Vários tipos de maus-tratos não são detectados pelas comissões de protecção de menores

O estudo aponta a necessidade de mais meios humanos e mais formação dos profissionais que trabalham nesta área, no sentido de aumentar a eficácia na sinalização de vários tipos de abuso, dada a elevada probabilidade “ de estas ocorrerem ao mesmo tempo".

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Há cerca de oito mil crianças e jovens em risco em instituições de acolhimento. Nuno Ferreira Santos

“Vários tipos de mau-tratos na infância não são detectados pelas Comissões de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ), mesmo quando as crianças são sinalizadas” por estes organismos, conclui o estudo de doutoramento realizado na Escola de Psicologia da Universidade do Minho.

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“Vários tipos de mau-tratos na infância não são detectados pelas Comissões de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ), mesmo quando as crianças são sinalizadas” por estes organismos, conclui o estudo de doutoramento realizado na Escola de Psicologia da Universidade do Minho.

O autor da investigação, Ricardo Pinto, disse à agência Lusa que o estudo procurou saber como é que jovens que foram identificados pelas CPCJ como maltratados na infância descreviam as experiências abusivas de que foram vítimas.

Para isso, foram consultados processos arquivados em CPCJ de 380 crianças, com idades entre os cinco e os 12 anos, sinalizadas entre 1999 e 2006. Destas crianças, foram localizadas 136, entre 2010 e 2011, já adolescentes e jovens adultos (com idades entre os 14 e 23 anos) que voluntariamente decidiram participar no estudo.

Um dos objectivos do estudo foi confrontar a forma como contam a sua história de infância com a informação que estava documentada nos seus processos.

“O que verificámos foi que o acordo entre aquilo que os jovens relatam em termos de experiências adversas e a informação que constava nos processos é muito baixo (17%)”, adiantou Ricardo Pinto.

A investigação revela que houve 40 jovens que relataram abuso emocional, mas esta informação apenas constava em 3 processos; de 37 jovens que descreveram abuso físico, apenas 12 tinham esta informação no seu processo; e de 23 que disseram ter sido vítimas de abuso sexual, apenas em 8 tinham esta situação no processo.

No caso de 70 jovens que relataram negligência emocional, apenas 26 tinham esta informação no processo. Houve ainda 48 jovens que contaram ter sido vítimas de violência doméstica, mas apenas 18 tinha esta informação registada.

A negligência física, “a adversidade mais reportada às comissões”, foi o tipo de mau-trato que “mais consistência” registou: de 49 jovens que relataram esta situação, apenas num processo não constava esta informação.

De acordo com o estudo, a dificuldade é maior quando o tipo de mau-trato é mais facilmente ocultado pelo agressor (abuso sexual) e menos observável (abuso ou negligência emocional). Já a violência doméstica poderá não ser alvo de avaliação porque o foco da atenção é o mau-trato directo à criança.

Para Ricardo Pinto, o facto de os jovens contarem situações que não correspondem com a informação nos processos “é o suficiente para se tentar perceber o que se passou”.

Esta situação pode colocar várias questões: “será que os jovens estão a mentir? Será que estão a revelar coisas que não aconteceram? Não há forma de saber, mas se esse argumento é válido foram muitos jovens a fazer isso”.

O investigador advertiu que “há uma elevada probabilidade de uma criança quando é abusada fisicamente, também ser negligenciada e abusada sexualmente”.

“Isto exige sensibilidade do técnico [da comissão] e tempo para recolher” informação de várias fontes. Contudo, a sua tarefa “não será fácil” porque os maus-tratos “poderão ser ocultados por quem os perpetra”.

A investigação também verificou casos em que os jovens ocultaram informação que constava nos processos. “Muitas vezes têm receio de contar o que se passa por vergonha ou porque são ameaçados pelos agressores”, mais um factor que “dificulta o trabalho do técnico a encontrar a verdade”.

O estudo aponta a necessidade de mais meios humanos e mais formação dos profissionais que trabalham nesta área, no sentido de aumentar a eficácia na sinalização de vários tipos de abuso, dada a elevada probabilidade “ de estas ocorrerem ao mesmo tempo.

O investigador defendeu ainda a importância de acompanhar a criança mesmo depois do arquivamento do processo na CPCJ. “A criança foi sinalizada, esteve em risco, o processo foi arquivado, mas ela veio a sofrer de revitimização, como é que esta criança fica”, questiona.

Para o investigador, esta é uma matéria que “tem de ser mais discutida”. “Acho que ainda há muito a fazer em matéria de crianças e jovens”, rematou. Em 2014, 8.470 crianças e jovens estavam em instituições de acolhimento.