Sabemos que é bom quando as pessoas investiram

Em Portugal, no entanto, impera o vazio legal que impede o desenvolvimento pleno do crowdfunding.

É uma tendência que se verifica, ainda de forma dispersa, um pouco por todo o mundo. Há países em que o acesso à educação está a criar cidadãos mais informados, outros em que as crises económicas e sociais nos fizeram repensar o nosso lugar enquanto cidadãos (quando "havia para todos" era mais fácil nem pensar muito no assunto) e há também o activismo civil por oposição, seja a determinados projectos, medidas políticas ou direitos humanos.

Outro factor preponderante é, claro, o apogeu da internet, e nela das redes sociais, que por um lado promove um acesso e uma divulgação muito mais facilitados de informação, por outro aproxima-nos de realidades que não conhecíamos e nos dão vontade de fazer alguma coisa. Basta pensarmos em movimentos como o "Occupy" ou os "Indignados" que rapidamente se espalharam pelo mundo e envolveram milhões de pessoas. E pensar que o Maio de 68 ou o 25 de Abril ocorreram sem página no Facebook.

Mas há uma tendência, fortemente impulsionada pelos cidadãos, que cada vez assume maior importância, o investimento de impacto, que atinge o seu expoente máximo no "crowdfunding" ou, em português, financiamento colaborativo (ainda que preferisse mais o termo colectivo).

Esta tipologia de investimento distingue-se do tradicional por ter associado um impacto social ou ambiental que quem investe quer ajudar a fazer acontecer. Existem diversas plataformas de crowdfunding no mundo, umas mais generalistas, como a Indiegogo (EUA), outras mais vocacionadas para o empreendedorismo, como a Kickstarter (EUA) e outras para áreas como o ambiente ou as energias renováveis como a Abundance Generation (UK) ou a Lumo (FR).

A nível nacional há também um movimento em crescendo, com plataformas como a Massivmov ou a PPL a serem os pioneiros nacionais, já com significativos investimentos que produziram discos, filmes, novas empresas e até financiaram uma expedição do Grupo Polar da Universidade de Lisboa à Antártida. Mesmo na energia há exemplos nacionais de envolvimento e investimento cidadão, as cooperativas eléctricas, criadas em inícios do século XX e que electrificaram amplas áreas geográficas do país.

Em 2012 tentámos dar início à criação da primeira plataforma de crowdfunding para energias renováveis, a Boa Energia (que entretanto optou por outros caminhos, mas sempre com foco no envolvimento dos cidadãos na transição energética) mas a falta de enquadramento legal em Portugal impossibilitou uma actividade com a certeza de não estar a incumprir alguma norma. Agora está em Inglaterra e chama-se Citizenergy. Mais recentemente nasceu a Coopérnico, a primeira cooperativa portuguesa de energias renováveis, que, não sendo propriamente crowdfunding é ainda mais do que financiamento colaborativo, é financiamento cooperativo.

Estes são alguns exemplos desta "revolução cidadã" que está em curso, mas quase todos os dias ouvimos falar novos modelos e iniciativas dos cidadãos: novos partidos políticos, novos movimentos, iniciativas de banca ética ou plataformas de investimento. As pessoas querem maior poder de decisão, saber onde é aplicado o seu dinheiro e como gera rendimentos e, cada vez mais, ter o poder de contribuir para a criação de um mundo melhor (aos seus olhos) e com o qual se identificam.

Como refiro no título deste artigo, sabemos que algo é bom quando resulta de investimento cívico. Não passa pela cabeça de ninguém fazer crowdfunding para construir uma nova central de energia nuclear, produzir armas ou lançar uma campanha a favor do abate da Floresta Amazónica.

Em Portugal, no entanto, impera o vazio legal que impede o desenvolvimento pleno deste sistema de financiamento. Há dois anos, em 2013, foi elaborada uma proposta de Lei (encabeçada pelo Partido Socialista) que pretende estabelecer o regime do "Financiamento colaborativo". Em apenas um mês, um tempo recorde, foi analisado, aprovado na Comissão de Economia e Obras Públicas da Assembleia da República, foi aprovado em plenário e passou ao debate nas especialidades. Desde então (Junho de 2013) o processo parou. Até parece que não interessa a ninguém. Ou será a alguém?
 

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É uma tendência que se verifica, ainda de forma dispersa, um pouco por todo o mundo. Há países em que o acesso à educação está a criar cidadãos mais informados, outros em que as crises económicas e sociais nos fizeram repensar o nosso lugar enquanto cidadãos (quando "havia para todos" era mais fácil nem pensar muito no assunto) e há também o activismo civil por oposição, seja a determinados projectos, medidas políticas ou direitos humanos.

Outro factor preponderante é, claro, o apogeu da internet, e nela das redes sociais, que por um lado promove um acesso e uma divulgação muito mais facilitados de informação, por outro aproxima-nos de realidades que não conhecíamos e nos dão vontade de fazer alguma coisa. Basta pensarmos em movimentos como o "Occupy" ou os "Indignados" que rapidamente se espalharam pelo mundo e envolveram milhões de pessoas. E pensar que o Maio de 68 ou o 25 de Abril ocorreram sem página no Facebook.

Mas há uma tendência, fortemente impulsionada pelos cidadãos, que cada vez assume maior importância, o investimento de impacto, que atinge o seu expoente máximo no "crowdfunding" ou, em português, financiamento colaborativo (ainda que preferisse mais o termo colectivo).

Esta tipologia de investimento distingue-se do tradicional por ter associado um impacto social ou ambiental que quem investe quer ajudar a fazer acontecer. Existem diversas plataformas de crowdfunding no mundo, umas mais generalistas, como a Indiegogo (EUA), outras mais vocacionadas para o empreendedorismo, como a Kickstarter (EUA) e outras para áreas como o ambiente ou as energias renováveis como a Abundance Generation (UK) ou a Lumo (FR).

A nível nacional há também um movimento em crescendo, com plataformas como a Massivmov ou a PPL a serem os pioneiros nacionais, já com significativos investimentos que produziram discos, filmes, novas empresas e até financiaram uma expedição do Grupo Polar da Universidade de Lisboa à Antártida. Mesmo na energia há exemplos nacionais de envolvimento e investimento cidadão, as cooperativas eléctricas, criadas em inícios do século XX e que electrificaram amplas áreas geográficas do país.

Em 2012 tentámos dar início à criação da primeira plataforma de crowdfunding para energias renováveis, a Boa Energia (que entretanto optou por outros caminhos, mas sempre com foco no envolvimento dos cidadãos na transição energética) mas a falta de enquadramento legal em Portugal impossibilitou uma actividade com a certeza de não estar a incumprir alguma norma. Agora está em Inglaterra e chama-se Citizenergy. Mais recentemente nasceu a Coopérnico, a primeira cooperativa portuguesa de energias renováveis, que, não sendo propriamente crowdfunding é ainda mais do que financiamento colaborativo, é financiamento cooperativo.

Estes são alguns exemplos desta "revolução cidadã" que está em curso, mas quase todos os dias ouvimos falar novos modelos e iniciativas dos cidadãos: novos partidos políticos, novos movimentos, iniciativas de banca ética ou plataformas de investimento. As pessoas querem maior poder de decisão, saber onde é aplicado o seu dinheiro e como gera rendimentos e, cada vez mais, ter o poder de contribuir para a criação de um mundo melhor (aos seus olhos) e com o qual se identificam.

Como refiro no título deste artigo, sabemos que algo é bom quando resulta de investimento cívico. Não passa pela cabeça de ninguém fazer crowdfunding para construir uma nova central de energia nuclear, produzir armas ou lançar uma campanha a favor do abate da Floresta Amazónica.

Em Portugal, no entanto, impera o vazio legal que impede o desenvolvimento pleno deste sistema de financiamento. Há dois anos, em 2013, foi elaborada uma proposta de Lei (encabeçada pelo Partido Socialista) que pretende estabelecer o regime do "Financiamento colaborativo". Em apenas um mês, um tempo recorde, foi analisado, aprovado na Comissão de Economia e Obras Públicas da Assembleia da República, foi aprovado em plenário e passou ao debate nas especialidades. Desde então (Junho de 2013) o processo parou. Até parece que não interessa a ninguém. Ou será a alguém?
 

CEO da Boa Energia