Alemanha acusada de não avisar companhias aéreas sobre riscos na Ucrânia

Avião da Malaysia Airlines foi abatido a 17 de Julho do ano passado, quando o Ministério dos Negócios Estrangeiros alemão já discutia internamente a sua "profunda preocupação".

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No desastre morreram os 298 passageiros que seguiam a bordo BULENT KILIC/AFP

O avião da Malaysia Airlines não foi o único a sobrevoar aquela zona no fatídico dia 17 de Julho de 2014 – entre outros, três aviões da companhia alemã Lufthansa tinham feito o mesmo percurso, um deles apenas 20 minutos antes do Boeing 777 malaio.

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O avião da Malaysia Airlines não foi o único a sobrevoar aquela zona no fatídico dia 17 de Julho de 2014 – entre outros, três aviões da companhia alemã Lufthansa tinham feito o mesmo percurso, um deles apenas 20 minutos antes do Boeing 777 malaio.

Para além da investigação às causas do desastre, uma das questões que mais se discutiu na altura foi precisamente o facto de várias companhias terem decidido manter os seus voos sobre uma zona que era palco de um conflito armado há três meses e meio, e que prossegue ainda hoje, entre o Exército ucraniano e os rebeldes pró-russos.

A Lufthansa foi uma das companhias que não alterou os seus planos de voo, mas outras tinham começado a contornar o Leste da Ucrânia meses antes do desastre, entre as quais a também alemã Air Berlin, a British Airways, a australiana Qantas, a Korean Airlines e a Cathay Pacific, de Hong Kong (a portuguesa TAP informou na altura que não utiliza o espaço aéreo ucraniano).

A decisão de sobrevoar ou não sobrevoar foi tomada pelas próprias companhias aéreas, já que não estava em vigor qualquer proibição de sobrevoo no Leste da Ucrânia – havia restrições, mas apenas na região da Crimeia, quase 600 quilómetros a Sul de Donetsk, que tinham sido decretadas devido à confusão sobre quem era de facto responsável pelo tráfego aéreo após a anexação da península pela Rússia.

Sem recomendações em contrário nem proibições, eram as companhias que decidiam se deviam ou não sobrevoar o Leste da Ucrânia – segundo a versão oficial, os governos europeus e os seus serviços secretos não tinham informações concretas sobre o uso de armamento no terreno que pudesse pôr em perigo a aviação civil acima dos dez quilómetros de altitude.

Mas agora, os canais públicos alemães WDR e NDR e o diário Süddeutsche Zeitung revelaram a existência de uma nota do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, com a data de 15 de Julho (dois dias antes do desastre), com a indicação de que deveria ser discutida apenas internamente.

Nessa nota, o ministério dava já conta da sua "profunda preocupação" com a situação no espaço aéreo ucraniano, referindo especificamente o abate de um avião militar ucraniano Antonov no dia 14 de Julho, a mais de 6000 metros de altitude – se um An-26 tinha sido abatido a essa altitude, tudo indicava que havia no terreno armamento com capacidade suficiente para atingir aviões civis, ainda que voassem quatro quilómetros acima.

Em resposta às perguntas dos jornalistas alemães, o Ministério dos Transportes mantém que "antes da queda do MH17 o Governo alemão não tinha qualquer indicação de que a situação para a aviação civil tinha piorado na Ucrânia", e a companhia Lufthansa fez saber, em comunicado, que não recebeu nenhuma informação nesse sentido: "É um facto que antes de 17 de Julho não recebemos informações das autoridades alemãs."

Dias depois do desastre, a agência da ONU responsável pela regulamentação do espaço aéreo (ICAO) nomeou uma equipa para avaliar possíveis falhas no sistema de partilha de informação entre os governos e as companhias. Os resultados foram apresentados na primeira semana de Fevereiro, e a principal medida foi a criação de uma base de dados pública com informação sobre zonas de conflito, que pode ser consultada no site da organização.

"Este repositório centralizado tem como finalidade melhorar o quadro global existente, segundo o qual cada Estado é responsável pela avaliação dos riscos para a aviação civil no seu espaço aéreo, e por disponibilizar imediatamente essa informação a outros estados e companhias", disse o presidente do conselho do ICAO, Olumuyiwa Benard Aliu.

A base de dados foi lançada no dia 10 de Abril, e até agora tem apenas um alerta relativo ao espaço aéreo da Ucrânia, feito pelo Governo francês: uma recomendação para que os aviões das companhias francesas não entrem no espaço aéreo ucraniano, à excepção dos voos com destino ou com partida do aeroporto de Kiev.

O Boeing 777 da Malaysia Airlines fazia a ligação entre Amesterdão (Holanda) e Kuala Lumpur (Malásia) quando foi abatido sobre a província de Donetsk, no Leste da Ucrânia.

Um relatório preliminar da equipa de investigação indica que o desastre foi provocado pelo impacto de "objectos a alta velocidade", mas o resultado final dos trabalhos só deverá ser conhecido em Outubro. A tese que prevalece em Kiev é a de que o Boeing da Malaysia Airlines foi abatido por um míssil disparado pelos rebeldes separatistas a partir de um sistema Buk fornecido pela Rússia; em Moscovo aponta-se o dedo aos ucranianos e fala-se em vários cenários, entre os quais um ataque de um caça da Ucrânia.