Recluso em cama urinada, sem comer e sem assistência médica mais de 24 horas

Observatório dos Direitos Humanos conclui que houve “a gravíssima violação" do direito à protecção da saúde do recluso.

Foto
Colegas de cela é que alertaram família do recluso. Carlos Lopes

“Pelos 18h55 recebemos um telefonema dos colegas de cela do meu pai a contar com elevada preocupação que o meu pai estava de tal forma debilitado que não comeu durante todo o dia e que se urinou na cama, por incapacidade de andar. Os colegas já tinham chamado ajuda várias vezes, mas não o levaram à enfermaria ou prestavam verdadeiro auxilio”, relata a filha Soraia, numa queixa enviada ao SOS Prisões.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

“Pelos 18h55 recebemos um telefonema dos colegas de cela do meu pai a contar com elevada preocupação que o meu pai estava de tal forma debilitado que não comeu durante todo o dia e que se urinou na cama, por incapacidade de andar. Os colegas já tinham chamado ajuda várias vezes, mas não o levaram à enfermaria ou prestavam verdadeiro auxilio”, relata a filha Soraia, numa queixa enviada ao SOS Prisões.

De imediato, Soraia contactou a cadeia. Um responsável assegurou-lhe que o pai fora observado por uma enfermeira e que se encontrava estável. Soraia estranhou. “Ser considerado ‘bem ou estável’ sendo que não se conseguia levantar, comer ou urinar em local devido?”, questiona na participação, reencaminhada para o Observatório dos Direitos Humanos. Os receios foram transmitidos a um chefe da guarda prisional que prometeu uma nova avaliação da enfermagem, adiantou que ao fim-de-semana não havia internamentos e pediu para telefonarem de novo mais tarde.

À segunda vez a resposta foi a mesma. De novo, apenas mais uma garantia. Licínio Lourenço seria encaminhado no dia seguinte, logo pela manhã,  para um hospital público e daí para Caxias.

Na manhã seguinte o telefone de Soraia voltou a tocar. Eram novamente os colegas de cela do pai. Desesperados. Iam trabalhar e Licínio continuava na cama todo urinado e sem comer há mais de 24 horas. Soraia voltou a contactar a cadeia. “Ligamos pelas 9h30 e ninguém sabia de nada”, resume a filha na queixa. Falou então com um membro da direcção da cadeia que garantiu que iria pessoalmente aos serviços clínicos e que o seu pai seria reencaminhado para o Hospital Amadora-Sintra, o que aconteceu nesse dia. Mesmo assim, Soraia decidiu colocar a indignação por escrito.

Num relatório publicado esta semana, o Observatório dos Direitos Humanos, uma frente de acção composta por várias associações, conclui que a “conduta dos funcionários do estabelecimento prisional, mormente dos serviços clínicos e do pessoal clínico, ao não permitirem ao recluso o internamento e o acesso aos cuidados de saúde adequados, durante o fim-de-semana, constitui uma gravíssima violação do seu direito à protecção da saúde”. E critica duramente “o abandono” a que Licínio foi votado num “ estado muito debilitado e em condições pouco humanas, no interior da cela, por um período de 24 horas”. Confrontado pelo observatório, o Estabelecimento Prisional de Sintra, actualmente com mais de 750 reclusos, não respondeu.

Sem resposta ficaram igualmente a maioria das perguntas feitas pelo PÚBLICO à Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais. Num comentário, os serviços prisionais apenas informam que o recluso “foi objecto de acompanhamento clínico e medicamentoso adequado, tendo sido internado quando os serviços clínicos consideraram haver motivos para tal”. E adiantam que o estado de saúde de Licínio “tem evoluído favoravelmente”.

Contactado pelo PÚBLICO, o presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional, Jorge Alves, disse não conhecer o caso, que porém não estranha. “Esse é o resultado da privatização dos serviços clínicos nas cadeias e de ter enfermeiros a ganhar três ou quatro euros à hora”.