados. Os mais novos têm seis, sete anos. “Alguns perderam-se dos pais, outros foram mandados pelos pais para depois a família poder juntar-se a eles.”

São crianças, mas já não são. “Às vezes dizem que têm pesadelos, ou choram. Mas têm um peso sobre os ombros, a responsabilidade de chegar a um destino”, diz Electra.

Electra está a pensar num caso em especial, de um rapaz de sete anos que está num dos centros. “Ele tem um familiar na Alemanha e conseguiria chegar lá legalmente, mas teria de esperar. A família está a pressioná-lo para que ele contacte traficantes e parta. Nós estamos a tentar que não vá, mas não o podemos prender, e estou convencida de que vai acabar por se ir embora.” Ele sabe que é perigoso. “Mas já foi assim que chegou aqui.”

A organização tem dois centros para alojar estes menores, a vasta maioria rapazes, em Atenas, com capacidade para 30 pessoas cada, mais um em Patra, com capacidade para 30 menores e 40 pessoas vulneráveis, mães com crianças pequenas. “Nunca sabemos quantas pessoas temos, porque um dia um grupo de crianças pode decidir ir embora, podemos ter 20 num dia, 30 no outro... Mas em geral estão muito perto da capacidade total”, diz Electra.

Encurralados
Com esta crise, o medo é que agora estas pessoas fiquem presas na Grécia, sem poder seguir para o destino que querem — e continuam a ser milhares a desembarcar nas costas das ilhas todos os dias. O Governo criou recentemente um “centro de boas vindas” com capacidade para 800 pessoas na capital e anunciou já mais três, dois em Atenas e arredores e outro em Salónica. Mas está longe de ser suficiente.

Lazaros Papageorgiou, presidente da associação Bread Action, que tem uma série de acções de ajuda tanto para refugiados como para gregos, fala com pausas, cansado, na sede da associação. “O problema vai ser dez mil vezes maior, porque todos os países estão a fechar as fronteiras. Quem não conseguiu passar vai voltar para cá, o fluxo não pára. Estas pessoas vão ficar encurraladas.”

E a Grécia não consegue dar resposta. A Bread Action, criada em 1998, também não consegue. “Desde há dois anos não temos financiamento porque a situação económica está péssima, as empresas não têm dinheiro, as pessoas individuais também não.” Alguns voluntários da associação são também beneficiários: recebem ajuda alimentar, e vão distribuir alimentos aos refugiados. De resto, “os membros do conselho de administração pagam aluguer, electricidade, gasolina, etc. do seu próprio bolso”, diz Papageorgiou. “Não sei até quando conseguimos sobreviver.”