Ela quer resistir, ele quer desistir

A Grécia acabou, diz Alex, 39 anos. Isto não é o fim, diz Eleftheria, 38 anos. Os dois concordam no resto: vai haver protestos, e o novo plano de austeridade não vai resultar.

Foto
"Temos de começar do zero, talvez", diz Eleftheria Yannis Behrakis/Reuters

O atelier de Elefhteria, 38 anos, é um micro exemplo da bipolaridade grega dos últimos tempos: grande esperança seguida de grande desapontamento. Há dois meses foi anunciado que os impostos seriam reduzidos, diz, agora o plano imposto à Grécia vai aumentar as contribuições e obrigar a pagar um imposto antecipado. “Ainda não percebi bem o que quer dizer”, diz a designer. “Vamos ver se conseguimos lidar com o que aí vem”.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

O atelier de Elefhteria, 38 anos, é um micro exemplo da bipolaridade grega dos últimos tempos: grande esperança seguida de grande desapontamento. Há dois meses foi anunciado que os impostos seriam reduzidos, diz, agora o plano imposto à Grécia vai aumentar as contribuições e obrigar a pagar um imposto antecipado. “Ainda não percebi bem o que quer dizer”, diz a designer. “Vamos ver se conseguimos lidar com o que aí vem”.

Para ela há dois problemas – o primeiro, de conseguir manter a sua marca Digitaria, que é feita na Grécia e vende para algumas lojas em ilhas gregas e fora do país (“de momento, no estrangeiro só na Alemanha, numa loja em Hamburgo”, nota sem deixar de acusar um toque irónico) e numa loja online. O segundo será conseguir importar tecidos com as restrições que continuam, e que muitos esperam que se mantenham ainda algum tempo. “Por sorte fiz agora uma encomenda grande, mas em Outubro/Novembro vou ter mesmo de comprar.”

Ela não pára de trabalhar, mas há uma parte que está imóvel – a do dinheiro. “Estou a acabar roupa para o festival de Atenas, que não sabemos se vão ser apresentadas ou não dada a situação”. E as lojas para onde vende, “que deviam estar a encomendar a colecção de 2016, não estão, está tudo parado.”

Para fazer face à crise, o essencial é “ser flexível”, diz a designer, que sempre viveu em Atenas mas cuja marca começou numa loja em Londres em 2008 e saiu dois anos depois após a recessão britânica - para aterrar em plena crise grega.

Quanto a política, depois de acordar Eleftheria já passou por sites informativos mas vai agora evitar notícias durante o dia para trabalhar. “Aquela hashtag no Twitter, Isto é um golpe de estado? Parece mesmo que é. Querem que saiamos da Europa, ou querem conquistar o país. Vão ficar com tudo, aeroportos, todos os serviços públicos”, diz, enquanto enrola um magro cigarro, que fuma muito espaçadamente.

“Mas não acho que isto seja o fim.” Porque “as pessoas não vão conseguir pagar os impostos, tantos impostos. E depois fazem o quê? Aumentam de novo?”, pergunta.

“Lembras-te das manifestações? De como a cidade ardeu, do gás?”, pergunta. “Já fizemos isso uma vez. Vamos fazer de novo”, garante. A suave Eleftheria é também determinada: “Não vamos ficar quietos. Ainda vamos ter muitos protestos.”

Ela quer “resistir”. “Temos de começar do zero, talvez. Vamos ficar aqui e lutar pelo nosso país, pela nossa cidade. Vamos ter dificuldades – uma das maiores é que não podemos fazer uma família. Mas não vamos fugir.” 

Funerária Schäuble
Já Alex, 39 anos, está precisamente a pensar nisso – em ir embora. Alex tem um restaurante de comida de Creta e é a alma do sítio, sempre bem-disposto, a sentar-se à mesa com os clientes para partilhar e oferecer uma cerveja, um aperitivo, uma sobremesa, e dois dedos de conversa sobre o que quer que esteja a acontecer na Grécia.

Mas agora senta-se e fica calado, cabisbaixo. “Não consigo pensar. A Grécia acabou. É o fim”, declara, as mãos a sublinharem o definitivo.

O sentimento de fim era visível até em pormenores. No Facebook, alguns gregos partilharam uma foto de uma casa funerária na localidade de Agrinio, no centro do país, que mudou o seu nome para “funerária Schäuble”.

Mas Alex não está na fase de fazer piadas com a situação. Não tem medo só pelo seu restaurante – onde trabalha ele e grande parte da sua família, e que vai sofrer com uma enorme subida do IVA no sector, de 6% para 23%. “É Atenas. Antevejo coisas muito más”, diz, passando as mãos pela cabeça, ora penteando o cabelo, ora despenteando.

Porque para ele o que vai acontecer é muito claro: o plano pode ser aprovado, mas não vai resultar. “Vão tirar-nos cada vez mais e mais coisas”, diz. Mais tarde ou mais cedo, quando tudo estiver esgotado, “saímos do euro, mas em condições muito piores”, imagina.

Preocupam-no os extremos, a Aurora Dourada (extrema-direita), os anarquistas. “E depois vamos ter pessoas aos tiros. Só porque és de direita, só porque és de esquerda.” Ele não quer viver isso. “Estou a considerar muito seriamente ir-me embora.” Para onde, não sabe.

Depois de muito pensar em alguma coisa boa que pudesse sair disto, a única que encontra é que isto “expõe a Alemanha”. “Agora vemos que [o primeiro-ministro Alexis]Tsipras queria mesmo ficar no euro. Vimos também do que a Alemanha é capaz”, sublinha.

“E vocês também deviam ter muito cuidado agora”, diz, referindo-se a Portugal. “Porque a seguir são vocês.” O dia acaba triste no restaurante de Alex.