Ordem abre inquéritos disciplinares a médicos envolvidos em prova de amamentação

Ordem vai fazer um levantamento sobre os protocolos usados nos hospitais do Norte

Foto
Enric Vives-Rubio

O anúncio surge depois de o PÚBLICO ter divulgado os casos de duas enfermeiras, uma do Hospital de Santo António e outra do Hospital de S. João, que dizem ter tido que comprovar que estavam a amamentar “espremando as mamas” em frente a médicos de consultas de saúde ocupacional. O presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar do Porto (a que pertence o hospital de Santo António) admitiu na segunda-feira que a metodologia da prova de evidência de leite era uma das três hipóteses propostas às funcionárias para demonstrarem que continuam a amamentar e anunciou que ia rever este “protocolo”, devido ao “escândalo” gerado.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

O anúncio surge depois de o PÚBLICO ter divulgado os casos de duas enfermeiras, uma do Hospital de Santo António e outra do Hospital de S. João, que dizem ter tido que comprovar que estavam a amamentar “espremando as mamas” em frente a médicos de consultas de saúde ocupacional. O presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar do Porto (a que pertence o hospital de Santo António) admitiu na segunda-feira que a metodologia da prova de evidência de leite era uma das três hipóteses propostas às funcionárias para demonstrarem que continuam a amamentar e anunciou que ia rever este “protocolo”, devido ao “escândalo” gerado.

A OM/Norte volta a lembrar que “a licença de amamentação” (o direito à redução do horário de trabalho até duas horas por dia para dar de mamar às crianças) é está consagrado no Código do Trabalho e frisa que é uma “ilegalidade” e uma "ofensa grave” aos direitos das funcionárias a simples convocatória para consulta no serviço de saúde ocupacional com o propósito de efectuar uma prova de evidência de leite. No caso da dispensa para amamentação se prolongar para além do primeiro ano de vida do filho, sublinha Miguel Guimarães, "a mãe trabalhadora deve apenas apresentar atestado médico que comprove a continuação da amamentação".

Mas Miguel Guimarães vai mais longe. Considera que as afirmações do ministro da Saúde a propósito destes casos (Paulo Macedo disse que não tinha conhecimento de tais metodologias e não tinha dado "orientações" neste domínio) foram "imprudentes". "Em qualquer outro país", estas afirmações “teriam consequências graves, tanto mais que é inequívoco o poder de superintendência que o Ministério da Saúde exerce sobre os hospitais”, acentuou.

Um responsável da Ordem dos Enfermeiros ouvido pelo PÚBLICO, Vítor Varela, defendeu que o Ministério da Saúde deve "actuar rapidamente" face às denúncias das profissionais de saúde. Esta metodologia (espremer as mamas para provar que tem leite) é “eticamente e inqualificável de tão absurda”, considera Vítor Varela, que é presidente da mesa do colégio de especialidade de Saúde Materna e Obstétrica da Ordem dos Enfermeiros. As mamas das mulheres têm uma tal “conotação de intimidade” que “parece ultrajante obrigá-las a fazer” tal coisa, acrescenta.

Se esta situação surge por causa de atestados médicos que não são verdadeiros (razão invocada pelo Hospital de S. João para fazer este tipo de provas)  “seria interessante saber quantos casos” tem esta unidade de saúde e qual foi “a sanção determinada” nestas situações, disse ainda Vítor Varela.“Sabemos que há pessoas que abusam, mas a saúde ocupacional não é de certeza a valência mais indicada para atestar, quem deve atestar é o médico de família”, enfatizou.

Vítor Varela aconselha as profissionais que se virem compelidas a este tipo de prova de amamentação a queixarem-se ao gabinete jurídico da OE a nível nacional, o que ainda não fizeram, e denunciar a situação a outras instâncias, como a Comissão Parlamentar da Saúde, a Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados e até associações cívicas como a Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e no Parto. Também deverão denunciar a situação à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, que terá que tomar posição.

Prática usada "há anos" no privado

Contextualizando toda esta problemática, Vítor Varela lembra que nos últimos tempos muitos enfermeiros saíram do Serviço Nacional de Saúde (SNS) por aposentação, emigração ou outras causas e que “não foram substituídos”, o que estará na base de algumas pressões para que provem ou abdiquem de vários benefícios de parentalidade. "Os profissionais estão estourados, cansados, no limite”, sintetiza.

No SNS, o que verifica actualmente é "a desregulação total dos horários”, diz também Lúcia Gomes, que é advogada e membro do conselho nacional do Movimento Democrático de Mulheres (MDM). Defendendo ser "exigível" que, nos casos de provas de amamentação denunciados pelas duas enfermeiras do Norte, o ministro da Saúde mande abrir um inquérito, Lúcia Gomes considera igualmente que o atestado médico "é suficiente" e que este tipo de prática é “inadmissível”.

Se houver indícios de fraude, frisa, isso é “uma questão à margem” e não caberá à entidade patronal a inspecção, devendo os casos ser denunciados às entidades competentes. Lúcia Gomes adianta ainda que no sector privado desde há anos que se ouve falar na prática da prova de amamentação, sobretudo em fábricas e grandes superfícies, mas o problema é que não há denúncias, porque as trabalhadoras têm medo de retaliações.

Esta terça-feira, o grupo parlamentar do Bloco de Esquerda questionou o Governo sobre os relatos das duas enfermeiras. “Uma sociedade decente não pode permitir que esta indignidade aconteça. O ministro da Saúde (…) tem que repudiar estes procedimentos e dar orientações para que tais práticas sejam erradicadas”, reclamam os parlamentares bloquistas no requerimento. “Não é compreensível que Estado ultraje desta forma as mulheres. Esta é uma situação absolutamente incompatível com a dignidade das mulheres”, acrescentam.