Boas vibrações
Ren Schofield é Container, um americano que faz dançar com o feedback e a distorção.
Nos finais dos anos 1990, Mat Brinkman, Mammal, Viki, Pleasurehorse, Forcefield foram alguns dos músicos que, em edições (por vezes, limitadas) de cassetes e cds, acrescentavam os beats ao feedback e à distorção, a repetição do ritmo à discordância do noise. Música suja, áspera, densa, carregada (porventura o reflexo grosseiro da tão comentada hypnagogic pop) que acabaria relegada para uma obscuridade previsível. O cariz furtivo e efémero das gravações, a geografia periférica da cidade, a solidariedade estética com o rock (pertenciam todos à mesma comunidade) não lhe permitiu outro fado.
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Nos finais dos anos 1990, Mat Brinkman, Mammal, Viki, Pleasurehorse, Forcefield foram alguns dos músicos que, em edições (por vezes, limitadas) de cassetes e cds, acrescentavam os beats ao feedback e à distorção, a repetição do ritmo à discordância do noise. Música suja, áspera, densa, carregada (porventura o reflexo grosseiro da tão comentada hypnagogic pop) que acabaria relegada para uma obscuridade previsível. O cariz furtivo e efémero das gravações, a geografia periférica da cidade, a solidariedade estética com o rock (pertenciam todos à mesma comunidade) não lhe permitiu outro fado.
Nos últimos dois anos, contudo, os seus ecos têm vindo a despertar a atenção de alguma imprensa, muito por causa de um “segunda geração” de músicos em que se inclui Container, o alter-ego de Ren Schofield. Actualmente a viver em Nashville, este ex-baterista usa um gravador de quatro pistas, pedais de distorção e um Roland 909 para moldar e pôr em movimento os esqueletos das batidas. “Chegou o Tecno-noise”, terão exclamado, entretanto, alguns jornalistas face à perplexidade do músico que, já confessou, prefere ficar com a segunda palavra.
LP, o seu novo álbum, é todavia bem que mais do barulho. A primeira faixa,
Eject, acorda com um silvo, libertando uma sessão de
beatsregulares. Rasga-se espaço para a dança, mas sem qualquer laço com a
big beatou o
drum & bass. Do primeiro ritmo, rompe-se outro mais furioso enquanto a distorção vai ampliando a canção num crescendo violento.
Remover, o momento seguinte, replica a electrónica do pós-punk e durante dois minutos não se percebe qualquer sobressalto. Lentamente, então, as batidas multiplicam-se numa vertigem que se afasta do universo dos DAF ou dos Cabaret Voltaire. A canção rodopia sobre si mesma, mesclando ritmo e distorção, sabotando qualquer possibilidade de equilíbrio, linearidade, espaço. Ouça-se “
Peripheral”, em constante metamorfose, construída sobre camadas de beats,
loopse
riffs: Schofield não escolhe os sons, toca-os, as mãos sobre os instrumentos.
Nascida e formada em concertos, a música de Container permanece afastada dos clubes nocturnos e do universo dos DJ’s. O próprio insiste que é ao lado de outras bandas ou músicos (Unicorn Hard-On, Dog Synth, Acre, Leslie Keffer) em caves, edifício abandonados, galerias que a sua música fica bem. Não se trata de uma embirração: a irregularidade das suas composições nega a lisura do tecno ou o lado festivo de música dança mais convencional. Calibrate e Appliance são exemplares dessa abordagem, revelando afinidades com a cena de Providence e a velocidade dos Lightning Bolt. Mas o aparecimento de uma categoria como tecno-noise, por mais que ridícula que soe, não é totalmente descabida. Schofield está familiarizado com os traços do género, sabe manipulá-los enquanto formas musicais, como demonstra no primeiro terço de Cushion. É a falta de conhecimento profundo e a ligação a um contexto musical que o transporta para os outros lugares. Assim, o que começa em Ibiza termina na paisagem do Sul dos Estados Unidos entre nuvens de feedback e o som de uma sirene. O corpo, esse continua a dançar.