Não há muitas noites assim
Bom, bom, é que exista um DVD para nos mostrar como aconteceu: Eels no Royal Albert Hall.
Um momento íntimo da banda, mais um, ao fim de 20 anos de carreira. Uma noite de senhores, de fato e gravata. Um concerto para não esquecer e para guardar agora que saiu em DVD, acompanhado de dois discos. É a magia do rock sem grandes guitarradas num concerto onde até o magistral órgão de tubos do Royal Albert Hall serviu à banda.
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Um momento íntimo da banda, mais um, ao fim de 20 anos de carreira. Uma noite de senhores, de fato e gravata. Um concerto para não esquecer e para guardar agora que saiu em DVD, acompanhado de dois discos. É a magia do rock sem grandes guitarradas num concerto onde até o magistral órgão de tubos do Royal Albert Hall serviu à banda.
Sabemos que há noites irrepetíveis quando vemos Mark Oliver Everett a beijar o chão onde John Lennon tocou – “por acaso, isto soube mais a Keith Richards” –, ou a saltar do palco para correr toda a gente com abraços. Isto já depois de ter dado as boas noites ao público do Royal Albert Hall, essa “espelunca”, avisando que a noite seria feita de “rock chato”. Mr. E não está para brincadeiras. Ou está, mas como só ele sabe estar: humor cáustico na dose certa, conversa nunca demasiada.
É a segunda vez que a banda pisa esse palco londrino, a primeira em nove anos. E nove anos na vida dos norte-americanos é um avanço gigante. Foi o tempo de editarem cinco discos e andarem pelo mundo. Os Eels que agora vemos, e que a 30 de Junho de 2014 subiram ao palco do Royal Albert Hall, são o reflexo disso, da passagem do tempo Passagem que sentimos a cada música. Começam com Where I’m At, a instrumental que abre The Cautionary Tales of Mark Oliver Everett, editado no ano passado, e marcam o tom com When You Wish Upon A Star. Sim, a canção do clássico da Disney de 1940, Pinóquio. Em duas canções, é como se o Royal Albert Hall tivesse encolhido. É como se estivéssemos sentados em casa de Mr. E a ouvi-lo cantar e a tocar canções com amigos. Ajuda o ambiente criado: luzes, poucas, em cima da banda, lâmpadas atrás sob uma enorme cortina preta, dois tapetes. O rock hoje é outro. Everett avisa à quinta música: “Espero que estejam com disposição para um rock doce, soft e chato”.
Algumas das canções mais antigas foram retocadas para que melhor se encaixassem no tom. Mansions of Los Feliz está diferente e A Line in the Dirt até soa melhor.It’s a Motherfucker, já um clássico, marca “um outro nível de chatice”, diz Mark Oliver Everett. Fossem todas as chatices assim. O que dizer, por exemplo, de Fresh Feeling com piano?
Pelo meio, o músico lembra como há nove anos lhe negaram o pedido para tocar no monumental órgão de tubos do Royal Albert Hall. “As bandas de rock não estão autorizadas a tocar no órgão, mesmo que este ano sejamos uma banda soft de rock”, conta, ironizando que para cumprir o seu desejo teria de se alistar numa “sociedade real de tocadores de órgão”. “Em sua defesa, quero agradecer ao Royal Albert por nos ter convidado. Albert é como eu lhe chamo, é um tipo simpático”, brinca, prometendo um dia dar o ar da sua graça naquele instrumento.
Até lá, o espectáculo continua. Uma viagem à carreira dos Eels que anima com I Like Birds, desse disco que leva já 15 anos, Daisies of the Galaxy. Everett já nem precisa de cantar. O público está lá para isso. Uma hora de concerto passou e o norte-americano despede-se, pela primeira vez: “Obrigada pelos vossos anos de interesse, não sei o que faria sem isso, dêem-me um abraço”. E num piscar de olhos, salta para o público, percorre a plateia em abraços, enquanto no palco a banda agradece. “Isto foi tão divertido como aterrador”, diz, já meio despenteado e passando a formalidade de sair do palco e voltar para um encore. Era isso que ia fazer mas já não vale a pena. Siga mais uma canção, e outra, e outra.
Mas há lá concerto sem que a banda fuja do palco e volte a entrar? Ainda por cima numa sala cheia? Encore que é encore é assim. E este foi especial, houve direito a cover bonitinha de Can’t Help Falling In Love, de Elvis Presley, e ainda a uma versão de Turn on Your Radio, de Harry Nilsson.
E quando já algumas pessoas se encaminhavam para a porta, depois de a banda se ter despedido pela segunda vez, eis que se ouvem pela sala gargalhadas maléficas. A cortina cai e Everett surge no tão ambicionado órgão, qual Fantasma da Ópera, vestido a rigor e tudo. Flyswatter e The Sound of Fear nunca soaram assim.
É por noites assim não se repetirem que é muito bom que exista um disco que nos transporte para lá quando quisermos. Mas bom, bom, é que exista um DVD para nos mostrar como tudo aconteceu. E há até uma espreitadela curta ao backstage da banda.