Comissões de protecção de menores terão acesso à base de agressores sexuais

Polícias dizem que se a legislação for aprovada no Parlamento precisará de ser regulamentada. Pais obrigados ao segredo sobre informação que obtiverem.

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Ministra da Justiça recuou, limitando mais o acesso dos pais de menores à lista de agressores sexuais condenados Nuno Ferreira Santos

A proposta aprovada quinta-feira em Conselho de Ministros deixa inúmeras incógnitas sobre a forma como os pais de menores de 16 anos poderão aceder à lista de agressores sexuais condenados, que o Governo quer criar. E avança novidades como o acesso directo das comissões de protecção de crianças à lista de agressores, não prevista na primeira versão. O projecto, que ainda terá que ser aprovado no Parlamento, não define quem nas polícias decidirá se a situação descrita pelos familiares constitui um “fundado receio” de que “determinada pessoa” pode constar no registo, confirmando aos pais se esse cidadão já foi condenado por um crime sexual.

A proposta também não define um prazo para que essa informação seja prestada, nem estabelece as situações abarcadas pelo conceito de “fundado receio”. “Alguém com um ar suspeito a olhar para os nossos filhos constitui um fundado receio para este efeito?”, questiona o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Rui Cardoso. “E quem é responsável por essa decisão , o agente ao balcão ou o comandante da esquadra?”

As dúvidas também deixam preocupado o presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia, Paulo Rodrigues. “A regulamentação da lei é fundamental. Não queremos ter uma responsabilidade e não a saber exercer porque temos medo de pecar por excesso ou por defeito”, resume.

A bastonária da Ordem dos Advogados, Elina Fraga, tem outros receios. “Deixar ao livre arbítrio de um órgão de polícia criminal o preenchimento de um conceito indeterminado é extremamente perigoso”, acredita. E explica porquê: “Os conceitos indeterminados são utilizados muitas vezes, mas quem os preenche são os juízes. Passar isso para as polícias é dar-lhes uma tarefa que não estão qualificadas para fazer”.

Para o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Mouraz Lopes, é quase certo que este regime trará decisões incoerentes: “Cada polícia terá o seu critério”. O magistrado antevê um outro problema. “Quem sindicará a decisão de autorizar ou não o acesso aos pais? Há recurso desta decisão?”, interroga.

A proposta aprovada não esclarece. Define apenas de forma genérica que os pais de menores de 16 anos que quiserem aceder a informação da base de dados “devem dirigir-se à autoridade policial da área da sua residência e alegar situação concreta que justifique um fundado receio de que determinada pessoa pode já constar no registo, solicitando que lhes seja prestada informação sobre a identidade e o domicílio de pessoa cuja identificação conste do registo”. Para a informação ser prestada exige-se que o agressor “tenha domicílio no concelho de residência do requerente” ou “no concelho onde se situe o estabelecimento de ensino frequentado pelo menor”.

A nova versão da proposta de lei traz uma mudança. Os pais terão direito igualmente à informação se se ausentarem temporariamente de casa, devido a férias ou outro motivo, e a pessoa sobre a qual querem ter dados “tenha domicílio no concelho do local onde se encontrem”.Ao contrário da proposta inicial a nova versão não possibilita aos pais saberem todos os condenados por crimes sexuais na sua área de residência ou na da escola dos filhos. Poderão saber apenas se um suspeito que reside nesses locais faz ou não parte da lista e onde mora. 

O acesso directo das comissões de protecção de crianças ao registo dos agressores condenados é outra das novidades, que dá a estes organismo mais liberdade para acederem a esta base de dados do que ao Ministério Público ou às polícias. “As polícias só podem aceder à lista no âmbito de inquéritos, e aí já há notícia de um crime, ou então quando estão a cooperar com entidades internacionais. Mas não em termos puros de prevenção”, diz Rui Cardoso, que estranha esta solução.

A nova proposta mantém os deveres dos agressores sexuais condenados, que terão 15 dias após o cumprimento da pena para comunicar o local de residência e o domicílio profissional. Terão a mesma obrigação se mudarem de casa ou se apenas se deslocarem mais de cinco dias da residência. Bastante diferente é a sanção a que estão sujeitos se não cumprirem estas obrigações. Se na primeira versão estava prevista uma punição “com pena de prisão até três anos”, na segunda esta é reduzida para prisão até um ano ou multa.

Ambas as propostas estabelecem que os pais que acederem a informação da base de dados “ficam obrigados ao segredo”. Contudo, a versão aprovada esta semana deixa cair a previsão expressa da sanção aplicada a esta violação - que remetia para o regime do crime de violação do segredo, punido com pena de prisão até um ano ou multa até 240 dias. Já a nova versão prevê que o “uso indevido da informação disponível no registo” é punido nos termos da “lei de protecção de dados pessoais”. 

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