Mexicanos desencantados com a política trocam voto de protesto pela abstenção

No final de uma campanha marcada pela violência, muitos mexicanos vão ficar em casa neste domingo de eleições legislativas. A descrença nos políticos, associados à corrupção, tirou-lhes a vontade de votar.

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São muitos os apelos à abstenção nas ruas ddas cidades mexicanas Pedro PARDO/AFP

Além dos 500 deputados federais, os mexicanos escolhem nas urnas nove governadores, mais de mil alcaides (presidentes de câmara) e todos os representantes das 17 legislaturas estaduais, num total de 15.382 novos mandatos. Com 83 milhões de pessoas habilitadas a participar na votação, as sondagens apontam para uma taxa de abstenção histórica e acima dos 50%, prova do descontentamento e desilusão do eleitorado com a situação política e social do país.

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Além dos 500 deputados federais, os mexicanos escolhem nas urnas nove governadores, mais de mil alcaides (presidentes de câmara) e todos os representantes das 17 legislaturas estaduais, num total de 15.382 novos mandatos. Com 83 milhões de pessoas habilitadas a participar na votação, as sondagens apontam para uma taxa de abstenção histórica e acima dos 50%, prova do descontentamento e desilusão do eleitorado com a situação política e social do país.

Se as previsões vierem a confirmar-se, Peña Nieto – constitucionalmente impedido de ser reeleito – deverá usar da cautela e evitar declarações exageradas de vitória, recomendam os comentadores políticos, que entendem que a abstenção substituirá o voto de protesto. Tradicionalmente, as eleições intermédias, como são designadas pelos mexicanos, têm um carácter plebiscitário, e servem de referendo às políticas seguidas pelo Presidente. Peña Nieto será protagonista sem ser interveniente na votação – “Será a prova mais dura do seu mandato”, escrevia o El País.

O Presidente já usou todo o capital político conquistado com a sua vitória de 2012, que fez regressar o histórico PRI ao poder. Também perdeu a iniciativa política, sem ver os resultados económicos anunciados com a aprovação do seu programa de liberalização e reformas estruturais. Com três anos de governo pela frente, parece condenado a jogar à defesa, enfrentando condições cada vez mais hostis: os comentadores avisam que o actual “contexto de baixa competitividade eleitoral”, com a oposição dividida, prejudica mais do que beneficia o Governo e o PRI, pondo em causa a sua legitimidade política.

As intermédias marcam a estreia eleitoral do novo partido constituído pelo antigo candidato presidencial de esquerda Andrés Manuel López Obrador (AMLO, como é conhecido). O Movimento de Regeneração Nacional, ou Morena, começou por ser uma organização social até ser reconvertido em formação política por López Obrador em 2014: o candidato moldou o partido à sua imagem, e quererá aproveitar a votação para lançar as bases de uma previsível terceira candidatura presidencial.

Apesar de se ter conseguido impor entre a opinião pública e publicada como um projecto alternativo aos partidos convencionais, nas sondagens para a Câmara de Deputados, o Morena ainda não conseguiu ultrapassar os 10%, atrás do PRI, do conservador PAN e do Partido da Revolução Democrática, a tradicional força de esquerda de que AMLO se desvinculou após as presidenciais de 2012 e que designa por “traidor”, por aceitar pactos e alianças com o PRI e o PAN para estar representado no poder.

Os conservadores estão em processo de regeneração, após a derrota de 2012, provocada pelo fracasso da guerra de Felipe Calderón contra o narcotráfico (80 mil mortos e 20 mil desaparecidos) e pelo autoritarismo e clientelismo do seu Governo. A estratégia actual do líder do PAN, Gustavo Madero, é de crescimento moderado, o suficiente para consolidar o partido como a maior força de oposição e principal alternativa para as presidenciais de 2018: é nessa campanha que promete queimar todos os cartuchos.

Resta saber se nos próximos anos os partidos e os políticos serão capazes de ultrapassar a crise de confiança do eleitorado no actual sistema. Segundo um estudo da analista do Centro de Investigação e Docência Económica, María Amparo Casar, 91% dos mexicanos associam a corrupção à actividade partidária, e mais de metade da população acredita que o fenómeno tem vindo a crescer nos últimos dois anos.

No dia 1 de Junho, o Conselho Coordenador Empresarial e outras organizações representativas do sector privado alertaram para os riscos para a democracia que a descrença dos cidadãos nos políticos e nas instituições acarreta. “Devia ser uma prioridade nacional acabar com este fosso entre a credibilidade e solidez que devem ter as instituições, e o descuido e desprestígio que conduzem ao desencanto entre a população”, advertiu o presidente desse conselho, Gerardo Gutiérrez Candiani, citando um estudo que dizia que nove em cada dez mexicanos desconfia dos partidos políticos.

Essa poderá ser a explicação para o surpreendente sucesso de Jaime Rodríguez ou El Bronco, um dos muitos candidatos independentes que pela primeira vez têm direito a concorrer a cargos públicos nas eleições do México. Com significativamente menos recursos do que os seus adversários partidários, El Bronco comanda as sondagens e deverá ser eleito governador do estado de Nuevo Léon, bastião industrial e o segundo mais rico do país.

Como a campanha demonstrou, o México vive actualmente num estado de hostilidade permanente. “É um país marcado por várias crises simultâneas, a corrupção, a criminalidade, a baixa representatividade dos partidos, que erode a legitimidade do sistema político. Além disso, para vastos segmentos da população, a vida quotidiana decorre sem lei e sem Estado, na mais total desprotecção – é uma sociedade órfã e sem normas”, escreveu Héctor Schamis, do Centro de Estudos Latino-americanos da Universidade de Georgetown para o El País. Nesse cenário, “a próxima vítima pode ser a democracia”, teme.

Sob o espectro da violência
A votação, como aliás toda a campanha, acontece sob o risco da violência organizada dos cartéis do narcotráfico. Nos últimos três meses, além de acções de vandalismo e destruição de sedes partidárias ou locais de voto, registaram-se vários casos de intimidação, agressão e assassínio de candidatos ou militantes: oficialmente, foram registados 70 incidentes violentos, entre os quais 19 mortes. Em sete dos 31 estados mexicanos, foi decretado o alerta máximo antes da votação, com milhares de tropas e polícias a patrulharem as ruas e protegerem as mesas de voto. E nem assim a segurança está garantida: o novo Instituto Nacional Eleitoral reconheceu que não conseguiria abrir todos os locais de voto previstos para o estado de Guerrero, um dos mais pobres e violentos do país.

Em Março, Aidé Nava González, de 41 anos, concorrente do Partido da Revolução Democrática ao município de Ahuacuotzingo, foi encontrada decapitada numa berma de estrada, com sinais evidentes de ter sido torturada. Junto ao corpo estava uma mensagem assinada pelo grupo dos Rojos, ameaçando que “isto é o que vai acontecer a todos os outros políticos que não seguirem a linha”. Os Rojos e os Ardillos estão envolvidos numa sangrenta disputa pelo território de Guerrero, que em Setembro de 2014 saltou para a ribalta internacional com o misterioso desaparecimento de 43 estudantes (que depois se soube foram massacrados pelos narcotraficantes).

Depois de Aidé, já foi morto um outro concorrente autárquico dos Verdes, Ulises Fabian Quiroz, e uma candidata a deputada, Silvia Romero Suárez foi raptada. O candidato a governador pelo Movimento Cidadão, Luis Warton Aburto, foi encurralado com toda a sua equipa de campanha e ameaçado por um comando armado de 20 homens na localidade de Chilapa – imediatamente suspendeu a campanha.

No igualmente violento estado de Michoacán, um candidato do Morena, Enrique Hernández Saucedo, foi assassinado no final de um comício. Saucedo tinha liderado um dos chamados grupos de auto-defesa, as milícias populares que combatem o narcotráfico naquele estado. Hector Lopez Cruz, do PRI, foi morto com uma rajada de tiros à porta de casa, quando regressava de uma acção de campanha no estado de Tabasco. A última vítima, a quatro dias da votação, foi o advogado e candidato a deputado Miguel Ángel Luna Munguía, abatido na sede de campanha do PRD a 35 quilómetros da Cidade do México.